Steve Bannon vê os videogames como um terreno natural para a extrema direita. Mas entre a sindicalização dos trabalhadores do jogo e os jogos cada vez mais políticos, há espaço para a esquerda socialista nos jogos também.
Brian J. Sullivan e Laura Bartkowiak
Foto: Erin Perry / Flickr |
Resenha de Marx no fliperama: videogame e luta de classes (Autonomia Literária, 2020), escrito por Jamie Woodcock.
Tradução / Em 2005, Steve Bannon desenvolveu um grande interesse por videogames. O futuro estrategista de Trump ingressou na Internet Gaming Entertainment (IGE), uma empresa com sede em Hong Kong que desenvolveu um esquema para ganhar dinheiro com o popular jogo online World of Warcraft. A IGE contratava trabalhadores chineses por salários miseráveis para entrar no jogo e completar tarefas repetitivas que rendiam pequenas quantias de ouro virtual. A empresa então vendia esse tesouro para jogadores ocidentais em troca de dinheiro real. Bannon arrecadou US$ 60 milhões para a IGE, grande parte desse dinheiro vindo do Goldman Sachs.
Essa operação de “cultivo de ouro” (ou “farming“, na gíria gamer) não durou muito. Considerada uma trapaça pelos criadores e fãs de World of Warcraft, motivou que a IGE fosse banida do jogo e processada até o fim da sua existência. A experiência, entretanto, ensinou a Bannon uma lição importante: Bannon disse mais tarde ao autor Joshua Green que o jogo é “habitado por milhões de jovens intensos, [que são] inteligentes, focados, relativamente ricos e altamente motivados por questões que importam para eles… Esses caras, esses homens brancos sem raízes, eles tinham um poder monstruoso.”
Bannon e outros intelectuais de direita aprenderam a utilizar esse “poder monstruoso”, dentro do mundo dos videogames e além. Um sentimento politicamente mobilizado de privilégios brancos feridos levou a direita a dominar o discurso popular sobre videogames. O jogador paradigmático é um dos jovens homens brancos e intensos de Bannon, alguém que visita o 4chan e comprou a indignação untuosa em torno do caso Gamergate. Algumas pessoas consideram os jogos um espaço irremediavelmente perdido para esse grupo demográfico.
A realidade dos videogames sempre foi mais complexa que isso. Mulheres, pessoas não-brancas e LGBTQ jogam, criam e se inspiram com videogames. Mas é verdade que a indústria – principalmente devido às suas estratégias de marketing e cultura de trabalho – e alguns fãs têm feito o possível para marginalizar essas populações. A esquerda nunca destilou suas próprias experiências nos jogos da maneira que Bannon e outros fizeram pela direita. Felizmente, esse desequilíbrio está mudando. Trabalhadores de jogos estão falando em sindicalização, socialistas estão transmitindo no Twitch e os desenvolvedores estão experimentando com temas políticos em seus jogos. Em seu novo livro, Marx no Fliperama, o pesquisador e entusiasta dos videogames Jamie Woodcock dá uma contribuição importante para esse esforço.
O livro é uma análise marxista abrangente e acessível da indústria e da cultura dos videogames. É um relato materialista de como os videogames são feitos e também uma descrição criteriosa de como é ser um jogador de esquerda. Marx no Fliperama defende que os jogos são bens culturais importantes, dignos de análise e fornece às pessoas de esquerda as ferramentas e a linguagem para empreender essa análise.
A narrativa da origem do videogame
Opotencial dos videogames para servir aos interesses da esquerda e da direita remonta às origens da mídia. Trabalhadores de tecnologia dentro do complexo industrial militar criaram os primeiros videogames. Isso incluía jogos de guerra, projetados para modelar o conflito nuclear entre a América e a Rússia soviética, e distrações divertidas como jogo da velha e blackjack. O jogo Spacewar! foi um marco para o meio. Projetado pelo aluno do MIT Steve Russell, o jogo “veio da cultura inicial de ‘fanáticos por ciência da computação’ que se opunham às instituições e aos militares.” Russell e outros entre os primeiros programadores foram afetados pelas convulsões da década de 1960 e estavam mais interessados na colaboração criativa do que em ganhar dinheiro ou servir ao exército.
