10 de outubro de 2021

Como o racismo americano influenciou Hitler


Os acadêmicos estão mapeando os precursores internacionais do nazismo.

Alex Ross


Hitler, por volta de 1923. Cinco anos depois, ele observou, com aprovação, que os americanos brancos haviam "abatido ... milhões de peles-vermelhas".

"A HISTÓRIA ENSINA MAS NÃO TEM ALUNOS", escreveu o filósofo marxista Antonio Gramsci. Essa frase me vem à cabeça sempre que passo pela seção de História de uma livraria. Dizem alguns no mundo editorial que você nunca vai fracassar com livros sobre Lincoln, Hitler e cachorros; outros falam o mesmo sobre golfe, nazistas e gatos. Na Alemanha, é lugar-comum esperar que as capas de revista sempre mostrem algo sobre Hitler ou sexo. Seja como for, Hitler e o nazismo dão uma força ao mercado editorial: todo ano aparecem centenas de títulos e o total passa bastante das dezenas de milhares. Nas prateleiras das lojas, eles nos olham às dúzias, com lombadas rubro-branco-negras inspiradas na bandeira nazista, títulos latindo em fontes góticas e capas saturadas com suásticas. No catálogo, encontram-se “Fui Piloto de Hitler”, “Fui Chofer de Hitler”, “Fui Médico de Hitler”, “Meu Vizinho, Hitler”, “Hitler era meu amigo” ou “…meu chefe” e “Hitler não é Bobo”. Escrevem-se livros sobre a juventude de Hitler, seus anos em Viena e Munique, sua participação na I Guerra Mundial, sua chegada ao poder, sua biblioteca, seus gostos artísticos, seu amor pelo cinema, suas relações com mulheres e até suas preferências em decoração (“Hitler em Casa”).

Por que esses livros se acumulam em quantidades ilegíveis? Pode parecer uma pergunta perversa. O Holocausto é o maior crime da História, algo que as pessoas continuam tentando entender desesperadamente. O mergulho da Alemanha, do ápice da civilização às profundidades da barbárie, é um choque duradouro. Ainda assim, o negócio das capas “ensuasticadas” mostra bem claramente o inegável talento de Hitler para o design gráfico — a bandeira nazista foi, aparentemente, criação dele, após “inúmeras tentativas”, segundo o “Mein Kampf”. No ensaio “Fascismo Fascinante” (1975), Susan Sontag afirma que o apelo da iconografia nazista tornou-se erótico, não apenas nos círculos de S & M [sado-masoquismo] mas também na cultura em geral. Isso foi, conforme Sontag, uma “resposta a uma liberdade opressiva de escolha no sexo (e possivelmente em outras matérias), a um certo grau insuportável de individualidade”. É quase certo que os movimentos neo-nazi ajudaram a perpetuar a mística negativa de Hitler.

Os americanos parecem ter um apetite aparentemente insaciável por livros, filmes, programas de TV, documentários, games e quadrinhos com temática nazista. As estórias sobre a II Guerra os consolam com lembranças dos dias anteriores ao Vietnã, ao Camboja, ao Iraque, quando os Estados Unidos eram a super-potência de bom coração, correndo ao resgate de uma Europa paralisada pelo totalitarismo e apaziguamento. Entretanto, numa continuidade sombria, cientistas alemães foram importados para a América e passaram a trabalhar para seus ex-inimigos, criando tecnologias de destruição em massa muito além da imaginação de Hitler. Os nazistas idolatravam muitos aspectos da sociedade americana: a cultura do esporte, os valores das produções de Hollywood, a mitologia da fronteira. Desde a infância, Hitler devorava os westerns de Karl May, um popular novelista alemão. Em 1928, Hitler notou, com aprovação, que os colonos brancos dos EUA haviam “massacrado os peles-vermelhas, de milhões para algumas centenas de milhares”. Quando falava do Lebensraum, a necessidade alemã de “espaço vital” no Leste Europeu, ele costumava ter em mente os EUA. 

Entre as obras recentes sobre o nazismo, o que mais provoca desconforto ao leitores americanos é de James Q. Whitman: Hitler’s American Model: The United States and the Making of Nazi Race Law [O Modelo Americano de Hitler: os Estados Unidos e a Criação da Lei Racial Nazista], editora Princeton. Na capa, a indefectível suástica é ladeada por duas estrelas vermelhas. No miolo, Whitman explora como os nazistas buscaram inspiração no racismo americano da virada do século XIX para o XX. O autor ressalta que, em “Mein Kampf”, Hitler elogia os EUA como o único país que fez progresso no sentido de uma concepção basicamente racial da cidadania, por “excluir certas raças da naturalização”. Whitman escreve que a discussão de influências como essa é quase um tabu, pois os crimes do Terceiro Reich costumam ser definidos como “o nefandum, a decadência inefável no que geralmente chamamos de ‘mal radical’”. Mas o tipo de ódio genocida que apareceu na Alemanha já havia sido visto ates e já foi visto depois. Só ao despi-lo de suas regalias nacionais e compreendendo sua forma humana essencial é que temos alguma esperança de derrotá-lo.

