Socialistas pioneiros, como Eugene Debs, enfrentaram a prisão por lutarem pelo direito à liberdade de expressão como um bastião contra a tirania do Estado e o despotismo do patronato. Nos dias de hoje, deveríamos retomar sua militância radical pelas liberdade civis.
Chip Gibbons
Jacobin
Eugene V. Debs leaving the Federal Penitentiary in Atlanta, Georgia, on Christmas Day 1921 after being imprisoned in 1918 under the Sedition Act. Library of Congress |
Tradução / Em 16 de junho de 1918, Eugene Debs se ergueu diante de uma platéia em Canton, Ohio, na famosa tribuna do socialismo estadunidense, onde estava ausente ao longo do ano anterior devido a sua frágil saúde. Durante sua ausência, muitos camaradas de Debs do Partido Socialista haviam sido presos por se oporem à Primeira Guerra Mundial. Abundavam especulações sobre como ele poderia navegar na nova atmosfera repressiva.
Quando Debs subiu ao palanque, ele denunciou os “barões de Wall Street”, elogiou a Revolução Bolchevique, exaltou a força do movimento socialista e expressou sua devoção à “causa dos trabalhadores”. No entanto, foram seus comentários sobre a Primeira Guerra que atraíram mais atenção. O perene candidato presidencial pelo Partido Socialista disse à audiência em seu piquenique que “a classe dominante sempre declarou guerras, enquanto a classe dominada sempre lutou as batalhas”. Diante de uma nova guerra da classe dominante, Debs rebateu, “se a guerra é justa, deixem que seja declarada pelo povo. Vocês que tem suas vidas a perder, certamente sobre todos os outros tem o direito de decidir a importante questão se querem guerra ou paz”.
Clyde Miller, um jornalista do Cleveland Plain Dealer, alertou as autoridades federais sobre o conteúdo do discurso de Debs, e o líder socialista foi acusado sob a Lei de Espionagem, um estatuto utilizado para criminalizar a oposição à guerra e silenciar vozes radicais. Argumentando que o discurso antiguerra de Debs pretendia incitar a insubordinação dentro dos militares e obstruir a operação, o governo julgou, condenou e sentenciou Debs a dez anos de prisão.
Hoje, o caso de Debs é lembrado como um acontecimento importante para a causa da liberdade de expressão. Em 2018, acadêmicos, jornalistas e ativistas se juntaram em Cleveland, Ohio, para comemorar o centenário desse julgamento (estive nesse evento e fiz uma fala). Debs não foi o único opositor da Primeira Guerra Mundial processado sob a Lei da Espionagem – processos como esse destruíram muitos movimentos radicais – mas ele rapidamente se tornou e permanece um símbolo de toda uma Era de repressão e de luta pelas liberdades civis que inspirou.
Por mais celebrada que seja a saga de Debs, ela apresenta uma diferença central em relação a outras batalhas pela liberdade de expressão. Batalhas famosas por liberdades civis tais como o direito de estudantes de usarem braçadeiras pretas e o direito de sindicatos de se reunirem em espaços públicos foram, principalmente, batalhas legais nas quais a Suprema Corte acabou por afirmar os direitos de livre expressão. No caso de Debs, a Suprema Corte estava do outro lado: confirmou de forma unânime sua condenação.
Essa narrativa tradicional da livre expressão é usualmente assumida por um judiciário imparcial agindo como guardião da liberdade, diretamente contraposto às paixões elevadas do público. Excessos democráticos representam o perigo à liberdade; elites que repousam acima da disputa são sua salvaguarda.
Mas, para Debs e seus companheiros radicais, a Suprema Corte seria outra face das elites que conspirava para destruí-los. O poder executivo demandou as ferramentas para reprimir o dissenso, o Congresso obedeceu ao oferecer tais ferramentas e a Suprema Corte estava feliz em legitimar o processo como um todo.
