3 de outubro de 1990, viu a reunificação da Alemanha. Mas, mais de 30 anos depois, as desigualdades são mais profundas do que nunca – e os habitantes da zona Leste estão desgastados e irritados com as promessas que não foram cumpridas.
Steffen Mau
Loren Balhorn
Muitos consideravam a reunificação alemã quase resolvida, apesar do facto de que muitas diferenças e desequilíbrios ainda são visíveis. Eu queria descrever isso de uma maneira que se destacasse dos livros focados no sistema político, na liderança do partido e do Estado, na doutrina ideológica, na segurança do Estado e coisas assim. Como sociólogo, eu queria levar a sociedade como tal a sério e contar a história de dentro para fora, da forma mais imparcial possível.
Steffen Mau
Tradução / Entre o trigésimo aniversário da queda do Muro de Berlim em novembro de 2019 e o aniversário da reunificação alemã em outubro passado, o mercado de livros em língua alemã recebeu uma enxurrada de títulos que pretendiam reexaminar a relação histórica entre Alemanha Oriental e Ocidental e avaliar o status dos orientais após a reunificação.
Um dos mais notáveis foi Lütten Klein: Leben in der ostdeutschen Transformationsgesellschaft [Lütten Klein: A vida na sociedade de transformação da Alemanha Oriental] do sociólogo Steffen Mau. Com base numa ampla gama de fontes, bem como da sua própria experiência por ter crescido em Lütten Klein – um bairro modelo da cidade portuária de Rostock – o livro de Mau descreve a ascensão do República Democrática Alemã (RDA) e a sociedade que ela alimentou desde a sua fundação no final dos anos 1940 até ao seu colapso. Explora as complexidades da relação entre a população e o governante Partido da Unidade Socialista (SED), identifica os grupos sociais e estruturas que se consolidaram ao longo das décadas, e explora os ritmos da vida nas cidades em rápido crescimento da Alemanha Oriental.
Depois de esboçar a estrutura social da Alemanha Oriental pré-1989, Mau mostra como os traumas da reunificação – colapso do sistema político e da esfera pública, privatização em massa da economia, desemprego em massa e emigração – atingiram diferentes segmentos da população. Ele revela uma imagem de uma região marcada por “fraturas sociais” entre um punhado de cidades em expansão e vastas zonas rurais abandonadas ao declínio e ao despovoamento. Esta frustração entre os alemães orientais, agravada pela desconfiança em relação às elites herdadas da RDA, acabou por criar as condições em que o populismo de direita pode florescer.
Steffen Mau conversou com Loren Balhorn, do sítio Jacobin, sobre o tipo de sociedade que a Alemanha Oriental realmente era, o que a reunificação significou para os seus cidadãos e por que motivo os apelos a uma “terapia de entendimento intra-alemão” não será suficiente para curar as feridas do país.
Um dos mais notáveis foi Lütten Klein: Leben in der ostdeutschen Transformationsgesellschaft [Lütten Klein: A vida na sociedade de transformação da Alemanha Oriental] do sociólogo Steffen Mau. Com base numa ampla gama de fontes, bem como da sua própria experiência por ter crescido em Lütten Klein – um bairro modelo da cidade portuária de Rostock – o livro de Mau descreve a ascensão do República Democrática Alemã (RDA) e a sociedade que ela alimentou desde a sua fundação no final dos anos 1940 até ao seu colapso. Explora as complexidades da relação entre a população e o governante Partido da Unidade Socialista (SED), identifica os grupos sociais e estruturas que se consolidaram ao longo das décadas, e explora os ritmos da vida nas cidades em rápido crescimento da Alemanha Oriental.
Depois de esboçar a estrutura social da Alemanha Oriental pré-1989, Mau mostra como os traumas da reunificação – colapso do sistema político e da esfera pública, privatização em massa da economia, desemprego em massa e emigração – atingiram diferentes segmentos da população. Ele revela uma imagem de uma região marcada por “fraturas sociais” entre um punhado de cidades em expansão e vastas zonas rurais abandonadas ao declínio e ao despovoamento. Esta frustração entre os alemães orientais, agravada pela desconfiança em relação às elites herdadas da RDA, acabou por criar as condições em que o populismo de direita pode florescer.
Steffen Mau conversou com Loren Balhorn, do sítio Jacobin, sobre o tipo de sociedade que a Alemanha Oriental realmente era, o que a reunificação significou para os seus cidadãos e por que motivo os apelos a uma “terapia de entendimento intra-alemão” não será suficiente para curar as feridas do país.
Loren Balhorn
Desde que o livro apareceu pela primeira vez, Lütten Klein tem recebido muitos elogios. O que o fez decidir escrever o livro?
Steffen Mau
Steffen Mau
Eu tive a ideia porque vi que algo estava aqui a faltar. Duas sociedades opostas, potencialmente até hostis, unem–se – esse é uma das experiências sociológicas mais emocionantes que alguém pode imaginar. Seria de supor que já houvesse inúmeros livros de sociologia no mercado examinando esse processo de todos os lados, mas não me ocorreu nenhum que eu sinceramente pudesse recomendar.