Enquanto alguns dos primeiros videogames foram subversões do trabalho dentro do complexo militar-industrial, o veículo também desempenhou um papel de apoio para o império dos EUA. O estúdio de jogos Treyarch contratou o famoso historiador militar e apresentador de televisão Oliver North para dar consultoria e promover Black Ops II, um dos jogos da popular franquia Call of Duty. A franquia é famosa por sua descrição valorosa da guerra e, ao contratar North, o estúdio também ajudou a polir sua imagem. Os estúdios de jogos frequentemente contratam consultores militares para dar aconselhamento sobre seus projetos. O objetivo final é adicionar um enérgico realismo aos jogos, mas Woodcock também mostra como a história muitas vezes é reescrita em jogos para apresentar a intervenção militar como justa e emocionante.
Os videogames têm um relacionamento igualmente problemático com os fabricantes de armas. As duas indústrias firmam acordos de licenciamento mutuamente benéficos, nos quais os desenvolvedores de jogos podem representar armas reais e os fabricantes de armas recebem grande publicidade e exposição. Woodcock cita um representante da fabricante de armas Barrett, que explica: “Os videogames expõem nossa marca a um público jovem formado por possíveis futuros proprietários”.
Essas relações comerciais pressionam os desenvolvedores de jogos a descrever as armas e os conflitos armados em termos emocionantes e heróicos. É um exemplo de uma das muitas maneiras como o império dos Estados Unidos organiza e dissemina ideias que justificam sua presença imperialista em todo o mundo. Esta análise esclarece como a indústria de videogames representa um local para a resistência a esse projeto imperial. Os jogos glorificaram o conflito imperial, mas também têm minado o trabalho do império de maneiras criativas.
O jogo Spec Ops:The Line é um exemplo dessa criatividade. Nele, os jogadores assumem o controle de um esquadrão de soldados de elite que lutam em uma Dubai em ruínas. O jogo tem a mecânica e as armadilhas do padrão de jogos com temática de guerra, mas em vez de retratar heróis com mandíbulas quadradas em pé sobre os cadáveres de inimigos derrotados, explora o Stress pós-traumático e as consequências de crimes de guerra. Woodcock explica como “o jogo levanta questões retóricas como, ‘que tipo de pessoa gosta de matar virtualmente o suficiente para passar horas engajado nisso?’… Também aponta para outras maneiras de construir e jogar games sobre violência militar.”
Paixão, diversão e produtividade
De suas origens humildes, os videogames se tornaram um dos setores mais lucrativos da indústria do entretenimento. Marx no Fliperama leva o leitor para dentro da “morada oculta” da produção de videogames para nos mostrar de onde vêm esses lucros. Essa tour abrange a cadeia de abastecimento global que inclui trabalhadores de armazém, mineiradores de materiais raros e trabalhadores de linha de montagem, destacando o trabalho muitas vezes invisível que é necessário para colocar um controle na mão do jogador. No entanto, Woodcock se concentra no trabalho desafiador de design de jogos.
À medida que os videogames se tornaram mais proeminentes, as duras condições de trabalho no setor passaram de segredo aberto a conhecimento comum. Para justificar essas condições aos trabalhadores, a indústria explora as paixões profundas dos designers de jogos. Existem inúmeras histórias sobre a incrível energia e dedicação de pessoas que fazem jogos, incluindo pessoas que trabalham para modificar jogos gratuitamente. Os chefes de estúdio podem usar essa paixão com eficácia para justificar práticas de negócios exploradoras.
Como Woodcock explica, o crunch (o termo da indústria para as longas e exigentes horas durante a produção de jogos) é “uma estratégia gerencial deliberada” projetada para extrair maior valor excedente dos trabalhadores. Como o crunch é tão comum na indústria, “os gerentes têm uma compreensão distorcida do tempo para o desenvolvimento de jogos”, e esse entendimento distorcido só leva a mais crunch no futuro.