A VASTA LITERATURA sobre Hitler e o nazismo está sempre rodeando algumas questões duradouras. A primeira é biográfica: como um aquarelista austríaco transformado em militar emergiu como agitador da extrema-direita alemã após a Primeira Guerra Mundial? A segunda é sociopolítica: como uma sociedade civilizada acabou por abraçar as ideias extremistas de Hitler? A terceira tem a ver com a intersecção entre o homem e o regime: até que ponto Hitler tinha controle sobre a máquina do Terceiro Reich? Todas essas questões miram no enigma central do Holocausto, que tem sido interpretado diversamente, ora como ação premeditada, ora como improviso bárbaro. Em nossos tempos de racismo descarado e ressurgência do autoritarismo, a mecânica da ascensão de Hitler é um tema particularmente importante. Para os demolidores da democracia, não existe exemplo melhor.

Desde 1945, a historiografia do nazismo passou por várias transformações amplas, que refletem pressões políticas vindas tanto de dentro quanto de fora da Alemanha. Nos primórdios da Guerra Fria, o surgimento da Alemanha Ocidental como um bastião contra a ameaça soviética desencorajava uma interrogação profunda dos valores culturais alemães. A primeira grande biografia de Hitler no pós-guerra, publicada em 1952 pelo historiador britânico Allan Bullock o retrata como um charlatão, um manipulador, um “um oportunista inteiramente desprovido de princípios”. Os pensadores alemães tendiam a deixar Hitler de lado, partindo para explicações mais sistêmicas. As Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt, indicam que as energias ditatoriais são formadas a partir da solidão do sujeito moderno.

Nos anos 1960 e 1970, conforme a Realpolitik da Guerra Fria perdeu força e do horror do Holocausto foi compreendido, muitos historiadores adotaram o que ficou conhecido como tese Sonderweg — a ideia de que a Alemanha percorreu um “caminho especial” nos séculos XIX e XX, distinto dos demais países ocidentais. Desse ponto de vista, a Alemanha do Período Guilhermino [i.e., do reinado de Guilherme II, entre 1888 e 1918] falhou no desenvolvimento de linhas liberal-democráticas saudáveis e a incapacidade de se modernizar politicamente abriu terreno para o Nazismo. Na Alemanha, estudiosos de linha esquerdista, como Hans Mommsen, usaram esse conceito para clamar por um grau mais elevado de responsabilidade coletiva. Focar em Hitler, segundo o argumento, seria uma evasão, implicando que o Nazismo teria sido algo que ele impôs ao nós. Mommsen delineou uma “radicalização cumulativa” do Estado nazista, onde Hitler funciona como um “ditador fraco”, cedendo a tomada de decisões para agências burocráticas concorrentes. Externamente, a teoria Sonderweg foi mais para o lado punitivo, condenando a História e a cultura da Alemanha como um todo. William Manchester fecha The Arms of Krupp [As Armas de Krupp], seu livro de 1968, com uma imagem lúgubre: “o primeiro selvagem ariano, de cócoras em seu traje de peles soltas, equilibrando um dardo rudimentar, tenso, alerta, escondido pela noite e a neblina, estava pronto, esperando e esperando.”

O argumento Sonderweg foi atacado em múltiplas frentes. No que ficou conhecido como Historikerstreit [Disputa de Historiadores], acadêmicos de direita alemães propuseram o fim do ritual de autoflagelação nacional: eles colocaram o Nazismo como reação ao Bolchevismo e classificaram o Holocausto como um genocídio entre muitos outros. Joachim Fest, que publicou a primeira grande biografia em alemão de Hitler, também se afastou da escola Sonderweg. Ao retratar Hitler como uma figura todo-poderosa, quase demoníaca, Fest praticamente deixa de culpar os conservadores da República de Weimar que colocaram Hitler em seu cargo. Interpretações mais dúbias apresentam o Hitlerismo como um experimento que modernizou a Alemanha mas perdeu o controle. Tais ideias perderam terreno na Alemanha, ao menos por enquanto: lá, no discurso mainstream, a aceitação da responsabilidade pelo terror nazista é axiomática.

Fora da Alemanha, muitas críticas ao Sonderweg partiram da esquerda. Os pesquisadores britânicos Geoff Eley e David Blackbourn questionam, em The Peculiarities of German History [As Peculiaridades da História Alemã], de 1984, a “tirania da retrospectiva” — uma perspectiva altiva, que reduz uma sequência de eventos complexos e contingentes a uma progressão irreversível. No suposto Kaiserreich retrógrado, Eley e Blackbourn identificam várias forças liberalizantes em ação: reformas habitacionais, iniciativas de saúde pública, uma imprensa empoderada. Era uma sociedade manchada pelo antissemitismo, mas não viu nenhuma agitação na escala do Caso Dreyfus ou do sangrento Tiszaeszlár da Hungria. Os dois autores também questionam se a Grã-Bretanha elitista e imperialista deveria ser considerada modelo de modernidade. A narrativa Sonderweg pode se tornar um conto-de-fadas exculpatório para outras nações: nós podemos ter errado, mas nunca seremos tão terríveis como os alemães.

