3 de outubro de 2019

Encruzilhada

O debate entre a manutenção ou não das regras fiscais vigentes tem nuances importantes

Laura Carvalho


O líder do governo senador Fernando Bezerra (MDB-PE), o senador Eduardo Braga (MDB-AM) e o secretário de previdência Rogério Marinho. Plenário do Senado Federal durante discussão e votação da PEC da Reforma da Previdência. Pedro Ladeira/Folhapress

Para enfrentar a ameaça de paralisação de ministérios e o sucateamento ainda maior da infraestrutura do país, o debate econômico de alternativas tem se dividido em dois grupos principais.

De um lado, estão os que consideram que o país deveria rever suas regras fiscais vigentes, estabelecendo um teto de gastos diferente do aprovado por Temer e mais alinhado com o adotado por outros países.

De outro, os que desejam manter o teto de Temer e cortar mais despesas obrigatórias,
como o piso da saúde e da educação, a indexação dos benefícios sociais ao salário mínimo, o próprio salário mínimo, as despesas com funcionalismo e assim por diante.

Por exemplo, propostas do primeiro grupo devem especificar como e quando atingirão a sustentabilidade da dívida pública no caso de uma mudança no teto: que regras fiscais serão adotadas, que ajustes serão feitos pelo lado dos gastos e/ou pelo lado das receitas e qual será o impacto dessas alterações sobre a taxa de juros e o crescimento do PIB —variáveis-chave para a dinâmica da dívida.

Já ao segundo grupo, cabe sobretudo explicar que despesas obrigatórias serão cortadas, se tais cortes são compatíveis com o pacto social de 1988 e que efeitos terão sobre as desigualdades e as perspectivas de crescimento da economia brasileira.

Na interseção entre os dois, há consenso sobre alguns itens que podem ser cortados tanto
por aprofundarem as desigualdades de renda no país, quanto por não apresentarem multiplicador elevado sobre o produto e o emprego: é o caso das remunerações de servidores acima do teto constitucional no Judiciário e no Legislativo ou de subsídios e desonerações de diversos tipos.

Mas o mesmo não pode ser dito, por exemplo, sobre o corte de recursos para o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou uma queda na remuneração de médicos, professores e funcionários da assistência social.

Dizer que essas despesas beneficiam os 20% mais ricos da população a partir de dados que estabelecem que uma renda bruta domiciliar per capita de R$1.468,66 já te coloca nesse quintil de renda não convence. Ainda mais em um país em que a distância entre essa renda e a de quem está no 1% mais rico é maior do que aquela que separa esses 20% do resto da população.

Com o crescimento do número de idosos, tampouco será cortando os recursos do SUS e os salários de quem trabalha nos hospitais que vamos melhorar a qualidade da saúde pública.

Aliás, ao contrário dos benefícios previdenciários, que cresceram sempre muito acima do PIB ao longo das últimas décadas, as despesas com pessoal e encargos (funcionalismo) cresceram apenas 1% ao ano, em média, entre 2011 e 2014 e 1,3% ao ano entre 2015 e 2018.

Com base nas projeções publicadas recentemente por Manoel Pires no Blog do Ibre-FGV, se a taxa básica de juros se mantiver em 4,75%, que é a previsão atual do mercado para este ano, e se a economia crescer a uma modesta taxa de 1,2% ao ano, bastaria que o governo acumulasse um superávit primário de 0,2% do PIB para estabilizar a razão dívida-PIB.

A reforma da Previdência e a eliminação de subsídios, desonerações e supersalários já seriam suficiente para atingir esse objetivo.

Diante desses números, quem propõe o corte de outras despesas obrigatórias deve esclarecer quais são elas e de que forma evitará a quebra do pacto democrático, a perda de qualidade de serviços públicos, o aumento da desigualdade e a redução no ritmo de crescimento econômico do país.

Sobre a autora

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

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