O diagnóstico de Krugman de 'bad luck' e 'bad policy' deve ser ampliado para incluir 'bad politics'
Nelson Barbosa
Folha de S.Paulo
Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, analisou superficialmente a recessão brasileira de 2014-16 e concluiu que suas principais causas foram azar ("bad luck") e erros de política econômica ("bad policy").
Outros colegas já comentaram a análise de Krugman, mas volto ao tema para adicionar uma dimensão política à questão.
Primeiro, não há como negar que a economia brasileira sofreu um enorme choque exógeno e adverso, via queda dos preços de commodities e grande seca no Sudeste, em 2014-16.
A redução dos preços dos bens primários exportados pelo Brasil foi maior e mais prolongada em 2014-16 do que após a crise financeira de 2008. No mesmo sentido, a seca pressionou os preços de energia para cima, aumentando o impacto do fim dos subsídios em 2015.
Segundo estimativas de Braulio Borges, do Ibre, 40% da recessão de 2014-16 pode ser atribuída a essas causas externas. Krugman acertou ao enfatizar a "bad luck", que geralmente é ignorada pelos críticos de sempre dos governos do PT, que preferem enfatizar somente fatores internos em 2014-16.
Ironicamente, para esses mesmos críticos, o bom desempenho do Brasil em 2006-11 foi fruto somente de condições externas favoráveis, não da política econômica daquela época. Melhor ignorar essas análises de dois pesos e duas medidas e voltar ao Krugman.
Se 40% da recessão pode ser atribuída a choques exógenos, o que dizer dos 60% restantes? Nesse ponto discordo de Krugman, pois ele enfatiza somente o ajuste fiscal e monetário de 2015 como a outra causa da crise.
Houve excessos, mas o ajuste de 2015 foi necessário para corrigir os erros política econômica de 2012-14.
A elevação da Selic foi necessária para controlar os efeitos indiretos da depreciação cambial e da liberalização de preços administrados em 2015. Como a inflação já estava alta, não era possível acomodar aquele choque.
Passado o choque, a tendência da inflação se inverteu já no início de 2016, permitindo ao BC reduzir a Selic.
Se houve equívoco, ele ocorreu em 2017, quando o Copom demorou para cortar a taxa básica de juros em face da rápida queda da inflação e da lenta recuperação da economia.
Já do lado fiscal Krugman está parcialmente certo. Houve forte contração fiscal em 2015, de 1,2% do PIB quando consideramos a variação do resultado fiscal estrutural do setor público (segundo estimativa do Ministério da Fazenda).
O ajuste fiscal foi recessivo, sobretudo quando os choques externos (commodities e clima) e os impactos iniciais da Operação Lava Jato (parada súbita do crédito e do investimento) empurraram a economia mais para baixo em 2015.
Essa mudança brusca levou o governo a tentar flexibilizar sua política fiscal já em meados de 2015, mas a iniciativa foi bloqueada pela crise política daquele ano.
Somente após a deposição de Dilma Rousseff, em maio de 2016, o Congresso aprovou o até então polêmico “Orçamento com déficit” e permitiu que a política fiscal ajudasse a estabilizar a economia.
Como Krugman desconhece esses detalhes, seu diagnóstico de bad policy está incompleto. Sim, houve forte contração fiscal em 2015, baseada na hipótese da austeridade expansionista defendida pelo Ministro da Fazenda da época, mas o governo tentou corrigir seu erro inicial já no segundo semestre do mesmo ano.
A tentativa não aparece nos dados por que foi bloqueada (sabotada) pela estratégia do “quanto pior melhor” da oposição naquela época.
Logo, para entender a grande recessão de 2014-16, o diagnóstico de "bad luck" e "bad policy" deve ser ampliado para incluir, também, "bad politics".
Sobre o autor
Professor da FGV-SP, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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