Quando Debs subiu ao palanque, ele denunciou os “barões de Wall Street”, elogiou a Revolução Bolchevique, exaltou a força do movimento socialista e expressou sua devoção à “causa dos trabalhadores”. No entanto, foram seus comentários sobre a Primeira Guerra que atraíram mais atenção. O perene candidato presidencial pelo Partido Socialista disse à audiência em seu piquenique que “a classe dominante sempre declarou guerras, enquanto a classe dominada sempre lutou as batalhas”. Diante de uma nova guerra da classe dominante, Debs rebateu, “se a guerra é justa, deixem que seja declarada pelo povo. Vocês que tem suas vidas a perder, certamente sobre todos os outros tem o direito de decidir a importante questão se querem guerra ou paz”.
Clyde Miller, um jornalista do Cleveland Plain Dealer, alertou as autoridades federais sobre o conteúdo do discurso de Debs, e o líder socialista foi acusado sob a Lei de Espionagem, um estatuto utilizado para criminalizar a oposição à guerra e silenciar vozes radicais. Argumentando que o discurso antiguerra de Debs pretendia incitar a insubordinação dentro dos militares e obstruir a operação, o governo julgou, condenou e sentenciou Debs a dez anos de prisão.
Hoje, o caso de Debs é lembrado como um acontecimento importante para a causa da liberdade de expressão. Em 2018, acadêmicos, jornalistas e ativistas se juntaram em Cleveland, Ohio, para comemorar o centenário desse julgamento (estive nesse evento e fiz uma fala). Debs não foi o único opositor da Primeira Guerra Mundial processado sob a Lei da Espionagem – processos como esse destruíram muitos movimentos radicais – mas ele rapidamente se tornou e permanece um símbolo de toda uma Era de repressão e de luta pelas liberdades civis que inspirou.
Por mais celebrada que seja a saga de Debs, ela apresenta uma diferença central em relação a outras batalhas pela liberdade de expressão. Batalhas famosas por liberdades civis tais como o direito de estudantes de usarem braçadeiras pretas e o direito de sindicatos de se reunirem em espaços públicos foram, principalmente, batalhas legais nas quais a Suprema Corte acabou por afirmar os direitos de livre expressão. No caso de Debs, a Suprema Corte estava do outro lado: confirmou de forma unânime sua condenação.
Essa narrativa tradicional da livre expressão é usualmente assumida por um judiciário imparcial agindo como guardião da liberdade, diretamente contraposto às paixões elevadas do público. Excessos democráticos representam o perigo à liberdade; elites que repousam acima da disputa são sua salvaguarda.
Mas, para Debs e seus companheiros radicais, a Suprema Corte seria outra face das elites que conspirava para destruí-los. O poder executivo demandou as ferramentas para reprimir o dissenso, o Congresso obedeceu ao oferecer tais ferramentas e a Suprema Corte estava feliz em legitimar o processo como um todo.
Uma corte anti-democrática
Não se engane: a Suprema Corte da época de Debs era certamente uma instituição anti-democrática.
Uma década antes de condenarem Debs à prisão, a Suprema Corte tomou uma de suas decisões mais infames em Lochner vs. Nova Iorque, derrubando uma lei que regulava as condições de trabalho para padeiros, nos termos de que violava a garantia de liberdade do contrato da Cláusula do Devido Processo. Ao longo desse período – frequentemente chamado de Era Lochner – a Suprema Corte repetidamente derrubou leis promulgadas para proteger os trabalhadores e limitar o poder das corporações.
Ainda, quando as liberdades civis estavam em jogo, as cortes raramente encontravam na Constituição elementos para protegê-las. No final do século XIX, uma Suprema Corte amigável ao mundo dos negócios chegou até mesmo a reverter legislação de direitos civis da época da Reconstrução e a limitar a Décima Quarta Emenda.