A familia Fritz no seu novo apartamento em Lütten Klein, 1966. (Joachim Spremberg / Bundesarchiv) |
Muitos consideravam a reunificação alemã quase resolvida, apesar do facto de que muitas diferenças e desequilíbrios ainda são visíveis. Eu queria descrever isso de uma maneira que se destacasse dos livros focados no sistema político, na liderança do partido e do Estado, na doutrina ideológica, na segurança do Estado e coisas assim. Como sociólogo, eu queria levar a sociedade como tal a sério e contar a história de dentro para fora, da forma mais imparcial possível.
Loren Balhorn
E também das suas próprias experiências.
Steffen Mau
Sim, foi um “bónus”, por assim dizer, que utilizei ativamente. Tive de decidir se queria escrever um livro em que o meu próprio envolvimento se tornasse invisível, ou um em que tornasse explícita a perspetiva biográfica a partir da qual estava a escrever e a analisar.
Considerei esta última opção mais honesta, mesmo que seja considerada uma abordagem não científica. No entanto, poder-se-ia argumentar que é muito mais científico admitir as premissas da nossa própria análise. Ao mesmo tempo, não podemos deixar-nos comprometer e limitar essa análise ao fazê-lo.
Loren Balhorn: Acha que o seu livro ajudou a tornar a sociedade da Alemanha de Leste mais compreensível para as pessoas que não a viveram?
Steffen Mau: Recebi um número incrível de reações ao livro. Até mesmo de celebridades dos media neoliberais e conservadores me escreveram e-mails dizendo: “nunca conhecemos assim a antiga RDA.” Afinal, as narrativas da RDA quase sempre tomam o seu fracasso como ponto de partida, e tentei evitar isso, embora os seus problemas desempenhem no livro um papel central. Primeiro perguntei: “Como viviam as pessoas? Por que razão se ligaram ao sistema? Como era a organização da vida quotidiana? Que formas de vida é que desempenharam aqui um papel relevante?” Foi isso que tornou o livro interessante, talvez especialmente para os alemães ocidentais.
Mais importante, no entanto, penso que, com os trinta anos passados desde a reunificação, terá ocorrido uma espécie de período de graça. Pode falar-se da RDA de forma diferente agora, sem nos atolarmos em trincheiras das ideologias. O interesse mútuo entre o Oriente e o Ocidente voltou a aumentar, e a relação relaxou-se um pouco.
Ainda há esta imagem dos queixosos alemães orientais a agir de novo. Isso provavelmente nunca desaparecerá completamente. Mas se olharmos para o discurso do Presidente Federal Frank-Walter Steinmeier no dia 3 de outubro [de 2020], trigésimo aniversário da Reunificação, há linhas que incorporam os alemães orientais no discurso muito seriamente — coisas que os meios de comunicação social não tomaram tão intensamente como deveriam, como o reconhecimento de que foram cometidos erros durante a reunificação, que deveriam ser permitidas críticas à privatização e muitas outras coisas, e que o Oriente foi forçado a passar por uma transformação unilateral.
Considerei esta última opção mais honesta, mesmo que seja considerada uma abordagem não científica. No entanto, poder-se-ia argumentar que é muito mais científico admitir as premissas da nossa própria análise. Ao mesmo tempo, não podemos deixar-nos comprometer e limitar essa análise ao fazê-lo.
Loren Balhorn: Acha que o seu livro ajudou a tornar a sociedade da Alemanha de Leste mais compreensível para as pessoas que não a viveram?
Steffen Mau: Recebi um número incrível de reações ao livro. Até mesmo de celebridades dos media neoliberais e conservadores me escreveram e-mails dizendo: “nunca conhecemos assim a antiga RDA.” Afinal, as narrativas da RDA quase sempre tomam o seu fracasso como ponto de partida, e tentei evitar isso, embora os seus problemas desempenhem no livro um papel central. Primeiro perguntei: “Como viviam as pessoas? Por que razão se ligaram ao sistema? Como era a organização da vida quotidiana? Que formas de vida é que desempenharam aqui um papel relevante?” Foi isso que tornou o livro interessante, talvez especialmente para os alemães ocidentais.
Mais importante, no entanto, penso que, com os trinta anos passados desde a reunificação, terá ocorrido uma espécie de período de graça. Pode falar-se da RDA de forma diferente agora, sem nos atolarmos em trincheiras das ideologias. O interesse mútuo entre o Oriente e o Ocidente voltou a aumentar, e a relação relaxou-se um pouco.
Ainda há esta imagem dos queixosos alemães orientais a agir de novo. Isso provavelmente nunca desaparecerá completamente. Mas se olharmos para o discurso do Presidente Federal Frank-Walter Steinmeier no dia 3 de outubro [de 2020], trigésimo aniversário da Reunificação, há linhas que incorporam os alemães orientais no discurso muito seriamente — coisas que os meios de comunicação social não tomaram tão intensamente como deveriam, como o reconhecimento de que foram cometidos erros durante a reunificação, que deveriam ser permitidas críticas à privatização e muitas outras coisas, e que o Oriente foi forçado a passar por uma transformação unilateral.
Os moradores a comer no “Grill-Bar” local, no centro comercial Polivalente de Lutten Klein, 1969. (Jürgen Sindermann / Bundesarchiv) |
Loren Balhorn
Este novo entendimento público para os alemães orientais não é apenas uma reação ao surgimento da Alternative Fur Deutschland (AfD)?
