Rodrigo Nunes
Protestos contra os cortes do presidente brasileiro Jair Bolsonaro para a educação no Rio de Janeiro, Brasil, em 30 de maio de 2019 (Mídia NINJA/Flickr) |
Tradução / O Brasil viu suas maiores manifestações desde junho de 2013 ocorrerem este mês contra o corte de 30 por cento do governo nos orçamentos de educação. O presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que foi eleito em uma onda de ressentimento contra as instituições falidas do país, poderia ter pensado que ele poderia mobilizar sua base contra as universidades que ele descreve como antro do “ marxismo cultural .” Porém, não é apenas a coalizão eleitoral que o levou ao poder se desgastado, deixando-o dependente de uma base central considerável, mas uma base politicamente fundamentalista, a magnitude da resposta sugere que ele pode ter escolhido o alvo errado.
Chamar o governo de Bolsonaro de antiintelectual seria um eufemismo. Seu núcleo ideológico é composto de aspirantes a direita alternativa , conservadores religiosos, teóricos da conspiração, Soldados das Cruzadas LarP (Live action role-playing ou jogo de interpretação ao vivo) e figuras que, apesar de depreciar as universidades, são frequentemente pegos mentindo sobre suas formações acadêmicas. Seu guru é um astrólogo curioso que vive nos Estados Unidos , que se considera um grande filósofo e afirma ter contestado Copérnico e Einstein.
Mesmo o mais qualificado de seus membros - o Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, que tem PhD da Universidade de Chicago - guarda rancor contra seus colegas por nunca tê-lo visto como digno de uma posição permanente na principal escola de economia neoliberal do país. Este bando desleixado de desajustados encontrou uma maneira de encaixar o fracasso pessoal com a crença na livre concorrência e nas teorias conspiratórias sobre tramas comunista-globalistas favorecidas pelas preferencias de Viktor Orbán e Stephen Bannon. Eles são revisionistas históricos em relação à ditadura militar no Brasil, e até mesmo ao Holocausto , e não se importam com os negacionistas do clima.
Mesmo o mais qualificado de seus membros - o Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, que tem PhD da Universidade de Chicago - guarda rancor contra seus colegas por nunca tê-lo visto como digno de uma posição permanente na principal escola de economia neoliberal do país. Este bando desleixado de desajustados encontrou uma maneira de encaixar o fracasso pessoal com a crença na livre concorrência e nas teorias conspiratórias sobre tramas comunista-globalistas favorecidas pelas preferencias de Viktor Orbán e Stephen Bannon. Eles são revisionistas históricos em relação à ditadura militar no Brasil, e até mesmo ao Holocausto , e não se importam com os negacionistas do clima.
O que eles descrevem como uma luta para defender os "valores ocidentais" é, portanto, uma guerra total contra a realidade. É importante para eles eliminar qualquer maneira de acessar um mundo diferente daquele que eles fabricaram, seja através de fatos empíricos ou ferramentas críticas para analisar evidências. Quanto mais eles puderem fazê-lo, mais livres estarão da resistência imposta pelo mundo real - inclusive da própria possibilidade de avaliar o impacto que suas ações já tem. Assim, a reação de Bolsonaro à alta taxa de desemprego do país tem sido a de questionar a maneira como é calculada e, em seguida, atacar o órgão federal encarregado da pesquisa estatística, reduzindo seu orçamento e prometendo rever suas metodologias.
A educação pública veio em seguida.
Tudo começou com o anúncio de que o governo planejava reduzir investimentos nas Humanidades em favor de áreas que oferecessem um "retorno imediato" para a sociedade - o qual ignora o fato de que a maior parte dos estudantes que frequentam esses cursos são provenientes de famílias de baixa renda e seu principal papel é formar professores para a educação básica no Brasil, cronicamente privada de recursos. Pouco depois, o ministro da Educação comunicou um corte orçamentário de 30% a três universidades que supostamente apresentavam um mau desempenho devido à “balburdia interna”; apesar de estarem entre as vinte melhores do Brasil há décadas. A “balburdia” consistia principalmente na atividade política no campus, explicitando as motivações por trás da decisão.
Quando foi apontado que isso violava os direitos consagrados constitucionalmente à liberdade acadêmica e à autonomia universitária, o governo estendeu o corte de 30% para todas as universidades federais . Isso foi explicado inicialmente como uma decisão de priorizar a educação básica, contudo os fundos da educação básica também foram reduzidos. Depois veio a história de que os recursos seriam retidos até que o Congresso aprovasse a reforma da previdência do governo, efetivamente transformando a última no resgate a ser pago para que muitas universidades não sejam forçadas a fechar antes do fim do ano.
