1 de outubro de 2019

O último trabalho de Hobsbawm

O historiador marxista Eric Hobsbawm morreu há sete anos. Aqui nos lembramos de seu último livro, How to Change the World.

Mike Beggs

Tribune


Tradução / Há apenas um pouco de luz no final do penúltimo capítulo — o mais sombrio de todos — da história do marxismo escrita por Eric Hobsbawm: talvez o fardo do "socialismo realmente existente" deixe de pesar sobre as costas das novas gerações e isso nos permita voltar a Marx. "Hoje, só quem tem mais de trinta anos guarda alguma lembrança direta dos anos da Guerra Fria."

A ideia de que Marx foi o “inspirador do terror e do gulag, e os comunistas [...] essencialmente defensores, senão protagonistas, do terror e da KGB” não tem mais validade do que “a tese de que todo o cristianismo deve levar lógica e necessariamente ao absolutismo papal, ou todo o darwinismo para a glorificação da livre competição capitalista”. A maioria dos “comunistas realmente existentes” no Ocidente eram críticos ao stalinismo desde 1956 (sim, diz Hobsbawm, que permaneceu no Partido Comunista Britânico até os anos 1980, alinhado “implicitamente” com os partidos que defendiam a orientação de Moscou). Mas os anticomunistas sempre acharam a ideia de que o socialismo significa Stalin e uma estratégia retórica eficaz. É uma maneira de mudar o eixo toda vez que os socialistas iniciam uma conversa. Mas é claro que, à medida que a União Soviética e o Grande Salto Adiante retrocedem na história, as sombras que lançam sobre a ideia de uma sociedade pós-capitalista continuarão a encolher.

Hobsbawm não teve a mesma sorte. O Guardian decidiu atiçar o apologista da Guerra do Iraque, Nick Cohen, contra Como mudar o mundo e o que conseguiu foi um quarto de resenha crítica e três quartos de linhas requentadas como: “Se Hobsbawm tivesse seguido a lógica de suas convicções e deixado a Alemanha nazista para buscar asilo na União Soviética em vez da Grã-Bretanha, suas chances de sobrevivência teriam sido pequenas”. Em uma “resenha” no Monthly australiano, John Keane menciona o livro de Hobsbawm três vezes, duas para reclamar de coisas que ele não escreveu, como “a antiquada fixação de Marx na conquista da natureza através do trabalho, sua incapacidade de compreender o papel constitutivo da linguagem nos assuntos humanos e sua afirmação equivocada de que o materialismo histórico era uma ciência como a de Darwin”, mais o “fato de que Joseph Stalin sozinho matou mais comunistas do que todos os ditadores do século XX juntos, ou que o marxismo levou países inteiros à miséria”.

Esses ataques são irritantes no caso de Hobsbawm. As pessoas que leem uma história do marxismo com o maior interesse provavelmente têm certo compromisso e compartilham sua política até certo ponto. Mas, como Perry Anderson apontou a propósito da autobiografia de Hobsbawm, desde A Era dos extremos o inglês tende a escrever como se explicasse ou se desculpasse por sua política para uma audiência de establishment. Hobsbawm sentia certo orgulho cada vez que a imprensa repetia seu discurso sobre “o retorno de Marx”, sobre Marx prevendo a “globalização”, ou a crise financeira mundial, ou a queda do comunismo. De fato, o primeiro capítulo de Como Mudar o Mundo é baseado em um discurso de Hobsbawm gravado no New Statesman em 2006 sob o título “The New Globalization Guru?” (O guru da nova globalização). Ele termina o ensaio final (originalmente uma palestra proferida em 1999) dizendo que tanto socialistas quanto neoliberais “têm interesse em retornar a um pensador fundamental cuja essência é a crítica tanto do capitalismo quanto dos economistas que falharam em reconhecer aonde a globalização capitalista levaria”. Mas os liberais são um público ingrato e pensam que as esperanças políticas que definiram a vida de Hobsbawm são estúpidas, na melhor das hipóteses, e é uma vergonha ajoelhar-se diante delas.

