29 de junho de 2019

O radical negro mais importante do qual você nunca ouviu falar

Hubert Harrison foi um dos primeiros socialistas negros dos Estados Unidos, um feroz defensor da igualdade racial e um pioneiro na análise de como o capitalismo usa o racismo para dividir a classe trabalhadora. Ele merece ser lembrado.

Paul Heideman

Jacobin

Hubert Harrison, sentado à esquerda, e os líderes dos Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW), Elizabeth Gurley Flynn e Bill Haywood, à direita, organizaram a greve têxtil de Paterson, em 1913. (American Labor Museum)

Tradução / Hubert Henry Harrison é o mais importante radical negro do qual você nunca ouviu falar. Enquanto outras figuras de liderança do movimento negro, de W.E.B Du Bois à Ella Baker e Malcom X, foram homenageados com nomes de ruas e selos postais, Harrison permanece à sombra, conhecido apenas por especialistas em história dos negros. Na época, entretanto, Harrison foi uma figura que ficou ao lado de gigantes como Marcus Garvey, Ida B. Wells e A. Philip Randolph.

Harrison também fui um dos primeiros socialistas negros dos Estados Unidos. Enquanto esteve no Partido Socialista, ele desenvolveu uma análise de como o capitalismo produz a desigualdade racial e pressionou o movimento operário para confrontar diretamente essa desigualdade. Adepto do partido que aglutinava a esquerda radical, foi expulso durante lutas entre facções antes da Primeira Guerra Mundial. Ele então fundou seu próprio jornal e liderou a onda radical negra do Harlem após a guerra.

No decorrer de sua breve vida, Harrison insistiu em unir a luta contra a opressão racial à luta contra o capitalismo. Seu trabalho é uma fonte vital para os radicais atuais que se unem às duas lutas.

Unindo antirracismo ao socialismo
Harrison nasceu em Saint Croix, uma pequena ilha caribenha, em 1883. Aos 7 anos começou a trabalhar como empregado doméstico. Quando sua mãe morreu, em 1898, ele imigrou para Nova Iorque, terminando o ensino médio e conseguindo um emprego no correio. Rapidamente se estabilizou como um líder intelectual, organizando grupos de discussões políticas entre seus colegas de trabalho e se jogando na enérgica cena de palestras públicas e debates.

Feroz defensor da igualdade racial, ele entrou em conflito com a figura mais importante da política negra de sua geração, o conformista Booker T. Washington. Harrison havia escrito uma carta ao New York Sun em resposta à recente declaração de Washington, que dizia que “o Sudeste dos EUA oferece melhores chances ao negro do que quase qualquer outro país do mundo”. Em sua resposta, Harrison rechaçou Washington por seu silêncio sobre o ultraje do racismo estadunidense e o acusou de manter-se na posição de liderança “pela graça dos brancos que elegem líderes negros para eles”.

Washington nunca respondeu Harrison por escrito, mas sim por ação. Usando sua posição de distribuidor de empregos de mecenato para norte-americanos negros como parte da máquina do Partido Republicano, Washington demitiu Harrison do correio.

Se a intenção de Washington era silenciá-lo, seu plano falhou miseravelmente. Menos de um mês depois de perder o emprego, ele encontrou um novo trabalho, dessa vez como palestrante e organizador do Partido Socialista.

O Partido Socialista era uma organização formidável, principalmente em Nova Iorque, quando Harrison entrou, em 1911. Os socialistas estavam vencendo as eleições municipais e estaduais por todo o país; em Wisconsin, o líder socialista Victor Berger defendeu sua cadeira no Congresso. O partido teve menos sucesso na organização dos trabalhadores negros, apesar do debate considerável, desde a sua fundação, sobre a questão racial.

A tarefa de Harrison era mudar aquilo. Organizando a campanha municipal em meados de 1911, a função do jovem intelectual era ajudar o partido a construir bases de apoio entre eleitores negros. Ele foi extremamente bem-sucedido, inovando ao usar materiais de campanha socialista direcionados aos negros estadunidenses. Quando saíram os resultados, o total de votos do partido saltou para 6 mil desde a última disputa, boa parte devido ao aumento do apoio entre os eleitores negros. O partido, impressionado com a perspicácia de Harrison, contratou-o como orador e organizador “para estabelecer um núcleo de organização entre pessoas negras”.