Limitar os poderes da Suprema Corte era um demanda marcante dos progressistas e radicais. Durante o discurso que colocou Debs na cadeia, ele disse uma passagem que vale a pena citar integralmente:
Portanto, a essa altura não deveria surpreender a ninguém que um bastião da dominação de classe, que vê sua razão de ser em triturar as proteções dos trabalhadores enquanto manufatura novos privilégios aos ricos, se provaria hostil a um agitador radical socialista e trabalhista.
Mas o caso de Debs dificilmente pode ser considerado uma derrota para os direitos de liberdade de expressão. Em muitos sentidos, ajudou a inaugurar a Era moderna das normas de liberdade de expressão. Atacados por um judiciário hostil, defensores de Debs foram às ruas, juntaram petições e organizaram piquetes. Como documentou o historiador Ernest Freeberg, despontou-se um movimento por anistia aos críticos à guerra nos Estados Unidos. Esse movimento foi “liderado por ativistas sociais, não por advogados ou estudiosos do direito, e seus argumentos a favor da liberdade de expressão foram mais pragmáticos e precisos”. Todavia, esses ativistas debateram apaixonadamente o significado da liberdade de expressão. Ao fim e ao cabo, eles ajudaram a redefinir seu sentido. Para Freeberg, o movimento de anistia ajudou a dar luz às liberdades civis.
Freeberg não é o único historiador a notar as origens radicais das liberdades civis. A American Civil Liberties Unio (ACLU), que introduziu o termo “liberdades civis” no léxico americano, começou como Civil Liberties Bureau within the American Union Against Militarism. Críticos da guerra e do militarismo reconheceram que, com o Estado os atacando, sua própria sobrevivência demandava uma vigorosa defesa da liberdade de expressão. Mas, como argumentou a historiadora Laura Weinrib, os primeiros libertários civis foram motivados também por outra preocupação: direitos trabalhistas. Se vendo como partidários de uma luta de classes, eles lutaram por liberdade de expressão porque abominavam a supressão da organização dos trabalhadores.
E isso inclui Debs. Enquanto a batalha de Debs contra o militarismo é relembrada como uma marca importante pela liberdade de expressão, essa não foi sua primeira batalha legal. Antes dele ser um socialista, foi presidente da American Railway Union. Em 1894, o sindicato de Debs, o America Railway Union, iniciou uma greve contra a Pullman Company. Ainda que tenha se oposto à decisão de entrar em greve, na condição de presidente do sindicato ele usou todo seu peso em favor da greve, que foi esmagada por tropas federais. A Pullman Company buscou uma liminar contra o sindicato decretando seu boicote aos carros Pullman ilegais. Quando Debs se recusou a obedecer à ordem, foi levado por desacato ao tribunal. A Suprema Corte confirmou de forma unânime sua condenação e ele foi preso.
A greve da Pullman é lembrada como um momento central na história dos trabalhadores, mas, diferente do processo sofrido por Debs sob a Lei de Espionagem, é lembrada com menos frequência no âmbito da história da liberdade de expressão. Mas, como aponta Weinrib, o direito de se engajar em formas de “agitação” tais como greves ou boicotes não foi apenas visto como uma preocupação relacionada à liberdade de expressão para os pioneiros libertários civis; eles eram, com frequência, o fator motivacional para levar adiante a causa das liberdades civis para começo de conversa.
Uma visão radical das liberdades civis
Nesse meio tempo de um século que se passou, a imagem popular da Suprema Corte mudou, sendo frequentemente associada a decisões marcantes para acabar com a segregação, afirmar igualdade matrimonial e proteger discursos impopulares, tais como a queima de bandeiras. Essa sempre foi uma impressão exageradamente otimista. Mas, com uma nova maioria conservadora na corte, incluindo dois juízes indicados por Trump, estamos vendo um Judiciário mais claramente hostil a objetivos progressistas.