Felizmente, na maioria dos ensaios deste livro, Hobsbawm tem em mente os marxistas e seus pares do passado e do futuro. É até concebível que Hobsbawm tenha escrito em parte para nós, a geração que veio depois da Guerra Fria e que foi atraída por Marx e os diferentes tipos de marxismo sem nenhum compromisso com a União Soviética, e que em nenhum caso poderia ser acusada de ter uma consciência culpada em relação a Stalin. Assim como Hobsbawm, nascido em 1917, se lembra com surpresa de ter conhecido Gorbachev em um anúncio da Pizza Hut, experimentamos o fato de receber essa transmissão de alguém que teve sua experiência política formadora em 1936 com a Frente Popular nas ruas de Paris. Mais velho de uma geração inteira em relação aos estudantes radicalizados da década de 1960, Hobsbawm manteve uma distância muito maior da Nova Esquerda do que seus quase contemporâneos do marxismo britânico, E.P. Thompson e Raymond Williams, aos quais ele sobreviveu em muitos anos. Sua mensagem vem mais da velha esquerda, do classismo de 1936, mas também, paradoxalmente ou não, da ninhada dos anos 1980 do Marxism Today, que criticava o trabalhismo de Tony Benn à direita.

Terry Eagleton observou na London Review of Books que Hobsbawm escreve sobre a história do marxismo de forma tão desapaixonada que seria difícil descobrir pela leitura que ele era um defensor de sua política. É um bônus: longe de ser uma celebração, Como Mudar o Mundo é uma tentativa honesta de avaliar as fraquezas e ganhos do marxismo. A esse respeito, conclui sem rodeios:

os textos “clássicos” não são facilmente utilizados como manuais de ação política, porque os movimentos marxistas de hoje – e provavelmente os do futuro – estão em situações que têm pouco em comum (exceto acidentes históricos temporários) com aqueles em que Marx, Engels e os movimentos socialistas e comunistas da primeira metade deste século elaboraram suas táticas e estratégias.

A primeira metade do livro trata desses textos clássicos e reúne muitos dos ensaios que Hobsbawm escreveu entre os anos 1960 e 2000 sobre as obras de Marx e Engels. São textos com muita exegese, mas não do tipo infértil que trata os textos como um universo em si, completo e autocontido. O objetivo é sempre historicizar e contextualizar e, na medida do possível no saturado campo dos estudos marxistas, a análise traz novos insights. Por exemplo, num estudo sobre a influência dos socialistas utópicos, ele argumenta que eles tiveram um impacto duradouro sobre a dupla, não abandonado após a crítica no Manifesto, e de certa forma até aprofundado nos escritos maduros, com Fourier sendo uma presença importante na Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado de Engels, e “o jovem Engels [...] claramente muito menos impressionado com os saint-simonians do que no Engels maduro”.

Em um dos capítulos mais fortes dessa parte, “Marx, Engels e a política” (publicado originalmente em italiano em 1982), Hobswbawm enfatiza as mudanças nas ideias de Marx e Engels ao longo do tempo e as mudanças que trouxeram em suas estratégias políticas: do otimismo das revoluções e contrarrevoluções de 1848, passando pelo pessimismo sobre as perspectivas imediatas da revolução nos anos restantes da vida de Marx, especialmente depois de verificar que a crise de 1857 não havia desencadeado outra onda de revoltas, até o papel de Engels como personagem ilustre na nascente social-democracia alemã. Hobsbawm volta a fatos conhecidos, mas que vale a pena repetir: a ausência de um dilema entre reforma e revolução na perspectiva de Marx; a insistência desde o Manifesto até a década de 1870 de que os comunistas não deveriam formar seitas políticas que os isolariam do movimento real da classe trabalhadora; e a antecipação do longo processo de transformação socialista que precederia ou seguiria qualquer revolução proletária vitoriosa, dada a profunda distinção entre um Estado e uma sociedade.

É óbvio que Hobsbawm pretende tirar conclusões que sirvam às estratégias atuais, embora também faça um grande esforço para destacar a distância que nos separa da situação política da última metade do século XIX e, consequentemente, quão estúpido seria tentar recriar as estratégias de Marx e Engels. Mais importante ainda é o fato de que Marx e Engels não tiveram a experiência do sufrágio universal e não puderam prever como a estrutura de conflito e acordo políticos evoluiria a partir disso. (Isso também revela o anacronismo do ataque de John Keane no Monthly, sua acusação ridícula de que o ardente defensor dos cartistas via a democracia parlamentar como “perfumaria burguesa”, e que o veterano de 1848, exilado pela reação do continente, estava cego para os “potenciais males e abusos” do “poder concentrado”). Se há uma ideia básica que separa a estratégia marxista da liberal ou da utópica, sugere Hobsbawm, é precisamente o reconhecimento da importância do contexto histórico e a rejeição do voluntarismo, a crença de que a sociedade pode ser mudada simplesmente pela moralidade ou pela força de vontade.