Não que isso seja apenas sobre ideologia, é claro. É parte integrante do plano geral garantir uma rodada predatória de acumulação para o capital brasileiro e internacional, também visível no recuo agressivo das proteções ambientais , uma reforma previdenciária extremamente favorável ao mercado e a eliminação de 90% dos regulamentos de segurança do trabalho . O Ministério da Educação mostrou o sinal verde para mais de 70% novas universidades privadas nos primeiros meses de 2019 do que em todo o ano passado e está certamente disposto a lançar ossos ainda maiores para os lobistas da educação privada - coincidentemente encabeçado por Elizabeth Guedes , irmã do ministro das finanças.
Por que Bolsonaro entrou nessa luta agora? Seu governo vive pelo lema de se mover rapidamente e quebrar as coisas, mas muitas dessas coisas foram o próprio governo. A esperança que fez com que os mercados e muitos liberais apoiassem Bolsonaro - de que ele seria suficientemente oportunista para atenuar seu sectarismo - provou-se errada. A relação do governo com o Congresso permeia entre o caos e o confronto, e não está claro se eles podem cumprir o ambicioso plano de reforma previdenciária que rendeu ao Bolsonaro o apoio do capital brasileiro.
Ao contrário de Trump, ele nem mesmo tem a recuperação da economia a seu favor: a economia do país não tem crescido e a volatilidade do governo mantem investidores domésticos e estrangeiros à distância. Além disso, a reivindicação de ser diferente do resto da elite política se torna mais fina, à medida que um exame mais minucioso revela que essa é uma administração de operadores de pequeno porte que operam fora de seu alcance. Um dos filhos de Bolsonaro tem sido investigado por tipos de pequenas fraudes locais que politicos se envolvem e provas de envolvimento da família com milícias paramilitares se acumulam. Como conseqüência, os índices de popularidade de Bolsonaro caíram desde janeiro, especialmente entre os mais pobres, o que lhe garantiu a pior aprovação no começo de mandato desde a década de 80.
A coalizão eleitoral que o levou ao poder sempre foi frágil, pois combinava interesses econômicos descontroladamente desiguais, com pouco mais em comum do que a capacidade do candidato de significar todos os tipos de coisas para todos os tipos de pessoas e uma feroz rejeição ao establishment político - o Partido dos Trabalhadores (PT) acima de tudo. Uma vez que tentar governar em nome de todos os seus eleitores exigiria uma habilidade e nuance que ele não possui, Bolsonaro deixou de consolidar a maioria e se concentrou em consolidar seu maior patrimônio: um núcleo considerável de crentes verdadeiros altamente engajados que possam garantir um nicho politico duradouro para a marca política de sua família e permanentemente puxar o centro do debate público para a extrema direita. Isso, no entanto, envolve a constante criação de crises intencionais e acidentais, bem como uma guerra de atrito contra tudo o que ele decide identificar com “a velha política” - o parlamento, o judiciário, a mídia e as instituições em geral.
Isso cria um ciclo de feedback: quanto mais Bolsonaro corteja sua base, mais turbulência ele gera em torno do governo e, como consequência, mais ele precisa cortejar sua base. Ações como seu ataque à educação pública e um decreto que facilita as leis de armas devem ser vistas sob esse aspecto.
Os protestos educacionais, no entanto, sugerem que Bolsonaro possa ter mordido mais do que possa mastigar. Embora a máquina industrial de fake News que ajudou sua eleição tenha sido reativada para espalhar memes que apresentam as universidades como antros de nudez e uso de drogas, as profundas raízes sociais da educação pública no Brasil representam um sério obstáculo. Para muitas famílias pobres, os professores são seu único contato com o estado, além da polícia. Além disso, qualquer pessoa familiarizada com a realidade da educação básica provavelmente não acreditará que seu maior problema seja outra coisa senão a falta de investimentos.
Para além das salas de aula e distante das pesquisas, as universidades desempenham um papel nas economias locais que é difícil de ignorar, especialmente nas cidades menores. E para completar, muitas famílias pobres ainda vêem o ensino superior como a chave para a mudança social e universidades públicas como um dos poucos espaços que atravessam o apartheid social no Brasil. Um estudo recente mostra que mais de 70% dos estudantes de universidades federais vêm de famílias de baixa renda e os estudantes negros são a maioria pela primeira vez na história. Isso é ainda mais verdadeiro graças à expansão do ensino superior conquistada durante os anos Lula. Por último, mas não menos importante, argumentar que a melhor maneira de melhorar a educação pública é deixa-la morrer de fome sempre será uma venda agressiva.
