Política econômica sem BC?
Paulo Feldmann
Paulo Feldmann, professor de Economia da USP, durante fórum realizado pela Folha, em 2014 - Moacyr Lopes Junior - 28.ago.14/Folhapress |
Entre as principais atribuições de um presidente da República está a concepção e execução da política econômica da nação, e esta é dividida em três partes igualmente importantes: política fiscal, política monetária e política cambial.
A primeira fica na órbita do ministro da Fazenda, e as outras duas são ligadas ao Banco Central.
Essas três políticas precisam estar totalmente integradas, pois cada uma delas afeta as demais.
A política fiscal cuida do que o governo arrecada e de seus gastos; a política monetária é responsável pelo controle da inflação, da quantidade de moeda em circulação e das taxas de juros; e, por fim, a política cambial controla as entradas e saídas de divisas estrangeiras, agindo na valorização ou desvalorização da moeda.
Qualquer pequena alteração em uma dessas políticas afeta imediatamente as outras duas.
Assim, por exemplo, se há uma ameaça de inflação, o governo aumenta a taxa de juros para atrair capitais externos, o que valoriza a moeda e atenua a inflação.
Mas, quando o governo aumenta a taxa de juros, ele próprio vai ter uma despesa adicional, pois terá que pagar àqueles que investirem em seus títulos, o que pode aumentar seu déficit; aí, terá que mexer novamente na política monetária. As três políticas são interativas entre si.
Ou seja, se o Banco Central for independente, a formulação da política econômica não será nem coesa nem integrada. Pior que isso: o Banco Central vai poder agir na conjuntura econômica sem que o governo central possa executar ou fazer valer suas intenções.
Elegemos um presidente da República para ele delegar a execução da política econômica a outros agentes independentes dele?
Bancos centrais independentes se justificam em países altamente desenvolvidos, onde as questões orçamentárias já estão resolvidas e o Orçamento é a principal peça para se administrar o país. Estamos longe disso.
Aqueles que pedem a independência do Banco Central são em sua maioria do mercado financeiro e consideram que questões como redução de endividamentos ou manter baixa a taxa de inflação são preponderantes sobre qualquer aspecto da economia.
Mesmo assim, e, apesar de ainda não ser formalmente independente, na prática o Banco Central no Brasil tem atuado há tempos muito mais em favor do setor financeiro e muito menos em favor do crescimento econômico.
Isso explica por que, ao longo desses últimos anos, não surgiu nenhuma política de combate ao desemprego no Brasil, mas em compensação o spread bancário é o mais alto do mundo.
Talvez poucos saibam, mas o Banco Central deveria ser o órgão regulador do sistema financeiro --e, portanto, precisava ser independente sim, mas dos bancos. O que vemos é o contrário.
Apesar de cinco bancos deterem cerca de 80% do mercado no Brasil, não se vê aquela instituição atuando para coibir essa falta de competição, que faz com que as taxas de juros para empréstimos no Brasil se situem entre 200% e 300% ao ano. Sem contar o cheque especial, que está acima disso.
O que notamos é, sim, uma enorme promiscuidade na circulação de executivos que ora estão no Banco Central ora voltam às suas funções no mercado financeiro.
O presidente foi eleito pela maioria da população e não pelo mercado; portanto, não faz sentido capturar o Banco Central para que este priorize medidas favoráveis ao setor financeiro em detrimento da nação.
Paulo Feldmann
Professor de economia da USP e ex-presidente da Eletropaulo (1995-96, governo Covas), foi diretor e presidente no Brasil de multinacionais como Microsoft, Ernst & Young e Sharp.
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