Os capítulos subsequentes tratam da recepção de Marx e Engels: um trata das reações vitorianas (mais medidas e calmas em uma época de confiança burguesa), e outro da história de publicação de suas obras. Todos sabem que Marx não terminou O capital, que os últimos livros foram produzidos por Engels e Kautsky a partir de rascunhos, e que os Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844 e os Grundrisse foram artefatos do século XX, acessíveis a muito poucas pessoas até alguns anos após o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas Hobsbawm faz um excelente trabalho em retraçar que sentido esse corpo mutável de “clássicos” teve para o movimento, tanto como causa quanto como efeito das mudanças e rupturas pelas quais o “marxismo” passou: textos reprimidos, textos esquecidos, textos redescobertos e usados ​​como armas retóricas.

Esses capítulos funcionam como uma ponte para a segunda parte do livro, que trata da história do marxismo do ano 1880 ao ano 2000. Exceto por uma lacuna infeliz – os anos críticos de 1914 a 1929 –, trata-se de uma história relativamente unificada. Três desses ensaios foram escritos no âmbito do mesmo projeto italiano de trinta anos atrás e outro então recém-escrito para completar a história até a virada do milênio. No entanto, é importante notar o que o texto não é: uma história abrangente do marxismo como um movimento. Em vez disso, é uma história da influência do marxismo, na qual o movimento aparece principalmente como um meio pelo qual as ideias se espalham (embora as fortunas e os problemas do movimento também tenham mudado o curso dessas ideias). Nesta parte do livro, Hobsbawm não está especialmente interessado no “comunismo oficial” do tipo chinês ou soviético, principalmente depois de 1945, provavelmente por considerá-lo estéril, uma espécie de túmulo do pensamento marxista. Trata-se sobretudo de uma história do marxismo no Ocidente, embora Hobsbawm não analise exclusivamente a Europa ou o campo do “marxismo ocidental” de filósofos e críticos literários. O espectro histórico e geográfico coberto por esses pequenos ensaios é amplo em detrimento da profundidade do conteúdo: são esboços descritivos e não genealogias detalhadas, embora certas formas revelem seus contornos mais claramente quando vistos de longe.

Mais importante é a grande lacuna que Hobsbawm traça entre o marxismo antes da Segunda Guerra Mundial e o marxismo das décadas de 1950 e 1960. Na década de 1930, o marxismo tendia a ser fundado em um pequeno cânone de textos clássicos: Marx, Engels, Lenin e uma seleção da Segunda Internacional. Foi quase totalmente excluído da universidade e desenvolvido principalmente no âmbito de partidos comunistas intelectualmente autossuficientes. Muitos intelectuais ocidentais se juntaram a grupos marxistas dissidentes, especialmente os trotskistas, “mas esses grupos eram tão pequenos em termos numéricos comparados aos partidos comunistas que eram quantitativamente insignificantes”. De qualquer forma, quando Hobsbawm estava estabelecendo sua carreira como historiador após a guerra, quase não havia alguns trabalhos “marxistas ou quase marxistas” sobre história escritos em inglês. Na década de 1960, o mundo era muito diferente:

a partir da década de 1960, os marxistas intelectuais mergulharam em um oceano de literatura e debate marxistas. Eles acessaram algo como um enorme supermercado de marxismos e autores marxistas, e o fato de que em cada caso a escolha da maioria de um país pudesse ser determinada pela história, pela situação política e pela moda não os impedia de conhecer a enorme variedade de opções que eles tinham. Isso cresceu ainda mais desde que o marxismo, novamente a partir da década de 1960, começou a se integrar cada vez mais ao conteúdo do ensino superior formal, pelo menos nas ciências humanas e sociais.

É claro que Hobsbawm esteve na vanguarda dessa entrada nas instituições e foi um dos historiadores que mais contribuiu para o florescimento das abordagens marxistas em sua disciplina. Mas, como seria de esperar de alguém que ficou no partido depois de 1956, quando a maioria de seus companheiros estava abandonando o navio, ele é altamente ambivalente quanto a essa evolução do movimento. Seu capítulo de 1945-1983 retrata o período como um grande florescimento e o amadurecimento do marxismo como força intelectual (embora também reconheça que marcou o ponto de partida de seu declínio político). A década de 1960 multiplicou consumidores e produtores de literatura marxista a uma taxa “espetacular”, e na década de 1970 o marxismo emergiu como uma força dentro da maioria das ciências sociais acadêmicas. Hobsbawm compara esse crescimento radical a 1848: surgiu do nada e desapareceu quase instantaneamente, mas deixou para trás muito mais do que parecia. A base social do marxismo no Ocidente era agora prioritariamente intelectual, e a base da classe trabalhadora, onde existia, estava desaparecendo.