Em suma, a educação pública pode ser um pedaço da realidade muito grande para o governo fantasiar ao redor.
A reação de Bolsonaro ao sucesso das manifestações de 15 de maio, que levou às ruas para além das típicas pessoas de esquerda, foi incitar seus apoiadores a realizar seus próprios protestos . Isso confirmou o tamanho surpreendente de sua base central, mas também foram bem menores que os protestos a favor da educação e atraíram críticas de vários aliados políticos, forçando Bolsonaro a se distanciar. Apesar de ser uma demonstração de força, o resultado líquido não o fortaleceu.
Com o excelente comparecimento para uma segunda rodada de protestos em 30 de maio, uma greve geral contra a reforma da previdência planejada para esta semana e um novo escândalo envolvendo o juiz anticorrupção que virou Ministro da Justiça Sergio Moro - cuja imparcialidade em episódios cruciais como a condenação do ex-presidente Lula está agora muito em dúvida - o clima continua quente.
A educação pública veio em seguida.
Tudo começou com o anúncio de que o governo planejava reduzir investimentos nas Humanidades em favor de áreas que oferecessem um "retorno imediato" para a sociedade - o qual ignora o fato de que a maior parte dos estudantes que frequentam esses cursos são provenientes de famílias de baixa renda e seu principal papel é formar professores para a educação básica no Brasil, cronicamente privada de recursos. Pouco depois, o ministro da Educação comunicou um corte orçamentário de 30% a três universidades que supostamente apresentavam um mau desempenho devido à “balburdia interna”; apesar de estarem entre as vinte melhores do Brasil há décadas. A “balburdia” consistia principalmente na atividade política no campus, explicitando as motivações por trás da decisão.
Quando foi apontado que isso violava os direitos consagrados constitucionalmente à liberdade acadêmica e à autonomia universitária, o governo estendeu o corte de 30% para todas as universidades federais . Isso foi explicado inicialmente como uma decisão de priorizar a educação básica, contudo os fundos da educação básica também foram reduzidos. Depois veio a história de que os recursos seriam retidos até que o Congresso aprovasse a reforma da previdência do governo, efetivamente transformando a última no resgate a ser pago para que muitas universidades não sejam forçadas a fechar antes do fim do ano.
Não que isso seja apenas sobre ideologia, é claro. É parte integrante do plano geral garantir uma rodada predatória de acumulação para o capital brasileiro e internacional, também visível no recuo agressivo das proteções ambientais , uma reforma previdenciária extremamente favorável ao mercado e a eliminação de 90% dos regulamentos de segurança do trabalho . O Ministério da Educação mostrou o sinal verde para mais de 70% novas universidades privadas nos primeiros meses de 2019 do que em todo o ano passado e está certamente disposto a lançar ossos ainda maiores para os lobistas da educação privada - coincidentemente encabeçado por Elizabeth Guedes , irmã do ministro das finanças.
Por que Bolsonaro entrou nessa luta agora? Seu governo vive pelo lema de se mover rapidamente e quebrar as coisas, mas muitas dessas coisas foram o próprio governo. A esperança que fez com que os mercados e muitos liberais apoiassem Bolsonaro - de que ele seria suficientemente oportunista para atenuar seu sectarismo - provou-se errada. A relação do governo com o Congresso permeia entre o caos e o confronto, e não está claro se eles podem cumprir o ambicioso plano de reforma previdenciária que rendeu ao Bolsonaro o apoio do capital brasileiro.
Ao contrário de Trump, ele nem mesmo tem a recuperação da economia a seu favor: a economia do país não tem crescido e a volatilidade do governo mantem investidores domésticos e estrangeiros à distância. Além disso, a reivindicação de ser diferente do resto da elite política se torna mais fina, à medida que um exame mais minucioso revela que essa é uma administração de operadores de pequeno porte que operam fora de seu alcance. Um dos filhos de Bolsonaro tem sido investigado por tipos de pequenas fraudes locais que politicos se envolvem e provas de envolvimento da família com milícias paramilitares se acumulam. Como conseqüência, os índices de popularidade de Bolsonaro caíram desde janeiro, especialmente entre os mais pobres, o que lhe garantiu a pior aprovação no começo de mandato desde a década de 80.
