19 de outubro de 2019

Vulnerabilidade e dolarização

Um passo ambicioso para as condições da economia brasileira

Paulo Nogueira Batista Jr.



O projeto de liberalização cambial apresentado ao Congresso é muito ambicioso e chega a ser irrealista, pois não condiz com o estágio de desenvolvimento e a situação da economia do país. O que se propõe é instituir a livre movimentação de capitais, aumentar a conversibilidade do real e facilitar a abertura de contas em moeda estrangeira no Brasil.

Valendo-se de um artifício costumeiro, o Banco Central mistura essas questões macroeconômicas altamente controvertidas com objetivos válidos como a modernização e a desburocratização do mercado de câmbio. O desafio, entretanto, é alcançar esses objetivos meritórios sem fragilizar a posição internacional brasileira. Não é o que se vê no projeto do governo federal, que conduzirá, se aprovado, ao aumento da vulnerabilidade externa e ao risco de dolarização da economia.

As propostas são apresentadas com o argumento ingênuo de que representam “alinhamento aos melhores padrões internacionais”, tais como os códigos de liberalização de capitais da OCDE. Ignora-se o fato elementar de que regras de política que convêm a países altamente desenvolvidos, como são em sua grande maioria os membros da OCDE, nem sempre são as que convêm a países em desenvolvimento como o Brasil. Ignora-se, também, que as economias emergentes bem-sucedidas são as que disciplinam o movimento de capitais —China, Índia e outras asiáticas. E que muitos países da América Latina, ao se aventurarem prematuramente pelo caminho da liberalização dos movimentos de capital, sofreram episódios de instabilidade econômica que terminaram por abortar o seu desenvolvimento.

As condições da economia brasileira estão longe de permitir passos tão ambiciosos. A situação fiscal é sabidamente problemática, ainda que não seja catastrófica, como frequentemente se afirma.

A dívida pública tem crescido como proporção do PIB, e grande parte da dívida interna é de prazo curto. Mesmo as contas externas, invocadas para argumentar que a liberalização não ofereceria riscos, não são tão invulneráveis quanto se imagina. O déficit do balanço de pagamento em conta corrente é relativamente baixo, mas tenderá a aumentar quando a economia se recuperar.

As reservas internacionais são altas, mas o Brasil não dispõe de um grande volume de reservas excedentes. Em termos de M2, agregado monetário usado como proxy para fuga potencial de capitais, as reservas brasileiras são baixas quando comparadas às de outros países emergentes.

Vale notar que o discurso das autoridades econômicas tem sido espantosamente incongruente. O ministro da Economia, Paulo Guedes, vive repetindo que o Estado brasileiro “quebrou”, “entrou em colapso”, “está insolvente”. Ao mesmo tempo, o presidente do Banco Central propõe medidas ambiciosas de liberalização cambial e chega a afirmar que gostaria de ver a conversibilidade implementada em um prazo de dois a três anos.

A proposta de ampliar a possibilidade —hoje restrita a segmentos específicos— de pessoas físicas e jurídicas abrirem contas em moedas estrangeiras dentro do país é outra ideia infeliz. Sempre houve resistência no Brasil a seguir esse caminho, que desembocou em elevada dolarização dos sistemas financeiros na América Latina e em outras regiões do mundo.

O que o Banco Central pretende com o projeto de lei é obter carta branca para aumentar o leque de contas em moeda estrangeira no Brasil, prometendo conduzir o processo de forma “gradual e prudente”. A promessa deve ser recebida com cautela pelos parlamentares. Não é recomendável que um assunto dessa importância seja decidido em circuito fechado por um grupo de tecnocratas e financistas alojados na direção do Banco Central e no Conselho Monetário Nacional.

Paulo Nogueira Batista Júnior

Economista, lançou recentemente o livro "O Brasil não cabe no quintal de ninguém" (ed. LeYa)

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