De forma perversa, os reacionários do judiciário cooptaram a Primeira Emenda para uma agenda desregulatória estilo Lochner. Derrubando tudo, de leis de financiamento de campanha a taxas de negociação do setor público, a Primeira Emenda está rapidamente se tornando uma arma para a direita. Weinrib argumentou que, enquanto elites podem ter sido hostis a princípio às liberdades civis, elas acabaram por aceitá-las ao ver como poderiam ser parcialmente remodeladas para servir aos seus próprios objetivos.
A junção atual da jurisprudência da Primeira Emenda com o liberalismo econômico chega em um momento em que alguns no campo da esquerda demonstram insatisfação com proteções rígidas à liberdade de expressão, especialmente em relação a assuntos como discurso de ódio. Mas, enfraquecer direitos de liberdade de expressão é um expediente que voltará para assombrar a esquerda – proporcionando aos nossos oponentes armas para nos silenciar. A esquerda precisa de liberdade de expressão. Por sua vez, a justaposição entre o Lochnerismo contemporâneo da Primeira Emenda e os objetivos radicais dos pioneiros libertários civis indica que a liberdade de expressão também precisa da esquerda.
Os agitadores do movimento trabalhista, anticapitalistas e anti militaristas que compuseram as fileiras do pioneiro movimento das liberdades civis, assim o fizeram porque sua sobrevivência dependia disso. Eles entenderam que a batalha pelo direito à liberdade de expressão se conectava com o movimento mais amplo de luta por um mundo mais justo. Nos dias de hoje, defensores das liberdades civis com frequência parecem distanciados dessa luta por mudança radical, fazendo a liberdade de expressão parecer, por vezes, sem alma.
A visão radical das liberdades civis apresenta um antídoto à cooptação da retórica da liberdade de expressão pelos Lochnerianos. Radicais pioneiros tomavam tanto o ataque dos patrões, quanto o ataque do Estado aos direitos de agitação dos trabalhadores por melhores condições como uma privação de liberdades civis. Ainda que reacionários judiciais possam mascarar suas ações sob a linguagem da Primeira Emenda, enfraquecer os sindicatos do setor público ou permitir que o dinheiro das corporações domine eleições são derrotas para a liberdade de expressão. E com tanto de nosso fórum público contemporâneo acontecendo em plataformas de mídias sociais privadas, precisamos de uma defesa da liberdade de expressão que reconheça a tirania do mercado como uma ameaça à livre expressão comparável à repressão do Estado.
Uma visão tão radical da liberdade de expressão não tem muita base em casos precedentes. Certamente não encontrará muitos amigos na Suprema Corte alinhada ao mundo dos negócios. Mas, quando pioneiros das liberdades civis buscaram redefinir a liberdade de expressão, encontraram os mesmos obstáculos. E, como mostrou a luta de cem anos atrás para libertar Debs, poderosos movimentos sociais em favor de um mundo mais democrático podem mudar a história.
Não se engane: a Suprema Corte da época de Debs era certamente uma instituição anti-democrática.
Uma década antes de condenarem Debs à prisão, a Suprema Corte tomou uma de suas decisões mais infames em Lochner vs. Nova Iorque, derrubando uma lei que regulava as condições de trabalho para padeiros, nos termos de que violava a garantia de liberdade do contrato da Cláusula do Devido Processo. Ao longo desse período – frequentemente chamado de Era Lochner – a Suprema Corte repetidamente derrubou leis promulgadas para proteger os trabalhadores e limitar o poder das corporações.
Ainda, quando as liberdades civis estavam em jogo, as cortes raramente encontravam na Constituição elementos para protegê-las. No final do século XIX, uma Suprema Corte amigável ao mundo dos negócios chegou até mesmo a reverter legislação de direitos civis da época da Reconstrução e a limitar a Décima Quarta Emenda.