Encontramos uma caricatura muitas vezes injusta das vítimas da moda teórica da Nova Esquerda dos anos 1970, e Hobsbawm cita as frases mais ultrajantes de alguns althusserianos – ou seja, “o estudo da história não é apenas cientificamente, mas também politicamente, inútil” – enquanto no mais das vezes ignorava seus pares como E.P. Thompson, Raymond Williams e Perry Anderson, que combinaram pesquisas sérias com o compromisso de abrir espaços políticos fora dos partidos comunista e trabalhista. No entanto, ele não deixa dúvidas quanto ao fato de que o marxismo oficial estava intelectualmente atrofiado e não havia como voltar atrás:

Ele tendia a ser reduzido a alguns elementos simples, quase slogans: a importância fundamental da luta de classes, a exploração dos trabalhadores, os camponeses do terceiro mundo, a rejeição ao capitalismo ou ao imperialismo, a necessidade da revolução e da luta revolucionária (incluindo a luta armada), a condenação ao “reformismo” e ao “revisionismo”, a indispensabilidade de uma “vanguarda” e outras coisas desse tipo. Essas simplificações permitiram libertar o marxismo de todo contato com as complexidades do mundo real, já que a análise se destinava a demonstrar as verdades anunciadas em sua forma pura. Portanto, essas verdades poderiam ser combinadas com estratégias de puro voluntarismo ou qualquer outra que os militantes preferissem.

Em última análise, o destino do marxismo dependia menos, sugere Hobsbawm, dos elementos intrínsecos ao seu pensamento do que do declínio do movimento operário: condições que não dependiam das decisões dos marxistas. O último capítulo retoma o balanço da história intelectual para discutir a relação entre o marxismo e o movimento operário ao longo do século XX. Marx e Engels nunca previram que o movimento pudesse ser integrado ao quadro político capitalista de forma estável, mas isso faz muito sentido em uma perspectiva materialista.

Em suma, os países (constitucionais) do capitalismo desenvolvido, em que as revoluções não estavam na agenda [...] tiveram a presença de revolucionários dentro ou fora dos movimentos trabalhistas, mas a maioria dos trabalhadores organizados, mesmo os mais conscientes, eles normalmente não eram revolucionários, mesmo quando seus próprios partidos estavam comprometidos com o socialismo [...]. Portanto, no início do século XX, nada nos estados mais importantes do capitalismo desenvolvido parecia impedir a simbiose entre trabalho e um sistema econômico próspero.

Os comunistas sempre cumpriram mais o papel de críticos internos do movimento trabalhista do que de líderes. O ano de 1917 parecia introduzir a revolução no reino do possível (e surpreendeu até mesmo os fabianos), mas de uma forma que teve consequências dramáticas para o marxismo ocidental: o comunismo tornou-se para sempre associado à União Soviética. Antes que o velho marinheiro o atingisse com sua besta, o albatroz era um sinal de boa sorte, e o “socialismo realmente existente” veio primeiro como uma revelação. Mas de repente o comunismo tornou-se uma sociedade estrangeira, com problemas óbvios, e deixou de ser uma promessa de desenvolvimento doloroso mas orgânico de um capitalismo mortalmente ferido. Os comunistas começaram a se preocupar tanto com a geopolítica quanto com as perspectivas nacionais de seus movimentos trabalhistas, e essas preocupações muitas vezes se contradiziam. A Grande Depressão chegou com a era heroica da Frente Popular, mas sua glória diminuiu com o pacto Molotov-Ribbentrop. Após a guerra, tudo o que veio depois de 1917 acabou sendo um desvio temporário de uma tendência de longo prazo: a transformação do trabalhismo em elemento funcional da sociedade capitalista e dos socialistas – aliados ou não da URSS – em críticos atuantes nas margens, ou mesmo fora, do movimento.

Nessa perspectiva, o declínio do Partido Trabalhista desde a década de 1970 foi um golpe muito mais decisivo para o marxismo no Ocidente do que a queda da União Soviética, porque a maioria das ilusões do “socialismo realmente existente” foi deixada para trás décadas antes. Hobsbawm não tem uma explicação muito elaborada para essa mudança para o “neoliberalismo”, mas suas consequências são claras: quando mesmo as reformas mais modestas do capitalismo tornam-se propostas marginais, o socialismo converte-se na margem da margem e perde oxigênio.