Steffen Mau
Steffen Mau
Os acontecimentos a leste foram certamente uma espécie de alarme. Embora não devamos equiparar os dois, o Pegida e os sucessos eleitorais da AfD tornaram os rumores subjacentes dos alemães orientais mais visíveis do que antes.
O problema é que estes atores também politizam coisas que deram errado no leste. Nós não queremos ser uma bola a ser jogada nas suas mãos, e não podemos simplesmente ignorar esse discurso, mas também não pode ser conduzido de uma forma que funcione em favor da AfD ou de outros grupos populistas de direita. Ao abrir o espaço para o discurso, temos de nos assegurar de encontrar um equilíbrio e evitar cair numa cultura de queixas em que os apoiantes da AfD se sintam justificados.
Loren Balhorn: O senhor descreve a sociedade da Alemanha Oriental como uma “sociedade pequeno-burguesa proletária” e, por vezes, também uma “sociedade de normalização”. Claramente, a RDA não era um verdadeiro estado operário e camponês aos seus olhos. Que tipo de sociedade era então?
Steffen Mau: Entendo-a como uma sociedade fortemente nivelada, com classes no papel, mas diferenças sociais relativamente pequenas no estilo de vida ou na forma de interesses de classe diferenciados. Havia os trabalhadores e os camponeses e a classe da intelligentsia, mas o que a RDA e os outros estados socialistas fizeram acima de tudo foi “desburguesificar” a sociedade, abolindo as classes proprietárias e tornando a propriedade um fardo – mesmo possuir um prédio de apartamentos custa mais do que as rendas por ele geradas. Muitos grupos burgueses deixaram a RDA e foram para o Ocidente. Todos os outros foram incorporados numa cultura e posição de classe trabalhadora, de modo que as classes deixaram de estar em conflito e experimentavam pouco atrito umas com as outras, adicionando-se, em vez disso, umas sobre as outras como camadas de bolo.
Em seguida, houve uma tendência para o surgimento de uma nova classe de intelligentsia, uma classe de especialistas com formação académica que ocupava posições elevadas. Posteriormente, tentou-se empurrar esta classe para baixo – tanto nas suas aspirações de diferenciação ascendente como na sua capacidade de reproduzir a estrutura de classes – limitando severamente o acesso dos seus filhos ao ensino superior e impondo o princípio dos quadros sobre o princípio do mérito. A lealdade e as ligações eram mais importantes do que as qualificações certas. Como resultado, a RDA tornou-se uma sociedade pequeno-burguesa, ou uma sociedade de “pessoas simples”, por assim dizer, o que a Alemanha Oriental, até certo ponto, permaneceu até hoje.
Loren Balhorn: Como podemos compreender o papel do Partido de Unidade socialista (SED) nesta sociedade? Como uma espécie de “classe dominante”?
Steffen Mau: No início, muitos funcionários do partido ainda se baseavam nos seus antecedentes como combatentes da resistência ou por terem sido perseguidos pelo regime nazi. A completa mudança de elites no início da RDA gerou inicialmente um impulso ascendente na sociedade. Um número inacreditável de pessoas das classes mais baixas alcançou posições executivas. No Ocidente, naturalmente, o recrutamento de elite parecia bastante diferente; havia mais continuidade. O facto de a experiência desta primeira geração da RDA ter sido de um aumento do estatuto social forjou laços políticos e fomentou a aprovação do sistema.
A partir dos anos 70, a RDA passou a aplicar um contrato social diferente, que já não funcionava através da promoção, mas sim através do fornecimento de bens de primeira necessidade, habitação e segurança social. Este contrato social ligava as pessoas à RDA. Quando, nos anos 80, se tornou claro que este contrato não era economicamente sustentável, o vínculo dissolveu-se. Ao mesmo tempo, as exigências de democracia e liberdade tornaram-se mais fortes.
Loren Balhorn: Não acha que o medo da repressão estatal foi também uma das principais razões para as pessoas se integrarem no sistema?
Steffen Mau: O meu livro descreve a RDA como uma sociedade repressiva em pormenor, nomeadamente a intromissão da Stasi e o facto de a RDA ter, em última análise, de murar o seu próprio povo. Isso desempenha um papel importante. No entanto, é um facto que as pessoas construíram uma identidade com a RDA nas décadas de 1970 e 1980, e que um grande número de pessoas chegou a um acordo com o socialismo.
Não era como se os alemães orientais saíssem dos seus apartamentos todos os dias sentindo que estavam a serem vigiados pela Stasi. Isso não desempenhou um grande papel na vida cotidiana da maioria das pessoas. Era verdade para aqueles que entraram em conflito com o sistema, mas isso era uma minoria na sociedade. Muitos outros instalaram-se neste tipo de “ditadura cómoda”, como Günter Grass lhe chamou uma vez. Isso pode ser perturbador, mas sociologicamente, é a descrição correta.
O problema é que estes atores também politizam coisas que deram errado no leste. Nós não queremos ser uma bola a ser jogada nas suas mãos, e não podemos simplesmente ignorar esse discurso, mas também não pode ser conduzido de uma forma que funcione em favor da AfD ou de outros grupos populistas de direita. Ao abrir o espaço para o discurso, temos de nos assegurar de encontrar um equilíbrio e evitar cair numa cultura de queixas em que os apoiantes da AfD se sintam justificados.
