21 de outubro de 2021

É preciso uma PEC para romper o teto de gastos em 2022 e 2023

Pobreza subiu, economia corre risco de recessão e é preciso proteger parcela mais vulnerável

Nelson Barbosa

Discussão e votação de propostas no congresso. Najara Araújo/Câmara dos Deputados

Voltamos ao surrealismo orçamentário, o período em que fiscalistas de planilha defendem a manutenção do atual teto de gastos, aquele limite oportunista criado pelo time Temer para seus sucessores, que na prática caiu em 2019, mas que ainda serve de pretexto para absurdos econômicos.

Começando pelo principal, está claro que o auxílio emergencial (AE) tem que ser prorrogado, como vários economistas defendiam desde sua primeira adoção, em meados de 2020.

A pobreza subiu, a economia corre risco de recessão e não há grande melhora no horizonte, antes de 2023. Nesta situação é preciso proteger a parcela mais vulnerável da população, expandindo o valor e período do AE até o final de 2022, com possível continuação em 2023, mediante aprovação do Congresso.

Há um ano, a oposição ao governo fez exatamente a proposta acima (PEC 36/2020 do Senado), mas nossa equipe de ideologia econômica ignorou o óbvio: que os efeitos econômicos da Covid durariam mais de um ano. Agora correm atrás do prejuízo para evitar o aprofundamento da crise.

Em segundo lugar, também é preciso recuperar o investimento público. Os números do primeiro semestre acabaram de sair e indicam, mais uma vez, que o gasto da União não cobre a depreciação da infraestrutura existente. O estoque de capital público está caindo e puxando, com ele, o emprego na construção civil e a produtividade da economia.

Qual é a solução? Autorizar que o governo realize investimento extrateto de gasto, em 2022 e 2023, em um valor limitado (sugiro até 1% do PIB , aproximadamente R$ 90 bilhões por ano), com seleção e execução transparente dos projetos, na forma aprovada pelo Congresso. Sabe onde está essa ideia? Sim, na PEC 36/2020 do Senado, que nossa equipe de ideologia econômica ignorou.

Baseado no exemplo do que estão fazendo nos EUA, Europa, China e outros países, o investimento extrateto de até 1% do PIB por ano deve ir para um conceito ampliado de infraestrutura. Projetos tradicionais de infraestrutura econômica, sobretudo de desenvolvimento urbano, para gerar empregos nas cidades, junto com projetos de infraestrutura social (educação, saúde e segurança pública) e tecnológica (pesquisa, desenvolvimento e inovação).

Temos que mudar o foco. Em vez de cortar investimento na geração futura, temos que investir na geração futura, mesmo que seja com emissão de dívida no curto prazo. A experiência das medidas anticrise de 2020 provou, mais uma vez, que um impulso fiscal bem focado pode atenuar a recessão e acelerar a recuperação, gerando renda e tributos que pagam parte da emissão inicial de dívida.

A parte que não for coberta pelo crescimento da economia pode e deve ser financiada por aumento da tributação sobre os mais ricos, de modo gradual, para que todos tenham tempo para se adaptar à nova estrutura tributária. Canetadas para aumentar subitamente a arrecadação são um erro. Uma reforma tributária progressiva e gradual é o caminho possível e inevitável.

Tudo que escrevi acima é consenso fora do Brasil, até no FMI, mas aqui continuamos presos à hipótese improvável de que aumentar arrocho fiscal faz a economia crescer, aquela irresponsabilidade fiscal e social do time Temer, que atrasou a recuperação do PIB em 2017-19 e agora voltou a prejudicar o Brasil.

Como fazer a mudança? Via emenda na PEC dos precatórios que tramita no Congresso, incorporando a PEC 36/2020 do Senado, que também prevê nova regra de gasto de 2023 em diante. Solução existe, mas tem que abandonar o terraplanismo que nos governa desde 12 de maio de 2016.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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