Em sua monumental biografia em dois volumes (1998–2000), Ian Kershaw encontra um meio-termo plausível entre as imagens de Hitler como “forte” ou “fraco” no poder. Com uma agenda notura, desinteresse pela papelada e aversão ao diálogo, Hitler seria, para dizer o mínimo, um executivo excêntrico. Para dar sentido a uma ditadura com um ditador intermitente e ausente, Kershaw expõe o conceito de “trabalhar no sentido do Führer”: quando não havia orientação explícita de Hitler, os funcionários nazistas adivinhavam o que ele queria, muitas vezes radicalizando suas políticas. Ainda que os debates sobre a natureza da liderança de Hitler andem para lá e para cá, os estudiosos concordam que sua ideologia já estava mais ou menos fixa em meados dos anos 1920. Suas duas obsessões permanentes eram o antissemitismo violento e o Lebensraum. Já em 1921 ele falava em confinar os judeus em campos de concentração e, em 1923, contemplava a ideia de matar toda a população judaica — ideia rejeitada momentaneamente. O Holocausto foi resultado de um silogismo cruel: se a Alemanha precisava se expandir para o Leste, onde viviam milhões de judeus, eles precisariam ser extintos porque os alemães não poderiam coexistir com eles.

AS PESSOAS TENTAM sondar a psique de Hitler há quase um século. Em Explaining Hitler [Explicando Hitler, 1998], Ron Rosembaum faz uma turnê por outras teorias mais extraordinárias. Entre outras coisas, foram feitas sugestões de que a chave para entender Hitler seria o fato de que: ele teve um pai abusivo ou que era apegado demais à mãe ou que teve um avô judeu; que foi portador de encefalite ou contraiu sífilis de uma prostituta judia; que botava a culpa num médico judeu pela morte da mãe; que tinha um testículo a menos ou foi submetido a um tratamento de hipnose descontrolado; que era gay ou que mantinha fantasias coprofílicas em relação à sobrinha; que foi apodrecido pelas drogas ou — meu favorito — que seu antissemitismo foi despertado depois de frequentar brevemente a escola com Ludwig Wittgentein em Linz. Na raiz dessa mania especulativa está o que Rosenbaum chama de mentalidade da “caixa-preta perdida”: basta uma investigação detetivesca e o mistério pode se resolver com um golpe sherlockiano.

Os historiadores acadêmicos, porém, costumam retratar Hitler como uma cifra, como um ninguém. Kershaw o considerou um “homem sem qualidades”. Volker Ullrich, escritor e jornalista alemão, há muito associado ao semanário Die Zeit, sentia a necessidade de uma biografia mais voltada para a vida privada de Hitler. O primeiro volume de Ullrich, Hitler: Ascent 1889–1939 foi publicado pela Knopf em 2016, numa tradução fluida [para o inglês] de Jefferson Chase. O Hitler de Ullrich não é nenhum feiticeiro tirânico que captura uma Alemanha inocente. Ao contrário, ele é um camaleão, bem consciente da imagem que projeta. “O suposto vazio”, escreve Ullrich, “era parte da persona de Hitler, um meio de ocultar sua vida pessoal e apresentar-se como um político inteiramente identificado com seu papel de líder.” Assim, Hitler podia posar como um cavalheiro culto nos salões de Munique, como um pistoleiro numa cervejaria e como um boêmio em companhia de cantores e artistas. Sua memória excepcional lhe permitia assumir um ar de mistério superficial. Sua segurança, porém, falhava na presença de mulheres: Ullrich mostra a vida amorosa de Hitler como uma série de fixações praticamente irrealizadas. Nem é necessário dizer que ele era um narcisista extremo, sem qualquer empatia. Muito se fala de seu amor aos cachorros, mas ele era cruel com eles.

Desde a adolescência, Hitler era um sonhador e um solitário. Avesso a participar de grupos e ainda menos inclinado em liderá-los, ele mergulhava em livros, músicas, arte. Sua ambição de tornar-se pintor foi dificultada pela técnica limitada e por uma reveladora falta de habilidade para figuras humanas. Quando se mudou para Viena, em 1908, escorregou para as margens da sociedade, residindo brevemente num abrigo para sem-tetos e numa pensão para homens. Em Munique, entretanto, para onde foi em 1913, ele cavou uma vida de artista, passando os dias no museu e as noites na ópera. Entrou em contato com Wagner, mas parece ter tido pouco entendimento das complicações e ambiguidades psicológicas do compositor. Um retrato nítido do jovem Hitler pode ser encontrado no surpreende ensaio “Bruder Hitler”, de Thomas Mann, cuja versão em inglês apareceu na Esquire em 1939 sob o título “Aquele Homem é Meu Irmão”. Traçando um paralelo entre suas próprias experiências e as de Hitler, Mann escreve sobre uma “arrogância básica, aquele sentimento de ser bom demais para qualquer atividade honrosa e razoável — com base em quê? Numa vaga noção de estar reservado para alguma outra coisa, algo bem indeterminado — que, se fosse mencionado, levaria as pessoas ao riso.”