Loren Balhorn: O senhor descreve a sociedade da Alemanha Oriental como uma “sociedade pequeno-burguesa proletária” e, por vezes, também uma “sociedade de normalização”. Claramente, a RDA não era um verdadeiro estado operário e camponês aos seus olhos. Que tipo de sociedade era então?
Steffen Mau: Entendo-a como uma sociedade fortemente nivelada, com classes no papel, mas diferenças sociais relativamente pequenas no estilo de vida ou na forma de interesses de classe diferenciados. Havia os trabalhadores e os camponeses e a classe da intelligentsia, mas o que a RDA e os outros estados socialistas fizeram acima de tudo foi “desburguesificar” a sociedade, abolindo as classes proprietárias e tornando a propriedade um fardo – mesmo possuir um prédio de apartamentos custa mais do que as rendas por ele geradas. Muitos grupos burgueses deixaram a RDA e foram para o Ocidente. Todos os outros foram incorporados numa cultura e posição de classe trabalhadora, de modo que as classes deixaram de estar em conflito e experimentavam pouco atrito umas com as outras, adicionando-se, em vez disso, umas sobre as outras como camadas de bolo.
Em seguida, houve uma tendência para o surgimento de uma nova classe de intelligentsia, uma classe de especialistas com formação académica que ocupava posições elevadas. Posteriormente, tentou-se empurrar esta classe para baixo – tanto nas suas aspirações de diferenciação ascendente como na sua capacidade de reproduzir a estrutura de classes – limitando severamente o acesso dos seus filhos ao ensino superior e impondo o princípio dos quadros sobre o princípio do mérito. A lealdade e as ligações eram mais importantes do que as qualificações certas. Como resultado, a RDA tornou-se uma sociedade pequeno-burguesa, ou uma sociedade de “pessoas simples”, por assim dizer, o que a Alemanha Oriental, até certo ponto, permaneceu até hoje.
Loren Balhorn: Como podemos compreender o papel do Partido de Unidade socialista (SED) nesta sociedade? Como uma espécie de “classe dominante”?
Steffen Mau: No início, muitos funcionários do partido ainda se baseavam nos seus antecedentes como combatentes da resistência ou por terem sido perseguidos pelo regime nazi. A completa mudança de elites no início da RDA gerou inicialmente um impulso ascendente na sociedade. Um número inacreditável de pessoas das classes mais baixas alcançou posições executivas. No Ocidente, naturalmente, o recrutamento de elite parecia bastante diferente; havia mais continuidade. O facto de a experiência desta primeira geração da RDA ter sido de um aumento do estatuto social forjou laços políticos e fomentou a aprovação do sistema.
A partir dos anos 70, a RDA passou a aplicar um contrato social diferente, que já não funcionava através da promoção, mas sim através do fornecimento de bens de primeira necessidade, habitação e segurança social. Este contrato social ligava as pessoas à RDA. Quando, nos anos 80, se tornou claro que este contrato não era economicamente sustentável, o vínculo dissolveu-se. Ao mesmo tempo, as exigências de democracia e liberdade tornaram-se mais fortes.
Loren Balhorn: Não acha que o medo da repressão estatal foi também uma das principais razões para as pessoas se integrarem no sistema?
Steffen Mau: O meu livro descreve a RDA como uma sociedade repressiva em pormenor, nomeadamente a intromissão da Stasi e o facto de a RDA ter, em última análise, de murar o seu próprio povo. Isso desempenha um papel importante. No entanto, é um facto que as pessoas construíram uma identidade com a RDA nas décadas de 1970 e 1980, e que um grande número de pessoas chegou a um acordo com o socialismo.
Não era como se os alemães orientais saíssem dos seus apartamentos todos os dias sentindo que estavam a serem vigiados pela Stasi. Isso não desempenhou um grande papel na vida cotidiana da maioria das pessoas. Era verdade para aqueles que entraram em conflito com o sistema, mas isso era uma minoria na sociedade. Muitos outros instalaram-se neste tipo de “ditadura cómoda”, como Günter Grass lhe chamou uma vez. Isso pode ser perturbador, mas sociologicamente, é a descrição correta.
Cerimónia de inauguração de uma estátua em Lütten Klein, 1973. (Fotógrafo desconhecido/Bundesarchiv) |
Loren Balhorn
O senhor disse recentemente que a Alemanha entrou na reunificação “ingenuamente”. Eu diria que foi o contrário: a ideia de que a Alemanha foi ingénua, pelo menos em relação ao governo da Alemanha Ocidental sob Helmut Kohl, não é algo ingénua?
Steffen Mau
Steffen Mau
Sim, um forte impulso estratégico esteve lá desde o início, isso é bem conhecido. No entanto, penso que o governo Kohl foi ingénuo no sentido em que imaginou que tudo seria mais simples e acreditou que as suas políticas levariam a algo como uma “puxada” suave da Alemanha Oriental para o Ocidente. Os graves problemas que hoje observamos não estavam previstos.
Eles simplesmente transferiram a estrutura institucional do Ocidente para o Oriente, e as elites de reserva do Ocidente junto com ela, enquanto as antigas elites da Alemanha Oriental foram demitidas. Esse tipo de processo é altamente propenso à deceção, porque tudo o que não dá certo pode ser facilmente atribuído às elites da Alemanha Ocidental.
