Tema é sério e exige muito mais do que hashtags
A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), em seminário promovido pela Folha em 2017. Keiny Andrade/Folhapress |
O reconhecimento dos direitos de todas as pessoas, consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, é conquista da humanidade e uma construção no Brasil desde a redemocratização. Primeiro com as garantias estabelecidas pela Constituição de 1988, depois com a inauguração, pelo presidente FHC, de estrutura governamental de Direitos Humanos.
A esse órgão sempre coube a tarefa de articular transversalmente políticas de direitos e manter o diálogo com a sociedade civil. Os presidentes Lula e Dilma conferiram status ministerial à pasta, que em suas várias conformações sempre esteve acima de disputas políticas.
A unidade de ex-titulares simboliza até hoje o valor irrenunciável da democracia. Todos que tiveram essa pasta sob sua responsabilidade trabalharam para cumprir metas de um Brasil com direitos, ainda que enfrentando limites e resistências.
O atual presidente da República se criou no enfrentamento aos direitos humanos e a seus defensores. Desde que foi anunciada, a ministra Damares Alves tem tido a posição de não abordar com consistência nenhum tema relativo ao ministério que comanda. Pronuncia frases polêmicas que viralizam nas redes sociais. Um governo pode até desfazer políticas dos antecessores, mas não tem o direito de assim agir em matérias que são sua obrigação. Garantir os direitos humanos não é ato de vontade do governante, é obrigação definida em cláusula pétrea da Constituição que ele jurou cumprir.
O Brasil precisa saber do governo qual o programa para defesa, promoção e garantia de direitos, pois até então apenas a destruição tem sido diariamente anunciada, como no caso da revisão de demarcações indígenas e abandono do pacto da ONU sobre migração.
O que farão para impedir que vidas sejam desperdiçadas por homicídios que atingem a população e afetam mais ainda jovens negros e pobres? Como vão enfrentar o gravíssimo número de mortes de policiais, no país em que a polícia mais morre e também mais mata, e como pretendem conter a violência, se anunciam que vão liberar o porte de armas?
Precisamos saber o que farão para enfrentar a avalanche de casos de feminicídio e violência contra as mulheres, que se fortalecem quando censuram esse tema nos livros didáticos e escolas.
Para além da proposta de "dress code" rosa e azul da ministra, é urgente que ela revele o projeto para garantir direitos de pessoas LGBTIs no país que mais mata pessoas por causa da orientação sexual e identidade de gênero. O que farão para enfrentar a violência sexual de crianças e adolescentes, um crime repugnante do qual a própria ministra foi vítima? Qual o posicionamento sobre a inconcebível proposta do Brasil de se retirar do Conselho de Direitos Humanos da ONU, órgão soberano e da maior relevância mundial?
Qual a ação para garantir o enfrentamento ao trabalho escravo, diante do fim do Ministério do Trabalho e das ameaças à Justiça do Trabalho? Qual o projeto para garantia do respeito à diversidade religiosa e do diálogo inter-religioso? Para além do belo gesto da primeira-dama de fazer um discurso em Libras, o que fará o governo para assegurar inclusão e acessibilidade para as 45 milhões de pessoas com deficiência?
O Brasil tem o direito de saber o que farão diante das violações e exigir uma postura de Estado diante de um tema basilar da democracia. Perante um quadro assustador de violência, o país julgará se seus governantes têm capacidade de liderar uma política tão relevante, para além das suas convicções pessoais e religiosas.
O que não é aceitável é direitos humanos virar factoide, pretexto para acirrar ânimos, desinformar e dispersar a atenção diante de uma agenda que destrói o presente e o futuro do país. Direitos humanos é algo sério, é vida, é dignidade, muito mais do que hashtags. Exige responsabilidade, conhecimento e respeito.
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