Apesar das alegações do “Mein Kampf”, não existe evidência clara de que Hitler nutria uma visão intensamente antissemita na juventude ou no começo da vida adulta. Aliás, ele parece ter tido relações amistosas com vários judeus em Viena e Munique. Isso não significa que ele estava livre do lugar-comum do antissemitismo. Ele era, sem dúvida, um fervente nacionalista alemão: quando a Primeira Guerra Mundial começou, em 1914, ele se alistou ao Exército alemão e se saiu bem como soldado. Durante a maior parte da guerra, serviu como mensageiro dos comandantes de seu regimento. O primeiro sinal de guinada à direita aparece numa carta de 1915, onde Hitler expressa a esperança de que a guerra levaria ao fim o “internacionalismo de dentro” da Alemanha.

Thomas Weber, historiador que descreveu os anos do soldado Hitler em Hitler’s First War [A Primeira Guerra de Hitler, 2010], escreveu recentemente Becoming Hitler: The Making of a Nazi [Tornando-se Hitler: a criação de um nazi], onde estuda sua metamorfose pós-guerra. É importante notar que Hitler permaneceu no Exército após o Armistício e os soldados nacionalistas insatisfeitos tendiam a se juntar em grupos paramilitares. Como os partidos sociais-democratas foram as forças dominantes na fundação da República de Weimar, Hitler estava tecnicamente representando um governo de esquerda — e até serviu sob a efêmera República Soviética da Bavária. Entretanto, é dúbio acreditar que ele tinha simpatias pela esquerda. Ele provavelmente ficou no Exército porque, como escreve Weber, ele “dava uma razão de ser à sua existência”. Até seu trigésimo aniversário, em abril de 1919, não havia qualquer sinal do futuro Führer.

A anarquia sem precedentes na Bavária pós-guerra explica o que aconteceu em seguida. Chacinas tornaram-se rotina e políticos eram assassinados quase toda semana. A esquerda era apontada como culpada pelo caos e o antissemitismo cresceu pelo mesmo motivo: muitos líderes proeminentes da esquerda eram judeus. Depois, veio o Tratado de Versalhes, assinado em junho de 1919. Em The Vanquished: Why the First World War Failed to End [Os Derrotados: por que a Primeira Guerra não Acabou] Robert Gerwarth enfatiza o efeito de tiro pela culatra que o tratado teve sobre as potências centrais derrotadas. Segundo ele, os políticos alemães e austríacos acreditavam ter “rompido com as tradições autocráticas do passado, cumprindo assim um critério fundamental dos Quatorze Pontos de Wilson para uma ‘paz justa’.” A severidade dos termos de Versalhes atropelou essa retórica idealista.

No dia seguinte à ratificação do tratado pela Alemanha, Hitler começou a frequentar aulas de propaganda voltadas à repressão de tendências revolucionárias. Elas o incensaram com ideias extremas, anticapitalistas e antissemitas. O oficial responsável pelo programa era uma figura trágica: Karl Mayr, que mais tarde deixou a direita pela esquerda e morreu no campo de concentração de Buchenwald, em 1945. Mayr descreveu Hitler como um “cachorro de rua cansado e à procura de um dono”. Ao notar o dom discursivo de Hitler, Mayr fez dele um palestrante e mandou-o para Munique como observador de atividades políticas. Ali, em setembro de 1919, Hitler entrou em contato com o Partido dos Trabalhadores Alemães, uma facção política minúscula e marginal. Ele discursou em uma reunião e juntou-se ao partido. Em questão de meses, ele tornou-se o principal orador do grupo, que foi rebatizado como Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães.

SE A RADICALIZAÇÃO de Hitler aconteceu assim tão rápido — e nem todos os historiadores concordam nesse ponto — , esse progressão tem semelhança assustadora com as histórias que lemos rotineiramente nos noticiários de hoje: o rapaz suburbano, amante de gatinhos e de ar inofensivo que assiste vídeos de supremacistas brancos no YouTube e depois se junta a um grupo Neonazi no Facebook. Mas o que é historicamente importante não é tanto o abraço de Hitler ao nacionalismo beligerante e ao antissemitismo assassino e sim o dom que ele tinha para injetar esse retórica no discurso mainstream. Hitler: Biographie — um calhamaço de 1300 páginas escrito por Peter Longerich e publicado na Alemanha em 2015 — apresenta uma imagem potente das habilidades de Hitler como orador, organizador e propagandista. Mesmo os que achavam suas palavras repulsivas foram hipnotizados por ele, que começava quieto, quase hesitante e testava sua audiência criando suspense. Ele divertia a multidão com comentários sardônicos e imitações dramáticas. Em termos de estrutura musical, era como um crescendo rumo a uma raiva triunfante. Como nota Longerich, “era um estilo excêntrico, quase ridículo, descontrolado, obviamente sem treinamento e, ao mesmo tempo, extático e sublime, que evidentemente passava à audiência a ideia de singularidade e autenticidade.”