O crunch também tem o efeito de forçar as mulheres a deixarem o local de trabalho. Em uma sociedade em que se espera que as mulheres assumam a maior parte do trabalho reprodutivo social, como cuidar de dependentes ou fazer tarefas domésticas, semanas de trabalho de noventa horas simplesmente não são viáveis. Essa cultura de emprego seleciona e reforça uma força de trabalho majoritariamente masculina e jovem.
Os trabalhadores do setor estão começando a se rebelar contra essas práticas. Por exemplo, os trabalhadores da Riot Games abandonaram o trabalho em protesto contra o ambiente de trabalho tóxico da empresa. Woodcock dedica um capítulo inteiro para descrever como os trabalhadores de jogos estão começando a se organizar. Como em outros setores da indústria de tecnologia, há uma consciência radical crescente dentro do ambiente dos jogos, com a Game Workers Unite na vanguarda. Em um contexto onde a ação militante no local de trabalho vem sendo revitalizada e os trabalhadores de tecnologia começando a buscar os sindicatos, esta oportunidade não pode ser ignorada.
Esses são desenvolvimentos promissores. Trabalhadores de jogos organizados podem ser mais eficazes contra as pressões de seus chefes e desafiar os “homens brancos sem raízes” elogiados por Bannon. Esse desafio pode assumir várias formas. Na década de 1980, as elites da indústria decidiram conscientemente comercializar jogos principalmente para homens mais jovens, uma decisão que teve profundas ramificações políticas. Os trabalhadores organizados podem ser capazes de contestar tais decisões, forçando a indústria a abraçar o amplo espectro de fãs de jogos.
Crítica de videogames
Rejeitando tanto a celebração acrítica dos fanboys quanto as denúncias moralistas, Marx no Fliperama oferece uma abordagem renovadora para a análise de videogames. Woodcock nunca perde de vista o fato de que as condições materiais por trás da produção dos jogos moldam as histórias que os jogos contam e como eles as contam, mas não reduz sua análise do meio a essas condições materiais. O livro destaca como é realmente jogar um game, o que o torna divertido e por que esse aspecto participativo é importante quando se discute o que um jogo comunica como um produto cultural.
Ao discutir o gênero de tiro em primeira pessoa, Woodcock não tem medo de reconhecer que correr por um campo de batalha matando inimigos pode ser incrível, mesmo que isso normalize a lógica viciosa do conflito armado. No jogo multijogador Counter Strike: Global Offensive (CS: GO), uma equipe de “Terroristas” vestindo keffiyeh enfrenta “Contra-Terroristas” em partidas curtas e competitivas. Os riscos políticos do jogo nunca são explicados, embora as implicações pró-Ocidente sejam claras. Apesar dessas opções de design, o jogo é divertido porque combina habilidade, design de níveis e animação em um loop de feedback envolvente. A mecânica e a política de CS:GO operam de forma semi-independente, e é impossível entender o jogo, ou seu amplo apelo, sem compreender a ambos os elementos.
Os jogos Civilization de Sid Meier são uma mistura semelhante de imaginação política circunscrita com um fantástico design de jogo. Os jogos desafiam o jogador a construir uma sociedade global a partir do zero. O jogador está em constante competição com outras civilizações, e deve dominá-las militarmente ou culturalmente para vencer. As regras dos jogos “naturalizam o capitalismo, com sua dinâmica de acumulação, imperialismo e conflito”, mas “esta crítica não quer dizer que o jogo seja impossível de se jogar – a realidade é que esses tipos de jogos são incrivelmente atraentes”.
As regras complexas e entrelaçadas de Civilization são difíceis de se dominar, mas nunca arbitrárias ou injustas. A experiência de expandir lentamente a própria civilização é satisfatória e viciante. Em vez de condenar a franquia, Woodcock revela o que torna os jogos divertidos e usa sua política limitada como um ponto de partida para a análise.