Hobsbawm acha que o marxismo tem futuro? Em certo sentido, sua sobrevivência é garantida como uma parte substantiva da tradição clássica das ciências sociais acadêmicas. A ciência social especificamente “marxista” dissolveu amplamente suas fronteiras com outras correntes, que se mostraram tanto receptivas às ideias marxistas quanto capazes de torná-las mais produtivas. Não haverá, e de fato não deveria haver, um retorno ao marxismo “clássico”, que os bons materialistas históricos teriam que analisar como um produto de seu tempo:

Mesmo que ressurgisse um consenso sobre o que constitui a corrente principal (ou as correntes) do marxismo, é provável que ele opere a uma distância muito maior dos textos originais dos “clássicos” do que no passado. É improvável que esses textos voltem a ser referidos, como eram no passado, como um corpo coerente de teoria e doutrina intrinsecamente consistentes, como uma descrição útil das economias e sociedades atuais, ou como um guia direto para a ação atual dos marxistas. A ruptura na continuidade da tradição marxista provavelmente não será completamente reparável.

A sobrevivência acadêmica, claramente, não é um consolo. O marxismo tem futuro político? Hobsbawm definitivamente não é otimista. Mas, ao mesmo tempo, deixa a impressão de que, por mais difícil que seja imaginar a superação do capitalismo no curto prazo, é difícil não pensar que o socialismo não estará na ordem do dia no longo prazo. Hobsbawm ainda pensa que Marx estava basicamente certo sobre a lógica do capitalismo: crescente centralização e até socialização na organização da produção combinada com crises recorrentes. Ele só pensa que Marx estava errado quando afirmou que o proletariado era o coveiro do capitalismo, e deixa essa posição vaga.

É inevitável que aqueles entre nós que chegaram tão atrasados na festa, por assim dizer, tenham uma perspectiva diferente. Descobrimos Marx muito depois que os fracassos do marxismo e do “socialismo realmente existente” se tornaram aparentes, em um período de regressão prolongada no movimento trabalhista. E, no entanto, ainda encontramos algo valioso. Muitos de nós, talvez a maioria, aprenderam muito com nosso Marx na faculdade, profundamente perturbados pelo florescimento intelectual da década de 1970 que Hobsbawm define como o ponto alto do movimento. O curso de sua vida passou por ascensão e queda épicas que naturalmente deram forma a suas conclusões. Temos muito mais futuro. Hobsbawm está certo ao dizer que o marxismo é acadêmico sem um movimento trabalhista com margens para perseguir. Mas é difícil convencer-se de que o movimento trabalhista esteja morto, mesmo nos países ricos do Ocidente. É surpreendente notar que neste livro a expressão “classe trabalhadora” é quase sempre acompanhada pelo adjetivo “industrial” e, de fato, é improvável que os futuros movimentos trabalhistas sejam dominados por trabalhadores fabris. Mas em um sentido amplo, no sentido marxista, o proletariado inclui qualquer um que tenha que trabalhar para viver. Esses proletários continuam entre nós e muitos chegam a frequentar a universidade.

As reformas terão que renascer antes que haja pessoas a quem possamos falar da revolução novamente. Mas o ponto que Hobsbawm considera o cerne da abordagem marxista da política nunca perderá sua relevância: a estratégia política funciona dentro de uma estrutura de forças sociais que nenhum impulso moral voluntarioso pode superar. Esta tese admite múltiplas leituras, e no passado Hobsbawm optou por uma tão errada quanto a dos comunistas de direita da década de 1980, que tentaram salvar os trabalhistas britânicos de um Tony Benn inelegível (como se os trabalhistas precisassem de marxistas para cuidar de seus interesses eleitorais)… Mas isso não significa que não podemos lê-la corretamente. Os utópicos ingênuos de nossos dias estão ocupados escrevendo artigos apartidários que propõem reformas racionais ou regulamentações financeiras e defendem a redução das desigualdades porque estas são prejudiciais ao tecido social, à saúde e à segurança. Mas não há um caminho genuíno que não leve à polarização dos interesses de classe e à eclosão de um movimento, e se temos algo a aprender com a política das últimas décadas é que não haverá ganhos duradouros se eles não atingirem fundamentalmente os ricos e o seu poder.

Sobre o autor

Mike Beggs é editor da Jacobin e professor de economia política na Universidade de Sydney.

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