Acima de tudo, Hitler sabia como se projetar pelas mídias de massa, afiando suas mensagens para fazê-las penetrar no ruído branco da política. Ele incentivou a produção de cartazes, pôsteres e slogans cativantes e, em pouco tempo, aprendeu a lidar com o rádio e o cinema. Simultaneamente, os esquadrões de Camisas-Pardas brutalizavam e assassinavam seus oponentes, intensificando a mesma desordem que Hitler prometia curar. Sua maior façanha veio depois do fracasso do Golpe da Cervejaria, em 1923, que deveria ter enterrado sua carreira política. No julgamento subsequente, Hitler poliu sua narrativa pessoal, colocando-se como mero soldado que havia ouvido o chamado do destino. Na prisão, escreveu a primeira parte do “Mein Kampf”, em que concluiu a construção de sua visão de mundo.

Nos anos 1920, muitos liberais viam Hitler como uma figura assustadora porém ridícula, que não representava uma ameaça séria. Ao longo da década, a República de Weimar meio que se estabilizou e a porcentagem dos votos nazistas declinou para índices de um dígito. Foi a miséria econômica da virada dos anos 20 para os 30 que abriu uma nova oportunidade, aproveitada por Hitler. Com destreza, Benjamin Carter Hett sumariza esse período medonho em The Death of Democracy: Hitler’s Rise to Power and the Downfall of the Weimar Republic [A Morte da Democracia: ascensão de Hitler ao poder e queda da República de Weimar]. Os conservadores, segundo o autor, cometeram o erro grotesco de ver em Hitler apenas uma ferramenta para agitar as massas. Eles também minaram a democracia parlamentar, enfraqueceram governos regionais e assim montaram o palco para o Estado nazista. A esquerda, por outro lado, estava dividida internamente. Por pressão de Stalin, muitos comunistas viam os sociais-democratas, e não os nazistas, como o verdadeiro inimigo — os “social-fascistas”, como se dizia. A mídia estava ocupada em distrações da cultura pop, enquanto os jornais de tradição liberal perdiam circulação. Jornalistas corajosos, como Konrad Heiden, tentaram conter a enxurrada de propaganda nazista, mas sentiram que o esforço era inútil. Como escreveu Heiden, “a refutação seria ouvida, talvez entendida, mas logo esquecida definitivamente”.

Contido, Hett evita indicar ao leitor os muitos paralelos óbvios com o mundo contemporâneo, mas ele sabia o que fazia ao deixar de fora do título o adjetivo “alemão”. Nas páginas finais do livro, ele põe suas cartas na mesa: "Pensar no fim da democracia de Weimar desse modo — como resultado de um grande movimento de protesto colidindo com os padrões complexos de auto-interesse elitista, numa cultura cada vez mais inclinada à irracionalidade e à mitologia agressiva — retira qualquer ar de exotismo estrangeiro de bandeiras com suásticas e stormtroopers marchantes. De repente, a coisa toda parece íntima e familiar." Sim, parece mesmo.

O que diferencia Hitler da maioria das figuras históricas autoritárias era o modo como ele se via, considerando-se um artista-gênio, que usava a política como suporte. É um engano chamá-lo de artista fracassado pois, para ele, a política e a guerra eram a continuação da arte por outros meios. Esse é o foco de Hitler: Der Künstler als Politiker und Feldherr [O Artista como Político e Comandante], livro de Wofram Pyta que é uma das mais notáveis adições recentes à literatura sobre o tema. Embora a estetização da política não seja exatamente um tópico novo — Walter Benjamin já discutiu isso nos anos 1930, bem como Mann — Pyta trata do tema com uma profundidade magistral, demonstrando como Hitler corrompeu o culto romântico ao gênio para se reincarnar como um líder transcendente, que paira acima de tudo e todos. A propaganda de Goebbels estava toda ancorada nessa premissa e seus diários indicam que ele acreditava nisso: “Adolf Hitler, eu te amo porque você é ao mesmo tempo grande e simples”.

O verdadeiro artista não se compromete. Desafia os céticos e os zombadores, imaginando o impossível. Esse é o tom da infame “profecia” de Hitler sobre a destruição dos judeus europeus, em 1939: "Muitas vezes tenho sido um profeta, e geralmente têm rido de mim… Eu acredito que o riso outrora retumbante da judiaria na Alemanha agora ficará preso em suas gargantas. Hoje, quero ser profeta de novo — se os financistas judeus internacionais dentro e fora da Europa tiverem sucesso em mais uma vez empurrar as nações para uma guerra mundial, então o resultado será não a bolchevização da Terra e vitória da judiaria, mas a aniquilação da raça judaica na Europa." Há muito que os acadêmicos discutem sobre quando foi tomada a decisão de executar a Solução Final. A maioria, hoje, acredita que o Holocausto foi uma escalada de ações, impulsionadas tanto por pressões vindas tanto de baixo quanto de cima. Entretanto, não foi necessária nenhuma ordem. A “profecia” de Hitler era, em si, uma ordem velada. No verão de 1941, quando centenas de milhares de judeus e eslavos eram mortos durante a invasão da União Soviética, Goebbels notou que Hitler falava em como a profecia estava sendo cumprida de modo “quase fantástico”. Parecem os termos de um connoisseur admirando uma obra-prima e foram essas e outras atrocidades intelectuais que levaram Theodor Adorno a declarar que, depois de Auschwitz, escrever poesia seria uma barbaridade.