Nenhum jogo precisa de mensagens explicitamente políticas para merecer a atenção da esquerda. Eles não precisam educar os jogadores sobre os momentos-chave da História ou os perigos da violência imperial. Os videogames contêm muito que os socialistas podem criticar e celebrar, e Marx no Fliperama mostra uma maneira criativa e atraente de fazer isso.
O futuro dos videogames
Os videogames são um meio repleto de contradições. São uma forma de arte dedicada à diversão, ao ócio improdutivo, mas são projetados e criados em condições de trabalho notoriamente exigentes. Os primeiros jogos foram subversões do trabalho dentro do complexo industrial militar. Ao mesmo tempo, alguns jogos apoiaram ideologicamente o império estadunidense. Os jogos têm o poder de reunir pessoas de todo o mundo em um espaço virtual para jogarem juntas; no entanto, esse espaço está frequentemente impregnado do pior sexismo, xenofobia e racismo que nossa cultura tem a oferecer.
Parafraseando Terry Eagleton, os videogames são parte do aparato ideológico que justifica os piores impulsos e realidades de nossa sociedade; mas também contêm significados e tradições que desafiam esse aparato.
Marx no Fliperama quer que a esquerda compreenda que essas contradições podem ser resolvidas a nosso favor ou para o benefício de nossos adversários. Os videogames se tornaram um dos maiores protagonistas da cultura pop e do entretenimento. Como Steve Bannon reconheceu há mais de uma década, os jogos são um local cultural onde as ideologias podem ser esclarecidas e mobilizadas. Os radicais não devem abandonar este terreno cultural.
O livro também quer que entendamos que brincar é uma parte essencial do ser humano. Não jogamos videogame só com o intuito de desafiar a política reacionária, mas porque eles são divertidos e podem contar histórias pessoais envolventes. O capitalismo moderno deixa pouco espaço em nossas vidas para brincadeiras ociosas, então os socialistas deveriam abraçar qualquer forma de arte que se deleite nisso.
Tradução / Em 2005, Steve Bannon desenvolveu um grande interesse por videogames. O futuro estrategista de Trump ingressou na Internet Gaming Entertainment (IGE), uma empresa com sede em Hong Kong que desenvolveu um esquema para ganhar dinheiro com o popular jogo online World of Warcraft. A IGE contratava trabalhadores chineses por salários miseráveis para entrar no jogo e completar tarefas repetitivas que rendiam pequenas quantias de ouro virtual. A empresa então vendia esse tesouro para jogadores ocidentais em troca de dinheiro real. Bannon arrecadou US$ 60 milhões para a IGE, grande parte desse dinheiro vindo do Goldman Sachs.
Essa operação de “cultivo de ouro” (ou “farming“, na gíria gamer) não durou muito. Considerada uma trapaça pelos criadores e fãs de World of Warcraft, motivou que a IGE fosse banida do jogo e processada até o fim da sua existência. A experiência, entretanto, ensinou a Bannon uma lição importante: Bannon disse mais tarde ao autor Joshua Green que o jogo é “habitado por milhões de jovens intensos, [que são] inteligentes, focados, relativamente ricos e altamente motivados por questões que importam para eles… Esses caras, esses homens brancos sem raízes, eles tinham um poder monstruoso.”
Bannon e outros intelectuais de direita aprenderam a utilizar esse “poder monstruoso”, dentro do mundo dos videogames e além. Um sentimento politicamente mobilizado de privilégios brancos feridos levou a direita a dominar o discurso popular sobre videogames. O jogador paradigmático é um dos jovens homens brancos e intensos de Bannon, alguém que visita o 4chan e comprou a indignação untuosa em torno do caso Gamergate. Algumas pessoas consideram os jogos um espaço irremediavelmente perdido para esse grupo demográfico.