Com o Treuhand, a agência governamental responsável pela privatização da economia da Alemanha Oriental, por outro lado, a responsabilidade foi separada da esfera política. Se a Treuhand não tivesse sido tão independente, se tivesse sido mais política e parlamentar, teria havido uma crise de transição muito maior. Muita raiva foi direcionada para a Treuhand e acabou por não dar em nada pois a política foi capaz de se desvencilhar de tudo isso.
Eles simplesmente transferiram a estrutura institucional do Ocidente para o Oriente, e as elites de reserva do Ocidente junto com ela, enquanto as antigas elites da Alemanha Oriental foram demitidas. Esse tipo de processo é altamente propenso à deceção, porque tudo o que não dá certo pode ser facilmente atribuído às elites da Alemanha Ocidental.
Com o Treuhand, a agência governamental responsável pela privatização da economia da Alemanha Oriental, por outro lado, a responsabilidade foi separada da esfera política. Se a Treuhand não tivesse sido tão independente, se tivesse sido mais política e parlamentar, teria havido uma crise de transição muito maior. Muita raiva foi direcionada para a Treuhand e acabou por não dar em nada pois a política foi capaz de se desvencilhar de tudo isso.
Lütten Klein durante a noite, 1971. (Jürgen Sindermann / Bundesarchiv) |
Do ponto de vista de hoje, sabemos que muito mais deveria ter sido investido no coração e na mente das pessoas, para que elas pudessem ter abraçado o projeto de reunificação e transformação num novo modelo social. Faltou a mobilização.
Além disso, ter-se-ia de dizer, com Jürgen Habermas, que a ligação da esfera pública da Alemanha Oriental à esfera públicaa da Alemanha Ocidental, incluindo os meios de comunicação social, impossibilitou a sociedade da Alemanha Oriental de identificar e elaborar algo como um interesse coletivo. A esfera pública, a economia e toda a cultura política entraram em colapso de uma só vez, sem que fosse encontrado qualquer substituto.
Loren Balhorn: Habermas descreve essa falta de esfera pública da Alemanha Oriental como um efeito colateral quase inesperado e não intencional da queda do comunismo. A pesquisa de Mandy Tröger, por outro lado, mostra como as empresas dos media da Alemanha Ocidental começaram a comprar o panorama da imprensa no Oriente já no outono de 1989.
Steffen Mau: Um panorama mediático independente da Alemanha Oriental deixou de existir ao fim de apenas alguns meses, o que também dificultou a comunicação e a reavaliação. Os alemães orientais foram colocados numa posição de fala subordinada e quase não podiam mudar nada no curso dos acontecimentos. Não devemos esquecer: na década de 1990, dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra a Treuhand. Todas as sondagens que temos da década de 1990 indicam críticas em massa à unificação por parte dos alemães orientais – 70, 80% das pessoas na época disseram que as coisas não estavam a ir bem. Dois terços chegaram a dizer que tinham sido colonizados pelo Ocidente.
Mas não havia cláusula de revisão para este processo. Nem a privatização nem a transferência institucional individual foram questionadas ou debatidas num processo democrático; Em vez disso, as pessoas simplesmente seguiram a linha que haviam tomado, independentemente dos danos e da crescente oposição pública. O lema era: “Não há alternativa. Votaram maioritariamente na Aliança para com a Alemanha na primavera de 1990 e agora não há nenhuma possibilidade de terem a vossa palavra a dizer, nem qualquer hipótese de poder modificar este processo”.
Loren Balhorn: Teria sido possível uma outra RDA?
Steffen Mau: Creio que a RDA quase não tinha qualquer hipótese de sobrevivência nessa altura. Já não gozava de qualquer credibilidade junto dos seus cidadãos. As pessoas já não aceitavam a promessa socialista de salvação pelo seu valor facial; queriam sair dos limites do Estado da RDA.
No momento em que a fronteira se abriu, ficou claro que a RDA já não era viável e que necessitaria de estabilizadores externos sob a forma de fronteiras fortes e da União Soviética como potência protetora.
Loren Balhorn: Isso levanta a questão de como o ambiente poderia mudar tão rapidamente naquela época. Por que não houve um movimento mais forte por uma reunificação diferente?
Steffen Mau: Eu não diria que os atores da reunificação “roubaram” a revolução. Havia uma forte vontade popular de avançar rapidamente para a unificação assim que esta opção surgisse. A reunificação foi também um convite a uma democracia próspera já existente, que, de outro modo, teria de ser construída com grande esforço ao longo de décadas. Esta era uma perspetiva atraente para muitas pessoas, e muitos ativistas dos direitos civis e os movimentos de esquerda foram marginalizados no processo.
Alguns afirmam que os ativistas dos direitos civis já eram um grupo especial na RDA e tinham pouca ligação com a população em geral. Eu não contraporia esses dois grupos tão fortemente. Ao mesmo tempo, é claro que a maioria dos alemães orientais não queria mais discutir sobre possíveis alternativas.
Em dezembro, a reunificação já estava em cima da mesa com o plano de dez pontos de Helmut Kohl. Consequentemente, todas as mesas redondas e formas de diálogo que tinham começado a estabelecer-se tornaram-se imediatamente obsoletas. A RDA quase caiu no colo da República Federal.