HITLER E GOEBBELS foram os primeiros a relativizar o Holocausto, os primeiros a fazer falsas equivalências. “Os campos de concentração não foram inventados na Alemanha”, disse Hitler em 1941. “Foram os ingleses que o inventaram, usando essa instituição para quebrar gradualmente as costas de outras nações.” Os britânicos, destacavam os nazistas, operavam campos na África do Sul. Similarmente, os propagandistas do partido ressaltavam os sofrimentos dos nativos americanos e os massacres de Stalin na União Soviética. Em 1943, Goebbels transmitiu com ar triunfante as notícias do Massacre da Floresta de Katyn, no qual a polícia secreta soviética matou mais de 20 mil poloneses — Goebbels queria até mostrar filmagens das valas comuns, mas os generais o impediram. Os neonazistas mantêm este projeto até hoje, ora negando o Holocausto, ora buscando justificá-lo. 

A magnitude desta abominação quase proíbe que ela seja mencionada na mesma frase que qualquer outro horror. E, no entanto, o Holocausto teve dimensões inevitavelmente internacionais, com linhas de influência, círculos de cumplicidade e momentos de congruência. O “antissemitismo científico”, como Hitler gostava de dizer, ecoava Arthur de Gobineau, teórico racista francês e os intelectuais antissemitas que normalizaram sua linguagem venenosa durante o Caso Dreyfus. O Império Britânico era o ideal de Hitler de uma raça superior em repouso dominante. Os “Protocolos dos Sábios de Sião”, farsa russa feita por volta de 1900, abasteceram a paranoia nazista. O Genocídio Armênio (1915–16) encorajou a crença de que a comunidade internacional pouco se importaria com o destino dos judeus. Pouco antes do estouro da II Guerra Mundial, Hitler falou sobre os planos de assassinato em massa de poloneses e perguntou: “quem, hoje em dia, ainda fala sobre a destruição dos armênios?” Em quase todo lugar que invadiram, os nazistas encontraram colaboradores. Numa cidadezinha da Lituânia, uma multidão festejava enquanto um morador local espancava dezenas de judeus até a morte. Depois, ele subiu em cima dos corpos dos mortos e tocou o hino nacional lituano num acordeão. Enquanto isso, os soldados alemães só olhavam e tiravam fotos.

As matanças realizadas por Hitler e Stalin existiam quase que simbioticamente, uma dando licença à outra, em ciclos de vingança sem qualquer remorso. As deportações dos alemães do Volga por Stalin eram seguidas por deportações em larga escala de judeus dos países do Terceiro Reich. Reinhard Heydrich, um dos arquitetos do Holocausto, pensava que, assim que a URSS fosse derrotada, os judeus da Europa poderiam ser deixados à morte nos gulags. A alegação mais perigosa feita por historiadores direitistas é que o terror nazi seria uma resposta ao terror bolchevique e, portanto, seria desculpável até certo ponto. Entretanto, é possível ter em vista um panorama inteiramente monstruoso sem minimizar a responsabilidade dos perpetradores de cada lado. Esse é o feito de Timothy Snyder no profundo e perturbador Bloodlands [Terras de Sangue, 2010], onde ele parece fixar câmeras em vários pontos da Europa Oriental, registrando ondas e mais ondas de massacres.

A relação de Hitler com os EUA vai bem além de suspeitos óbvios, como Henry Ford e Charles Lindbergh. Em Hitler’s American Model [O Modelo Americano de Hitler], Whitman faz uma análise comparativa das leis raciais nazistas e estadunidenses e complementa estudos anteriores, como The American West and the Nazi East [O Oeste Americano e o Leste Nazi], de Kakel — uma discussão entre os paralelos do Destino Manifesto e do Lebensraum — e The Nazi Connection [A Conexão Nazista], de Stefan Kühl — que descreve o impacto do movimento eugenista americano no pensamento nazista. Essas leituras são provocadoras no tom e, às vezes, tendenciosas, mas são um exercício necessário de auto-exame, do tipo que a Alemanha moderna faz de modo exemplar.

Os nazistas não estavam errados em citar os precedentes norte-americanos. A escravização dos afro-americanos foi inscrita na Constituição dos EUA. Thomas Jefferson falava da necessidade de “eliminar” ou “extirpar” os nativos americanos. Em 1856, um assentado no Oregon escreveu: “Extermínio, por mais que pareça anticristão, parece ser o último recurso que resta à proteção da vida e da propriedade.” O general Philip Sheridan também falava de “aniquilação, obliteração e completa destruição” dos índios. É verdade que muitos outros promoviam políticas mais pacíficas — mas ainda repressivas. O historiador Edward B. Westerman conclui, em Hitler’s Ostkrieg and the Indian Wars [A Ostkrieg de Hitler e as Guerra Indígenas], que como a política federal nunca ordenou oficialmente “a aniquilação das populações nativas com base em raça ou suas características”, esse não seria um genocídio da ordem da Shoah. O fato é que, entre 1500 e 1900, a população nativa nos territórios dos EUA despencou de vários milhões para cerca de 200 mil.