A realidade dos videogames sempre foi mais complexa que isso. Mulheres, pessoas não-brancas e LGBTQ jogam, criam e se inspiram com videogames. Mas é verdade que a indústria – principalmente devido às suas estratégias de marketing e cultura de trabalho – e alguns fãs têm feito o possível para marginalizar essas populações. A esquerda nunca destilou suas próprias experiências nos jogos da maneira que Bannon e outros fizeram pela direita. Felizmente, esse desequilíbrio está mudando. Trabalhadores de jogos estão falando em sindicalização, socialistas estão transmitindo no Twitch e os desenvolvedores estão experimentando com temas políticos em seus jogos. Em seu novo livro, Marx no Fliperama, o pesquisador e entusiasta dos videogames Jamie Woodcock dá uma contribuição importante para esse esforço.
O livro é uma análise marxista abrangente e acessível da indústria e da cultura dos videogames. É um relato materialista de como os videogames são feitos e também uma descrição criteriosa de como é ser um jogador de esquerda. Marx no Fliperama defende que os jogos são bens culturais importantes, dignos de análise e fornece às pessoas de esquerda as ferramentas e a linguagem para empreender essa análise.
A narrativa da origem do videogame
Opotencial dos videogames para servir aos interesses da esquerda e da direita remonta às origens da mídia. Trabalhadores de tecnologia dentro do complexo industrial militar criaram os primeiros videogames. Isso incluía jogos de guerra, projetados para modelar o conflito nuclear entre a América e a Rússia soviética, e distrações divertidas como jogo da velha e blackjack. O jogo Spacewar! foi um marco para o meio. Projetado pelo aluno do MIT Steve Russell, o jogo “veio da cultura inicial de ‘fanáticos por ciência da computação’ que se opunham às instituições e aos militares.” Russell e outros entre os primeiros programadores foram afetados pelas convulsões da década de 1960 e estavam mais interessados na colaboração criativa do que em ganhar dinheiro ou servir ao exército.
Enquanto alguns dos primeiros videogames foram subversões do trabalho dentro do complexo militar-industrial, o veículo também desempenhou um papel de apoio para o império dos EUA. O estúdio de jogos Treyarch contratou o famoso historiador militar e apresentador de televisão Oliver North para dar consultoria e promover Black Ops II, um dos jogos da popular franquia Call of Duty. A franquia é famosa por sua descrição valorosa da guerra e, ao contratar North, o estúdio também ajudou a polir sua imagem. Os estúdios de jogos frequentemente contratam consultores militares para dar aconselhamento sobre seus projetos. O objetivo final é adicionar um enérgico realismo aos jogos, mas Woodcock também mostra como a história muitas vezes é reescrita em jogos para apresentar a intervenção militar como justa e emocionante.
Os videogames têm um relacionamento igualmente problemático com os fabricantes de armas. As duas indústrias firmam acordos de licenciamento mutuamente benéficos, nos quais os desenvolvedores de jogos podem representar armas reais e os fabricantes de armas recebem grande publicidade e exposição. Woodcock cita um representante da fabricante de armas Barrett, que explica: “Os videogames expõem nossa marca a um público jovem formado por possíveis futuros proprietários”.
Essas relações comerciais pressionam os desenvolvedores de jogos a descrever as armas e os conflitos armados em termos emocionantes e heróicos. É um exemplo de uma das muitas maneiras como o império dos Estados Unidos organiza e dissemina ideias que justificam sua presença imperialista em todo o mundo. Esta análise esclarece como a indústria de videogames representa um local para a resistência a esse projeto imperial. Os jogos glorificaram o conflito imperial, mas também têm minado o trabalho do império de maneiras criativas.
O jogo Spec Ops:The Line é um exemplo dessa criatividade. Nele, os jogadores assumem o controle de um esquadrão de soldados de elite que lutam em uma Dubai em ruínas. O jogo tem a mecânica e as armadilhas do padrão de jogos com temática de guerra, mas em vez de retratar heróis com mandíbulas quadradas em pé sobre os cadáveres de inimigos derrotados, explora o Stress pós-traumático e as consequências de crimes de guerra. Woodcock explica como “o jogo levanta questões retóricas como, ‘que tipo de pessoa gosta de matar virtualmente o suficiente para passar horas engajado nisso?’… Também aponta para outras maneiras de construir e jogar games sobre violência militar.”