A coalizão eleitoral que o levou ao poder sempre foi frágil, pois combinava interesses econômicos descontroladamente desiguais, com pouco mais em comum do que a capacidade do candidato de significar todos os tipos de coisas para todos os tipos de pessoas e uma feroz rejeição ao establishment político - o Partido dos Trabalhadores (PT) acima de tudo. Uma vez que tentar governar em nome de todos os seus eleitores exigiria uma habilidade e nuance que ele não possui, Bolsonaro deixou de consolidar a maioria e se concentrou em consolidar seu maior patrimônio: um núcleo considerável de crentes verdadeiros altamente engajados que possam garantir um nicho politico duradouro para a marca política de sua família e permanentemente puxar o centro do debate público para a extrema direita. Isso, no entanto, envolve a constante criação de crises intencionais e acidentais, bem como uma guerra de atrito contra tudo o que ele decide identificar com “a velha política” - o parlamento, o judiciário, a mídia e as instituições em geral.
Isso cria um ciclo de feedback: quanto mais Bolsonaro corteja sua base, mais turbulência ele gera em torno do governo e, como consequência, mais ele precisa cortejar sua base. Ações como seu ataque à educação pública e um decreto que facilita as leis de armas devem ser vistas sob esse aspecto.
Os protestos educacionais, no entanto, sugerem que Bolsonaro possa ter mordido mais do que possa mastigar. Embora a máquina industrial de fake News que ajudou sua eleição tenha sido reativada para espalhar memes que apresentam as universidades como antros de nudez e uso de drogas, as profundas raízes sociais da educação pública no Brasil representam um sério obstáculo. Para muitas famílias pobres, os professores são seu único contato com o estado, além da polícia. Além disso, qualquer pessoa familiarizada com a realidade da educação básica provavelmente não acreditará que seu maior problema seja outra coisa senão a falta de investimentos.
Para além das salas de aula e distante das pesquisas, as universidades desempenham um papel nas economias locais que é difícil de ignorar, especialmente nas cidades menores. E para completar, muitas famílias pobres ainda vêem o ensino superior como a chave para a mudança social e universidades públicas como um dos poucos espaços que atravessam o apartheid social no Brasil. Um estudo recente mostra que mais de 70% dos estudantes de universidades federais vêm de famílias de baixa renda e os estudantes negros são a maioria pela primeira vez na história. Isso é ainda mais verdadeiro graças à expansão do ensino superior conquistada durante os anos Lula. Por último, mas não menos importante, argumentar que a melhor maneira de melhorar a educação pública é deixa-la morrer de fome sempre será uma venda agressiva.
Em suma, a educação pública pode ser um pedaço da realidade muito grande para o governo fantasiar ao redor.
A reação de Bolsonaro ao sucesso das manifestações de 15 de maio, que levou às ruas para além das típicas pessoas de esquerda, foi incitar seus apoiadores a realizar seus próprios protestos . Isso confirmou o tamanho surpreendente de sua base central, mas também foram bem menores que os protestos a favor da educação e atraíram críticas de vários aliados políticos, forçando Bolsonaro a se distanciar. Apesar de ser uma demonstração de força, o resultado líquido não o fortaleceu.
Com o excelente comparecimento para uma segunda rodada de protestos em 30 de maio, uma greve geral contra a reforma da previdência planejada para esta semana e um novo escândalo envolvendo o juiz anticorrupção que virou Ministro da Justiça Sergio Moro - cuja imparcialidade em episódios cruciais como a condenação do ex-presidente Lula está agora muito em dúvida - o clima continua quente.
O enigma de Bolsonaro é que o caminho que ele escolheu depende de pôr a ideologia para funcionar , mas o ruído começou a atrapalhar seu funcionamento no mundo real. Isso está testando a paciência do grande capital, que esperava estabilidade e resultados rápidos; mas também o da maioria da população, especialmente os pobres, que estão menos interessados em ideologia do que em ver problemas resolvidos. O custo de manter os verdadeiros crentes a bordo pode estar alienando todo mundo. Nesta guerra contra a realidade, a realidade começou a revidar. Com o tempo, algo terá que ceder.
Sobre o autor
Rodrigo Nunes é professora de filosofia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Seu novo livro, Beyond the Horizontal. Rethinking the Question of Organisation, será publicado em breve pela editora Verso.
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