A facilidade dos americanos em manter um ar de inocência robusta diante do genocídio foi vista por Hitler como exemplo a ser seguido. Ele fez menções frequentes ao Oeste americano nos primeiros meses da invasão soviética: o Volga, dizia, seria “nosso Mississippi”. “A Europa — e não a América — é que será a terra das oportunidades ilimitadas”. Polônia, Belarus e Ucrânia seriam povoadas por famílias de pioneiros, soldados-fazendeiros. Os campos de grãos seriam atravessador por autobahns. Os habitantes daquelas terras — dezenas de milhões — seriam deixados à míngua, para morrer de fome. Ao mesmo tempo, e sem qualquer sinal de contradição, os nazistas prosseguiram com a velha romantização alemã dos ameríndios. Um dos esquemas mais obscuros de Goebbels era dar status de arianos honorários às tribos norte-americanas, na esperança de que elas se levantassem contra seus opressores.

Em termos legislativos, as leis de segregação no sul dos EUA serviam de precedentes. Estudiosos sempre souberam que o regime hitlerista expressava admiração pelas leis raciais norte-americanas, mas eles tendiam a ver isso como uma estratégia de relações-públicas — uma justificativa do tipo “todo mundo faz isso” para as políticas nazistas. Entretanto, como nota Whitman, se essas comparações fossem feitas apenas para uma audiência estrangeira, elas não teriam sido enterradas em volumosos tomos impressos em tipos góticos. “A Lei Racial nos Estados Unidos”, um estudo de 1936 feito pelo advogado alemão Heinrich Krieger, tenta entender as inconsistências no status legal dos americanos não-brancos. Krieger conclui que todo o aparato jurídico sobre o tema é incorrigivelmente opaco, escondendo objetivos racistas por trás de contorcionismos legais. Por que não dizem logo o que querem dizer? Essa era uma grande diferença entre os racismos alemão e americano.

Os eugenistas americanos, por outro lado, não escondiam seus objetivos racistas e suas ideias eram tão prevalentes que F. Scott Fitzgerald as menciona em The Great Gatsby — onde o rude Tom Buchanan, que parece ter lido The Rising Tide of Color Against White World-Supremacy [A Maré das Pessoas de Cor contra a Supremacia Mundial Branca], tratado de Lothrop Stoddard de 1920, declara: “A ideia é que, se baixarmos a guarda, a raça branca vai ser — será definitivamente afogada”. A Lei de Esterilização de Hitler (1934) foi diretamente inspirada no programa de esterilização da Califórnia. Também existem semelhanças sinistras, ainda que sejam coincidências, entre as máquinas de morte americanas e alemãs. A primeira execução por câmara de gás foi realizada em Nevada, em 1924. Ao tratar da história da câmara de gás americana, Scott Christianson lembra que o gás Zyklon-B foi licenciado à companhia American Cyanamid pela empresa alemã I. G. Farben. Os americanos consideraram a substância letal, mas imprática. Porém, o Zyklon-B seria usado para desinfetar imigrantes que cruzavam a fronteira em El Paso — um uso que não passou em branco para Gerhard Peters, químico que forneceu uma versão modificada do Zyklon-B para Auschwitz. Mais tarde, as câmaras de gás americanas seriam aperfeiçoadas com um alçapão de onde caíam as pastilhas de veneno. Como explicou Earl Liston, inventor do dispositivo, “puxar uma alavanca para matar um homem é trabalho duro. Derramar ácido por uma tubulação é mais simples para os nervos, mais parecido com regar flores.” Praticamente o mesmo método foi introduzido em Auschwitz para aliviar o estresse dos guardas da SS.

Quando elogiava as restrições americanas à naturalização, Hitler tinha em mente a Lei de Imigração de 1924, que impôs cotas por nacionalidade e barrou a maioria dos povos asiáticos. Para observadores nazistas, era uma evidência de que, apesar de sua retórica sobre igualdade, os EUA estavam no caminho certo. A Lei de Imigração americana também teve um papel em facilitar o Holocausto, pois suas cotas impediram que milhares de judeus — inclusive Anne Frank e sua família — chegassem aos Estados Unidos. Em 1938, o presidente Franklin Roosevelt convocou uma conferência internacional sobre os refugiados europeus. O evento, realizado em Évian-les-Bains, França, não teve nenhum resultado significativo. O Ministério das Relações Exteriores alemão, numa resposta ácida, considerou “surpreendente” que outros países condenassem o tratamento dado aos judeus na Alemanha e depois se negavam a recebê-los.

Centenas de milhares de americanos morreram ao combater a Alemanha nazista. Mesmo assim, o desprezo aos judeus persistiu, inclusive contra sobreviventes do Holocausto. O general George Patton criticava os bom-samaritanos, gente que “acredita que o Desalojado é um ser humano, o que não é, e isso se aplica particularmente aos judeus, que estão abaixo dos animais.” Os cientistas nazistas, entretanto, se deram bem. A sombria história de Wernher von Braun e seus colegas do programa V-2 é revista por Brian Crim em Our Germans: Project Paperclip and the National Security State [Nossos Alemães: o Projeto Clipe de Papel e o Estado de Segurança Nacional]. Ao ser capturado, em 1945, von Braun percebeu que os soviéticos seriam os arqui-inimigos do complexo militar-industrial americano. Astuto, ele promoveu a ideia de que um programa de armas de alta tecnologia iria varrer a ameaça bolchevique. Assim, exceto pelo trabalho escravo, ele foi capaz de reconstruir quase toda sua operação Stateside. Seus antecedentes foram amaciados, seu processo de desnazificação foi acelerado (por ser considerado “desmoralizante”) e sua imigração foi quase imediata. J. Edgar Hoover [fundador do recém-criado FBI] ficou preocupado com obstrucionistas do Departamento de Estado, que estariam fazendo perguntas demais sobre o histórico dos cientistas [alemães]. O senador Styler Bridges chegou a propor que o Departamento de Estado precisava de um “cargo de fumigação de cianeto de primeira linha”.