Loren Balhorn: O que diz à crítica de que, de acordo com a Lei Fundamental da República Federal, os dois Estados alemães deveriam ter realizado uma convenção constitucional como precursora da reunificação?
Steffen Mau: Isso foi discutido na altura, mas penso que era uma opção irrealista. A janela de oportunidade era muito estreita. Não estava claro por quanto tempo Mikhail Gorbachev manteria a porta aberta ou mesmo permaneceria no poder. Afinal, a União Soviética era um império em ruínas. Nem todos os Aliados ocidentais estavam entusiasmados com a possibilidade de reunificação alemã.
Se tivesse havido um debate constitucional nessa altura – no qual poderia ter surgido a ideia de que a Alemanha já não queria ser membro da NATO – penso que teria sido uma oportunidade perdida. Mas penso que poderia ter sido iniciado um processo constitucional após a reunificação, quanto mais não fosse para integrar simbolicamente os alemães de Leste.
Loren Balhorn: Depois de tudo isso não ter acontecido, o SED restabeleceu-se como uma voz da Alemanha Oriental na política federal como o Partido do Socialismo Democrático (PDS), e que veio a inserir-se no Die Linke. Como é que avalia o n seu papel na integração dos alemães do leste?
Steffen Mau: Apesar de todo o meu ceticismo sobre este partido, que tem origem no passado e do qual eu próprio não consigo desligar-me, ele levou um terço dos alemães orientais com ele e integrou-os no sistema político. Banir o SED-PDS teria levado as pessoas a uma espécie de sem-teto político-partidário e provavelmente teria provocado um movimento de protesto extraparlamentar do tipo que conhecemos hoje no outro lado do espectro político. Neste sentido, a existência continuada do PDS teve seguramente um efeito pacificador.
Loren Balhorn: O senhor descreve a sociedade da Alemanha Oriental que surgiu desde o fim do socialismo como “fraturada”? Quais são essas fraturas?
Steffen Mau: Primeiro, há a questão demográfica: a Alemanha Oriental é uma sociedade vazia, encolhida e super-envelhecida, e também altamente masculinizada. Em segundo lugar, a Alemanha Oriental não tem uma cultura democrática totalmente desenvolvida. Há várias razões para isso, algumas das quais vêm da RDA, mas algumas das quais se endureceram ainda mais no processo de unificação. O espaço pré-político da sociedade civil é subdesenvolvido na Alemanha Oriental.
E em terceiro lugar, há certamente o ainda fraco desenvolvimento económico: o facto de que apenas o capitalismo familiar em pequena escala se desenvolveu, que nenhuma grande empresa tem sede no Leste – sem mencionar a enorme diferença de riqueza entre o Leste e o Oeste, que obviamente não será facilmente eliminada. Os alemães orientais mais ricos hoje são os alemães ocidentais. Poder-se-ia então acrescentar a fraqueza da Alemanha Oriental em termos de elites, que é evidente em quase todos os setores da sociedade.
Loren Balhorn: Politicamente, o senhor rejeita explicitamente o que chama de “terapia intra-alemã.” Lütten Klein termina com esta frase: “Claramente, será preciso mais do que o lubrificante do reconhecimento para remediar esta situação”. Não deveria ter havido outro capítulo? Se terapia de entendimento não resolverá nada, o que será então que pode resultar?
Steffen Mau: As fraturas são inerentes às estruturas centrais da sociedade, por isso repará-las não será fácil. Que a Alemanha Ocidental e Oriental se escutem um pouco mais uma à outra mesmo que por uma só vez não vai fazer a desigualdade de riqueza desaparecer. O discurso é necessário, mas não basta.
Recentemente, houve algumas mudanças no nível cultural, verificou-se uma nova autoconfiança da Alemanha Oriental e uma maior diferenciação dentro da Alemanha Oriental ao longo de linhas urbanas e rurais ou mesmo entre regiões em crescimento e regiões atrasadas. Isso oferece a oportunidade de codificar a Alemanha Oriental de forma diferente e formar uma nova imagem. Cabe às gerações mais jovens construir novas identidades que sejam diferentes da nostálgica e retrospetiva identidade oriental dos anos 1990.
Em questões económicas, há uma necessidade de atrair empresas, fortalecer as universidades da Alemanha Oriental e reformar a tributação do património, mas essas são questões gerais de desigualdade e disparidades regionais. Isso não seria nada especificamente da Alemanha Oriental.
Loren Balhorn: Cresci num país onde as pessoas diziam que o socialismo nunca poderia acontecer aqui – depois apareceu Bernie Sanders. Você cresceu num socialismo que foi derrubado pelo seu próprio povo. O termo “socialismo” ainda tem significado político no Oriente, ou a esquerda precisa de outra palavra para isso no século XXI?
Steffen Mau: O socialismo é melhor avaliado no Oriente do que no Ocidente, apesar mesmo de ter existido no Oriente. Quando se lhes pergunta se o socialismo também incluía coisas boas, quase duas vezes mais pessoas no Oriente dizem que sim. Conheço alemães orientais que se mudaram para a Suécia e dizem que é assim que imaginavam a RDA.