Limitar os poderes da Suprema Corte era um demanda marcante dos progressistas e radicais. Durante o discurso que colocou Debs na cadeia, ele disse uma passagem que vale a pena citar integralmente:
Quem indica nossos juízes federais? O povo? Em toda a história do país, a classe trabalhadora nunca nomeou um juiz federal. Há 121 desses juízes e cada um deles mantém sua posição, seu mandato, mediante a influência e poder do capital corporativo. As corporações e os trustes ditam seu apontamento. E quando eles vão para o posto, não vão para servir ao povo, mas aos interesses que os colocaram lá e os mantém onde estão.
Por que, dia desses, por um voto de cinco a quatro, eles declararam inconstitucional a lei do trabalho infantil – uma lei garantida após vinte anos de educação e agitação por parte de todo tipo de gente. E ainda assim, por uma maioria de um, a Suprema Corte, um grupo de advogados corporativos, com apenas uma exceção, eliminou aquela lei dos estatutos, e isso em uma assim chamada democracia, para que possamos continuar a moer a carne e o sangue e os ossos de frágeis crianças pequenas em favor dos lucros dos barões de Wall Street. E esse é um país que se gaba de lutar para fazer do mundo um lugar seguro para a democracia! A história desse país está sendo escrita com o sangue das infâncias que os lordes industriais assassinaram.
Portanto, a essa altura não deveria surpreender a ninguém que um bastião da dominação de classe, que vê sua razão de ser em triturar as proteções dos trabalhadores enquanto manufatura novos privilégios aos ricos, se provaria hostil a um agitador radical socialista e trabalhista.
Mas o caso de Debs dificilmente pode ser considerado uma derrota para os direitos de liberdade de expressão. Em muitos sentidos, ajudou a inaugurar a Era moderna das normas de liberdade de expressão. Atacados por um judiciário hostil, defensores de Debs foram às ruas, juntaram petições e organizaram piquetes. Como documentou o historiador Ernest Freeberg, despontou-se um movimento por anistia aos críticos à guerra nos Estados Unidos. Esse movimento foi “liderado por ativistas sociais, não por advogados ou estudiosos do direito, e seus argumentos a favor da liberdade de expressão foram mais pragmáticos e precisos”. Todavia, esses ativistas debateram apaixonadamente o significado da liberdade de expressão. Ao fim e ao cabo, eles ajudaram a redefinir seu sentido. Para Freeberg, o movimento de anistia ajudou a dar luz às liberdades civis.
Freeberg não é o único historiador a notar as origens radicais das liberdades civis. A American Civil Liberties Unio (ACLU), que introduziu o termo “liberdades civis” no léxico americano, começou como Civil Liberties Bureau within the American Union Against Militarism. Críticos da guerra e do militarismo reconheceram que, com o Estado os atacando, sua própria sobrevivência demandava uma vigorosa defesa da liberdade de expressão. Mas, como argumentou a historiadora Laura Weinrib, os primeiros libertários civis foram motivados também por outra preocupação: direitos trabalhistas. Se vendo como partidários de uma luta de classes, eles lutaram por liberdade de expressão porque abominavam a supressão da organização dos trabalhadores.
E isso inclui Debs. Enquanto a batalha de Debs contra o militarismo é relembrada como uma marca importante pela liberdade de expressão, essa não foi sua primeira batalha legal. Antes dele ser um socialista, foi presidente da American Railway Union. Em 1894, o sindicato de Debs, o America Railway Union, iniciou uma greve contra a Pullman Company. Ainda que tenha se oposto à decisão de entrar em greve, na condição de presidente do sindicato ele usou todo seu peso em favor da greve, que foi esmagada por tropas federais. A Pullman Company buscou uma liminar contra o sindicato decretando seu boicote aos carros Pullman ilegais. Quando Debs se recusou a obedecer à ordem, foi levado por desacato ao tribunal. A Suprema Corte confirmou de forma unânime sua condenação e ele foi preso.