TODOS ESSES deprimentes pontos de contato são pouco mais do que notas de rodapé na História do Nazismo, mas nos revelam alguma coisa sobre a América moderna. Como um contraste injetado na corrente sanguínea, eles expõem os pontos fracos da consciência nacional. A disseminação de propaganda de supremacia branca na internet é o capítulo mais recente. Como observou recentemente a escritora Zeynep Tufekci no [New York] Times, o YouTube é um veículo imbatível para a circulação desse tipo de conteúdo, com algoritmos que guiam o usuário para material cada vez mais inflamatório. Segundo ela, “dados os seus bilhões de usuários, o YouTube deve ser um dos mais potentes instrumentos de radicalização do século XXI”. Outro dia, fiz uma busca por Hitler no YouTube e o primeiro vídeo que apareceu era intitulado “Best Hitler Documentary in COLOR!” — tratava-se da produção britânica Hitler in Color. No topo dos comentários, destacava-se um comentário pró-Hitler e, graças ao Autoplay, logo passei a ver contribuições de usuários como CelticAngloPress e SoldatdesReiches.

Numa reportagem de 1990, a Vanity Fair afirmou que Donald Trump tinha um livro com discursos de Hitler em sua cabeceira. Quando foi questionado sobre isso, Trump respondeu que “se tivesse esses discursos, e digo que não tenho, nunca leria eles”. Desde que entrou para a política, Trump tem sido comparado a Hitler e não só pelos neonazistas. Embora possam ser vistas algumas semelhanças — às vezes Trump parece imitar a estratégia hitlerista de cultivar rivalidades entre seus subordinados e seus comícios são rituais catárticos de racismo, xenofobia e auto-elogio — as diferenças são bem claras. Para começar, Hitler tinha mais disciplina. Mais válido é considerar como a habilidade de demagogia maligna de Hitler exploraria com eficácia as falhas na democracia americana. Ele certamente teria ao seu dispor políticos direitistas covardes, herdeiros dignos de Hindenburg, Brüning, von Papen e Schleicher. Ele também teria milhões de cidadãos dispostos a aceitar as redes incrivelmente poderosas de controle e vigilância corporativa.

O político-artista do futuro não vai se aninhar na aura antiquada de Wagner e Nietzsche. É mais provável que ele busque inspiração nos mitos recém-criados da cultura popular. O arquétipo da criança ordinária que descobre ter poderes extraordinários é conhecido dos quadrinhos e filmes de super-herói e brinca com o sentimento adolescente de algo está profundamente errado com o mundo e basta uma arma mágica para quebrar o encanto. Com um só golpe, o outsider invisível assume uma posição de supremacia numa batalha de puro bem contra puro mal. Para a maioria das pessoas, essas histórias são só fantasia, só um meio de embelezar a vida cotidiana. Mas pode ser que, um dia, um sonhador insensível, um solitário com uma “vaga noção de estar reservado para algo melhor” pode tentar transformar a metáfora em realidade. Ele pode estar por aí agora mesmo, encapuzado pela luz azulada de uma tela de computador, esperando, pronto para começar. Embora seja crítico musical da revista The New Yorker desde 1996, ALEX ROSS não escreve sobre música clássica e não sobre a cultura por trás da ascensão do nazismo. Ele é autor de dois livros: The Rest is Noise, uma história cultural da música do século XX e Listen to This, coletânea de seus ensaios sobre música. Jornalista cultural premiado várias vezes, Ross está trabalhando em Wagnerism, obra que vai investigar o impacto cultural do compositor alemão Richard Wagner.

Alex Ross é crítico musical da The New Yorker desde 1996. Ele escreve sobre música clássica, cobrindo o campo da Metropolitan Opera à vanguarda contemporânea, e também contribui com ensaios sobre literatura, história, artes visuais, cinema, e ecologia. Seu primeiro livro, “The Rest Is Noise: Listening to the Twentieth Century”, uma história cultural da música desde 1900, ganhou o National Book Critics Circle Award e o Guardian First Book Award e foi finalista do Prêmio Pulitzer. Seu segundo livro, a coleção de ensaios “Listen to This”, ganhou o prêmio ascap-Deems Taylor. Seu último livro é "Wagnerism: Art and Politics in the Shadow of Music", um relato do vasto impacto cultural de Wagner. Ele recebeu as bolsas MacArthur Fellowship, Guggenheim Fellowship e o prêmio Arts and Letters da American Academy of Arts and Letters.

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