No fim de contas, trata-se de padrões sociais, infraestruturas fortes, serviços públicos e solidariedade sobre desigualdade excessiva. São coisas em que os alemães orientais ainda se podem relacionar e em muito. Se o rótulo “socialismo” poderia ainda encabeçar a lista dos mais vendidos? Essa é outra pergunta, que eu tenderia a responder negativamente, mas o que esta palavra representa geralmente é muito bem classificada. Certamente não com a expressão de propriedade privada, nem com o sistema de partido único que prevalecia na RDA, mas sim com a obrigação de que a propriedade deve ser usada para produzir bens públicos – acho que muitos alemães do leste podem concordar com isso.
Além disso, ter-se-ia de dizer, com Jürgen Habermas, que a ligação da esfera pública da Alemanha Oriental à esfera públicaa da Alemanha Ocidental, incluindo os meios de comunicação social, impossibilitou a sociedade da Alemanha Oriental de identificar e elaborar algo como um interesse coletivo. A esfera pública, a economia e toda a cultura política entraram em colapso de uma só vez, sem que fosse encontrado qualquer substituto.
Loren Balhorn: Habermas descreve essa falta de esfera pública da Alemanha Oriental como um efeito colateral quase inesperado e não intencional da queda do comunismo. A pesquisa de Mandy Tröger, por outro lado, mostra como as empresas dos media da Alemanha Ocidental começaram a comprar o panorama da imprensa no Oriente já no outono de 1989.
Steffen Mau: Um panorama mediático independente da Alemanha Oriental deixou de existir ao fim de apenas alguns meses, o que também dificultou a comunicação e a reavaliação. Os alemães orientais foram colocados numa posição de fala subordinada e quase não podiam mudar nada no curso dos acontecimentos. Não devemos esquecer: na década de 1990, dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra a Treuhand. Todas as sondagens que temos da década de 1990 indicam críticas em massa à unificação por parte dos alemães orientais – 70, 80% das pessoas na época disseram que as coisas não estavam a ir bem. Dois terços chegaram a dizer que tinham sido colonizados pelo Ocidente.
Mas não havia cláusula de revisão para este processo. Nem a privatização nem a transferência institucional individual foram questionadas ou debatidas num processo democrático; Em vez disso, as pessoas simplesmente seguiram a linha que haviam tomado, independentemente dos danos e da crescente oposição pública. O lema era: “Não há alternativa. Votaram maioritariamente na Aliança para com a Alemanha na primavera de 1990 e agora não há nenhuma possibilidade de terem a vossa palavra a dizer, nem qualquer hipótese de poder modificar este processo”.
Loren Balhorn: Teria sido possível uma outra RDA?
Steffen Mau: Creio que a RDA quase não tinha qualquer hipótese de sobrevivência nessa altura. Já não gozava de qualquer credibilidade junto dos seus cidadãos. As pessoas já não aceitavam a promessa socialista de salvação pelo seu valor facial; queriam sair dos limites do Estado da RDA.
No momento em que a fronteira se abriu, ficou claro que a RDA já não era viável e que necessitaria de estabilizadores externos sob a forma de fronteiras fortes e da União Soviética como potência protetora.
Loren Balhorn: Isso levanta a questão de como o ambiente poderia mudar tão rapidamente naquela época. Por que não houve um movimento mais forte por uma reunificação diferente?
Steffen Mau: Eu não diria que os atores da reunificação “roubaram” a revolução. Havia uma forte vontade popular de avançar rapidamente para a unificação assim que esta opção surgisse. A reunificação foi também um convite a uma democracia próspera já existente, que, de outro modo, teria de ser construída com grande esforço ao longo de décadas. Esta era uma perspetiva atraente para muitas pessoas, e muitos ativistas dos direitos civis e os movimentos de esquerda foram marginalizados no processo.
Alguns afirmam que os ativistas dos direitos civis já eram um grupo especial na RDA e tinham pouca ligação com a população em geral. Eu não contraporia esses dois grupos tão fortemente. Ao mesmo tempo, é claro que a maioria dos alemães orientais não queria mais discutir sobre possíveis alternativas.
Em dezembro, a reunificação já estava em cima da mesa com o plano de dez pontos de Helmut Kohl. Consequentemente, todas as mesas redondas e formas de diálogo que tinham começado a estabelecer-se tornaram-se imediatamente obsoletas. A RDA quase caiu no colo da República Federal.
Loren Balhorn: O que diz à crítica de que, de acordo com a Lei Fundamental da República Federal, os dois Estados alemães deveriam ter realizado uma convenção constitucional como precursora da reunificação?
Steffen Mau: Isso foi discutido na altura, mas penso que era uma opção irrealista. A janela de oportunidade era muito estreita. Não estava claro por quanto tempo Mikhail Gorbachev manteria a porta aberta ou mesmo permaneceria no poder. Afinal, a União Soviética era um império em ruínas. Nem todos os Aliados ocidentais estavam entusiasmados com a possibilidade de reunificação alemã.
Se tivesse havido um debate constitucional nessa altura – no qual poderia ter surgido a ideia de que a Alemanha já não queria ser membro da NATO – penso que teria sido uma oportunidade perdida. Mas penso que poderia ter sido iniciado um processo constitucional após a reunificação, quanto mais não fosse para integrar simbolicamente os alemães de Leste.
