17 de janeiro de 2019

Tripé macroeconômico sempre foi capenga

Quando o cenário externo não ajudou, a inflação quase sempre atingiu ou ultrapassou o teto

Laura Carvalho


O então presidente do Banco Central, Armínio Fraga, e o ministro da Fazenda à época, Pedro Malan, em 1999. Créditos: Sérgio Lima/Folhapress.

A adoção do regime de metas de inflação (RMI) e do chamado tripé macroeconômico completará duas décadas em 2019, conforme publicado por esta Folha no sábado (12).

Na reportagem, os diferentes analistas consultados ecoaram a visão exposta pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga de que o desequilíbrio fiscal recente é que transformou o tripé em “um bichinho instável”, com apenas dois pés. Afinal, as metas de inflação e o câmbio flutuante estariam muito bem, obrigado.

À primeira vista, a análise parece funcionar como uma boa fotografia do presente: o tripé aparece com a inflação baixa e a dívida pública fora de controle. Mas será que a imagem resistiria ao #10yearchallenge, ou desafio de dez anos, que invadiu as redes sociais ao redor do mundo nos últimos dias?

O filme das últimas duas décadas mostra uma dívida pública em proporção do PIB em forte queda no período 2002-2013, com exceção de 2009, ano em que o país se recuperava dos efeitos da crise financeira global.

Já a inflação ficou acima do centro da meta 14 vezes, tendo ultrapassado o teto do intervalo de tolerância em 2001, 2002, 2003 e 2015. Em 2004, a taxa foi de 7,6%, mas o teto havia sido aumentado para 8%. Já em 2011 e 2014, a inflação encostou no teto da meta, atingindo 6,5% e 6,41%, respectivamente.

Na prática, a inflação só foi mantida sob controle com alguma facilidade no período 2005-2010, que coincide com a maior entrada de capitais no país e a forte valorização da moeda brasileira, e no período 2017-2018, de desemprego muito elevado.

Nos anos em que o cenário externo não ajudou, levando à depreciação do real e à alta do dólar, a inflação quase sempre atingiu ou ultrapassou o teto da meta. Uma exceção é o ano de 2008, em que o país também entrou em recessão pelos efeitos da crise financeira global.

Por essas e outras, o Banco Central continua intervindo no mercado de câmbio —hoje, majoritariamente, por meio de swaps cambiais— e/ou elevando a taxa de juros básica —a Selic— quando há pressão para desvalorização brusca da moeda.

Embora o fim do regime de câmbio fixo, em 1999, tenha aberto as portas para uma redução substancial da taxa de juros, o BC nunca deixou de usar a âncora cambial como forma de controle da inflação. É difícil enxergar o tal do câmbio flutuante nessa história.

A falta de autonomia do Banco Central de países emergentes em meio à força dos movimentos especulativos globais é hoje um tema central de pesquisa, com destaque para o artigo de Hélène Rey de que tratei na coluna de 30/08/2018.

A ineficácia dos canais convencionais de transmissão da política monetária no Brasil, que faz com que alterações maiores da taxa de juros sejam necessárias para obter algum efeito sobre a inflação —muitas vezes via valorização do real—, também é objeto de inúmeros estudos, entre os quais o de Ricardo Barboza, de 2015.

Nesse contexto, dados os altos custos fiscais e distributivos dos juros altos e os conhecidos efeitos colaterais do câmbio valorizado para a competitividade dos produtores nacionais, há razões suficientes para questionar o uso de um instrumento único —os juros básicos— para o controle dos preços, como determinado no RMI.

Medidas regulatórias e institucionais para mitigar os choques externos e internos e sua propagação sobre os outros preços da economia se fazem necessárias, o que inclui desde a taxação da entrada e a saída de capitais especulativos de curto prazo no país, o que reduziria a volatilidade da moeda brasileira, até a desindexação de contratos, a começar pelos aluguéis. Aos 20 anos, o tripé nunca ficou de pé.

Sobre a autora


Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

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