Paixão, diversão e produtividade
De suas origens humildes, os videogames se tornaram um dos setores mais lucrativos da indústria do entretenimento. Marx no Fliperama leva o leitor para dentro da “morada oculta” da produção de videogames para nos mostrar de onde vêm esses lucros. Essa tour abrange a cadeia de abastecimento global que inclui trabalhadores de armazém, mineiradores de materiais raros e trabalhadores de linha de montagem, destacando o trabalho muitas vezes invisível que é necessário para colocar um controle na mão do jogador. No entanto, Woodcock se concentra no trabalho desafiador de design de jogos.
À medida que os videogames se tornaram mais proeminentes, as duras condições de trabalho no setor passaram de segredo aberto a conhecimento comum. Para justificar essas condições aos trabalhadores, a indústria explora as paixões profundas dos designers de jogos. Existem inúmeras histórias sobre a incrível energia e dedicação de pessoas que fazem jogos, incluindo pessoas que trabalham para modificar jogos gratuitamente. Os chefes de estúdio podem usar essa paixão com eficácia para justificar práticas de negócios exploradoras.
Como Woodcock explica, o crunch (o termo da indústria para as longas e exigentes horas durante a produção de jogos) é “uma estratégia gerencial deliberada” projetada para extrair maior valor excedente dos trabalhadores. Como o crunch é tão comum na indústria, “os gerentes têm uma compreensão distorcida do tempo para o desenvolvimento de jogos”, e esse entendimento distorcido só leva a mais crunch no futuro.
O crunch também tem o efeito de forçar as mulheres a deixarem o local de trabalho. Em uma sociedade em que se espera que as mulheres assumam a maior parte do trabalho reprodutivo social, como cuidar de dependentes ou fazer tarefas domésticas, semanas de trabalho de noventa horas simplesmente não são viáveis. Essa cultura de emprego seleciona e reforça uma força de trabalho majoritariamente masculina e jovem.
Os trabalhadores do setor estão começando a se rebelar contra essas práticas. Por exemplo, os trabalhadores da Riot Games abandonaram o trabalho em protesto contra o ambiente de trabalho tóxico da empresa. Woodcock dedica um capítulo inteiro para descrever como os trabalhadores de jogos estão começando a se organizar. Como em outros setores da indústria de tecnologia, há uma consciência radical crescente dentro do ambiente dos jogos, com a Game Workers Unite na vanguarda. Em um contexto onde a ação militante no local de trabalho vem sendo revitalizada e os trabalhadores de tecnologia começando a buscar os sindicatos, esta oportunidade não pode ser ignorada.
Esses são desenvolvimentos promissores. Trabalhadores de jogos organizados podem ser mais eficazes contra as pressões de seus chefes e desafiar os “homens brancos sem raízes” elogiados por Bannon. Esse desafio pode assumir várias formas. Na década de 1980, as elites da indústria decidiram conscientemente comercializar jogos principalmente para homens mais jovens, uma decisão que teve profundas ramificações políticas. Os trabalhadores organizados podem ser capazes de contestar tais decisões, forçando a indústria a abraçar o amplo espectro de fãs de jogos.
Crítica de videogames
Rejeitando tanto a celebração acrítica dos fanboys quanto as denúncias moralistas, Marx no Fliperama oferece uma abordagem renovadora para a análise de videogames. Woodcock nunca perde de vista o fato de que as condições materiais por trás da produção dos jogos moldam as histórias que os jogos contam e como eles as contam, mas não reduz sua análise do meio a essas condições materiais. O livro destaca como é realmente jogar um game, o que o torna divertido e por que esse aspecto participativo é importante quando se discute o que um jogo comunica como um produto cultural.