A greve da Pullman é lembrada como um momento central na história dos trabalhadores, mas, diferente do processo sofrido por Debs sob a Lei de Espionagem, é lembrada com menos frequência no âmbito da história da liberdade de expressão. Mas, como aponta Weinrib, o direito de se engajar em formas de “agitação” tais como greves ou boicotes não foi apenas visto como uma preocupação relacionada à liberdade de expressão para os pioneiros libertários civis; eles eram, com frequência, o fator motivacional para levar adiante a causa das liberdades civis para começo de conversa.
Uma visão radical das liberdades civis
Nesse meio tempo de um século que se passou, a imagem popular da Suprema Corte mudou, sendo frequentemente associada a decisões marcantes para acabar com a segregação, afirmar igualdade matrimonial e proteger discursos impopulares, tais como a queima de bandeiras. Essa sempre foi uma impressão exageradamente otimista. Mas, com uma nova maioria conservadora na corte, incluindo dois juízes indicados por Trump, estamos vendo um Judiciário mais claramente hostil a objetivos progressistas.
De forma perversa, os reacionários do judiciário cooptaram a Primeira Emenda para uma agenda desregulatória estilo Lochner. Derrubando tudo, de leis de financiamento de campanha a taxas de negociação do setor público, a Primeira Emenda está rapidamente se tornando uma arma para a direita. Weinrib argumentou que, enquanto elites podem ter sido hostis a princípio às liberdades civis, elas acabaram por aceitá-las ao ver como poderiam ser parcialmente remodeladas para servir aos seus próprios objetivos.
A junção atual da jurisprudência da Primeira Emenda com o liberalismo econômico chega em um momento em que alguns no campo da esquerda demonstram insatisfação com proteções rígidas à liberdade de expressão, especialmente em relação a assuntos como discurso de ódio. Mas, enfraquecer direitos de liberdade de expressão é um expediente que voltará para assombrar a esquerda – proporcionando aos nossos oponentes armas para nos silenciar. A esquerda precisa de liberdade de expressão. Por sua vez, a justaposição entre o Lochnerismo contemporâneo da Primeira Emenda e os objetivos radicais dos pioneiros libertários civis indica que a liberdade de expressão também precisa da esquerda.
Os agitadores do movimento trabalhista, anticapitalistas e anti militaristas que compuseram as fileiras do pioneiro movimento das liberdades civis, assim o fizeram porque sua sobrevivência dependia disso. Eles entenderam que a batalha pelo direito à liberdade de expressão se conectava com o movimento mais amplo de luta por um mundo mais justo. Nos dias de hoje, defensores das liberdades civis com frequência parecem distanciados dessa luta por mudança radical, fazendo a liberdade de expressão parecer, por vezes, sem alma.
A visão radical das liberdades civis apresenta um antídoto à cooptação da retórica da liberdade de expressão pelos Lochnerianos. Radicais pioneiros tomavam tanto o ataque dos patrões, quanto o ataque do Estado aos direitos de agitação dos trabalhadores por melhores condições como uma privação de liberdades civis. Ainda que reacionários judiciais possam mascarar suas ações sob a linguagem da Primeira Emenda, enfraquecer os sindicatos do setor público ou permitir que o dinheiro das corporações domine eleições são derrotas para a liberdade de expressão. E com tanto de nosso fórum público contemporâneo acontecendo em plataformas de mídias sociais privadas, precisamos de uma defesa da liberdade de expressão que reconheça a tirania do mercado como uma ameaça à livre expressão comparável à repressão do Estado.
Uma visão tão radical da liberdade de expressão não tem muita base em casos precedentes. Certamente não encontrará muitos amigos na Suprema Corte alinhada ao mundo dos negócios. Mas, quando pioneiros das liberdades civis buscaram redefinir a liberdade de expressão, encontraram os mesmos obstáculos. E, como mostrou a luta de cem anos atrás para libertar Debs, poderosos movimentos sociais em favor de um mundo mais democrático podem mudar a história.
Colaborador
Chip Gibbons é jornalista, que escreve para Jacobin e The Nation. Ele também é o consultor político e legislativo para defender direitos e dissidências, mas as opiniões expressas aqui são suas.
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