Loren Balhorn: Depois de tudo isso não ter acontecido, o SED restabeleceu-se como uma voz da Alemanha Oriental na política federal como o Partido do Socialismo Democrático (PDS), e que veio a inserir-se no Die Linke. Como é que avalia o n seu papel na integração dos alemães do leste?
Steffen Mau: Apesar de todo o meu ceticismo sobre este partido, que tem origem no passado e do qual eu próprio não consigo desligar-me, ele levou um terço dos alemães orientais com ele e integrou-os no sistema político. Banir o SED-PDS teria levado as pessoas a uma espécie de sem-teto político-partidário e provavelmente teria provocado um movimento de protesto extraparlamentar do tipo que conhecemos hoje no outro lado do espectro político. Neste sentido, a existência continuada do PDS teve seguramente um efeito pacificador.
Loren Balhorn: O senhor descreve a sociedade da Alemanha Oriental que surgiu desde o fim do socialismo como “fraturada”? Quais são essas fraturas?
Steffen Mau: Primeiro, há a questão demográfica: a Alemanha Oriental é uma sociedade vazia, encolhida e super-envelhecida, e também altamente masculinizada. Em segundo lugar, a Alemanha Oriental não tem uma cultura democrática totalmente desenvolvida. Há várias razões para isso, algumas das quais vêm da RDA, mas algumas das quais se endureceram ainda mais no processo de unificação. O espaço pré-político da sociedade civil é subdesenvolvido na Alemanha Oriental.
E em terceiro lugar, há certamente o ainda fraco desenvolvimento económico: o facto de que apenas o capitalismo familiar em pequena escala se desenvolveu, que nenhuma grande empresa tem sede no Leste – sem mencionar a enorme diferença de riqueza entre o Leste e o Oeste, que obviamente não será facilmente eliminada. Os alemães orientais mais ricos hoje são os alemães ocidentais. Poder-se-ia então acrescentar a fraqueza da Alemanha Oriental em termos de elites, que é evidente em quase todos os setores da sociedade.
Loren Balhorn: Politicamente, o senhor rejeita explicitamente o que chama de “terapia intra-alemã.” Lütten Klein termina com esta frase: “Claramente, será preciso mais do que o lubrificante do reconhecimento para remediar esta situação”. Não deveria ter havido outro capítulo? Se terapia de entendimento não resolverá nada, o que será então que pode resultar?
Steffen Mau: As fraturas são inerentes às estruturas centrais da sociedade, por isso repará-las não será fácil. Que a Alemanha Ocidental e Oriental se escutem um pouco mais uma à outra mesmo que por uma só vez não vai fazer a desigualdade de riqueza desaparecer. O discurso é necessário, mas não basta.
Recentemente, houve algumas mudanças no nível cultural, verificou-se uma nova autoconfiança da Alemanha Oriental e uma maior diferenciação dentro da Alemanha Oriental ao longo de linhas urbanas e rurais ou mesmo entre regiões em crescimento e regiões atrasadas. Isso oferece a oportunidade de codificar a Alemanha Oriental de forma diferente e formar uma nova imagem. Cabe às gerações mais jovens construir novas identidades que sejam diferentes da nostálgica e retrospetiva identidade oriental dos anos 1990.
Em questões económicas, há uma necessidade de atrair empresas, fortalecer as universidades da Alemanha Oriental e reformar a tributação do património, mas essas são questões gerais de desigualdade e disparidades regionais. Isso não seria nada especificamente da Alemanha Oriental.
Loren Balhorn: Cresci num país onde as pessoas diziam que o socialismo nunca poderia acontecer aqui – depois apareceu Bernie Sanders. Você cresceu num socialismo que foi derrubado pelo seu próprio povo. O termo “socialismo” ainda tem significado político no Oriente, ou a esquerda precisa de outra palavra para isso no século XXI?
Steffen Mau: O socialismo é melhor avaliado no Oriente do que no Ocidente, apesar mesmo de ter existido no Oriente. Quando se lhes pergunta se o socialismo também incluía coisas boas, quase duas vezes mais pessoas no Oriente dizem que sim. Conheço alemães orientais que se mudaram para a Suécia e dizem que é assim que imaginavam a RDA.
No fim de contas, trata-se de padrões sociais, infraestruturas fortes, serviços públicos e solidariedade sobre desigualdade excessiva. São coisas em que os alemães orientais ainda se podem relacionar e em muito. Se o rótulo “socialismo” poderia ainda encabeçar a lista dos mais vendidos? Essa é outra pergunta, que eu tenderia a responder negativamente, mas o que esta palavra representa geralmente é muito bem classificada. Certamente não com a expressão de propriedade privada, nem com o sistema de partido único que prevalecia na RDA, mas sim com a obrigação de que a propriedade deve ser usada para produzir bens públicos – acho que muitos alemães do leste podem concordar com isso.
Colaboradores
Steffen Mau é professor de macrossociologia na Universidade Humboldt, em Berlim. O seu livro mais recente em inglês é The Metric Society: On the Quantification of the Social.
Loren Balhorn é editor colaborador do Jacobin. É coeditor, juntamente com Bhaskar Sunkara, do Jacobin: Die Anthologie Anthology (Suhrkamp, 2018).
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