Ao discutir o gênero de tiro em primeira pessoa, Woodcock não tem medo de reconhecer que correr por um campo de batalha matando inimigos pode ser incrível, mesmo que isso normalize a lógica viciosa do conflito armado. No jogo multijogador Counter Strike: Global Offensive (CS: GO), uma equipe de “Terroristas” vestindo keffiyeh enfrenta “Contra-Terroristas” em partidas curtas e competitivas. Os riscos políticos do jogo nunca são explicados, embora as implicações pró-Ocidente sejam claras. Apesar dessas opções de design, o jogo é divertido porque combina habilidade, design de níveis e animação em um loop de feedback envolvente. A mecânica e a política de CS:GO operam de forma semi-independente, e é impossível entender o jogo, ou seu amplo apelo, sem compreender a ambos os elementos.
Os jogos Civilization de Sid Meier são uma mistura semelhante de imaginação política circunscrita com um fantástico design de jogo. Os jogos desafiam o jogador a construir uma sociedade global a partir do zero. O jogador está em constante competição com outras civilizações, e deve dominá-las militarmente ou culturalmente para vencer. As regras dos jogos “naturalizam o capitalismo, com sua dinâmica de acumulação, imperialismo e conflito”, mas “esta crítica não quer dizer que o jogo seja impossível de se jogar – a realidade é que esses tipos de jogos são incrivelmente atraentes”.
As regras complexas e entrelaçadas de Civilization são difíceis de se dominar, mas nunca arbitrárias ou injustas. A experiência de expandir lentamente a própria civilização é satisfatória e viciante. Em vez de condenar a franquia, Woodcock revela o que torna os jogos divertidos e usa sua política limitada como um ponto de partida para a análise.
Nenhum jogo precisa de mensagens explicitamente políticas para merecer a atenção da esquerda. Eles não precisam educar os jogadores sobre os momentos-chave da História ou os perigos da violência imperial. Os videogames contêm muito que os socialistas podem criticar e celebrar, e Marx no Fliperama mostra uma maneira criativa e atraente de fazer isso.
O futuro dos videogames
Os videogames são um meio repleto de contradições. São uma forma de arte dedicada à diversão, ao ócio improdutivo, mas são projetados e criados em condições de trabalho notoriamente exigentes. Os primeiros jogos foram subversões do trabalho dentro do complexo industrial militar. Ao mesmo tempo, alguns jogos apoiaram ideologicamente o império estadunidense. Os jogos têm o poder de reunir pessoas de todo o mundo em um espaço virtual para jogarem juntas; no entanto, esse espaço está frequentemente impregnado do pior sexismo, xenofobia e racismo que nossa cultura tem a oferecer.
Parafraseando Terry Eagleton, os videogames são parte do aparato ideológico que justifica os piores impulsos e realidades de nossa sociedade; mas também contêm significados e tradições que desafiam esse aparato.
Marx no Fliperama quer que a esquerda compreenda que essas contradições podem ser resolvidas a nosso favor ou para o benefício de nossos adversários. Os videogames se tornaram um dos maiores protagonistas da cultura pop e do entretenimento. Como Steve Bannon reconheceu há mais de uma década, os jogos são um local cultural onde as ideologias podem ser esclarecidas e mobilizadas. Os radicais não devem abandonar este terreno cultural.
O livro também quer que entendamos que brincar é uma parte essencial do ser humano. Não jogamos videogame só com o intuito de desafiar a política reacionária, mas porque eles são divertidos e podem contar histórias pessoais envolventes. O capitalismo moderno deixa pouco espaço em nossas vidas para brincadeiras ociosas, então os socialistas deveriam abraçar qualquer forma de arte que se deleite nisso.
Sobreos autores
Brian J. Sullivan é militante trabalhista, advogado especializado em questões de moradia e escritor em Nova York.
Laura Bartkowiak é militante, analista de dados e escritora em Nova York.
Brian J. Sullivan é militante trabalhista, advogado especializado em questões de moradia e escritor em Nova York.
Laura Bartkowiak é militante, analista de dados e escritora em Nova York.
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