Harrison começou a trabalhar imediatamente, ajudando a organizar o Colored Socialist Club (Clube Socialistas de Pessoas Negras) na cidade e escrevendo uma série de artigos sobre “O Negro e o Socialismo” no New York Call. A série, divida em 5 partes, discorria uma análise da opressão racial nos EUA. Foi a mais sofisticada do que qualquer outra produzida pelos socialistas estadunidenses. Consistia em uma compreensão materialista do racismo, dizendo que não era resultado de preconceitos de raça “naturais”, tampouco de ideias más dos brancos, mas da “falácia do medo econômico”, pelo qual “a competição econômica cria o preconceito racial”. Foi “o principal interesse dos capitalistas da América,” ele escreve, “preservar o status econômico inferior das raças de cor, porque eles sempre podem usá-la como um exército reserva para outros trabalhos”.

E era do interesse do Partido Socialista se livrar daquela reserva. Harrison argumentou que o partido tinha que assumir a causa de “todas as seções oprimidas da humanidade” e rejeitar a política suicida de excluir trabalhadores negros (como fizeram muitos sindicatos da Federação Americana do Trabalho, a AFL, na época). Para ele, socialistas e americanos negros precisavam um do outro:

“Se a derrubada do sistema atual elevar uma nova classe ao poder; uma classe à qual o negro pertence; uma classe que não tem nada a ganhar com a degradação de qualquer parte de si mesma; essa classe removerá a razão econômica da degradação do negro. Essa é a promessa do socialismo, o movimento inclusivo da classe trabalhadora. No triunfo final desse movimento está a única esperança de salvação desta segunda escravidão; de homens negros e brancos.”

Infelizmente, assim como Harrison estava divulgando sua análise pioneira do racismo, forças maiores do partido estavam trabalhando contra ele. O embate entre esquerda e direita estava chegando ao ponto máximo, em grande parte devido às atitudes em relação aos sindicalistas revolucionários dos Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW).

A IWW abraçou o sindicalismo de luta de classes e desprezou a cooperação com os empregadores e o sindicalismo “puro e simples” da AFL. Crucial para Harrison, a IWW também organizou ativamente trabalhadores negros. Enquanto isso, a ala direita do partido priorizou sua aliança com os sindicatos da AFL e via a IWW como revolucionários fervorosos. Eles nutriam um desprezo especial ao líder da IWW Big Bill Haywood, membro do comitê executivo do partido. Em 1912, a direita o arrancou com sucesso do Partido Socialista, levando muitos esquerdistas do partido a saírem com ele.

O forte apoio de Harrison à esquerda do partido o colocou em uma posição precária em Nova York, onde um dos principais inimigos, como Morris Hillquit, liderou o partido. A liderança local começou a restringir o trabalho de Harrison, proibindo até os próprios aliados de agendá-lo como palestrante. Harrison, que nunca recuou de uma briga, enviou uma breve nota ao comitê executivo da cidade, dizendo-lhe para “perseguirem a si mesmos”, e acrescentou: “A propósito, se minha cor tem algo a ver com isso desta vez, agradeço por me avisar.”

A sede local viu Harrison desprezando o comitê executivo e suspendeu sua associação por três meses. Quando o castigo terminou, Harrison deixou o Partido Socialista.

Nova militância
Depois de deixar o Partido Socialista, Harrison se tornou um radical independente, abrindo caminho pela enérgica esquerda de Nova York. Ele deu palestras sobre temas variados, de ateísmo ao controle de natalidade, tornando-se um dos mais respeitados oradores da cidade.

Quando a Primeira Guerra Mundial estourou, Harrison viu nela uma nova oportunidade para o avanço dos negros. Enquanto se opunha à guerra, ele fez ecoar análises como as de W.B. Du Bois e Vladimir Lenin, que entendiam o conflito como uma disputa entre quais potências europeias dominariam o mundo colonial. Ele esperava que, ao final, “lavada pelo batismo de sangue, a raça branca será menos capaz de empurrar a mão forte de sua soberania nas gargantas de outras raças”. Enquanto os imperialistas lutavam entre si, o colonizado precisava se erguer. A Revolta da Páscoa de 1916 exemplificou o tipo de ação que Harrison esperava ver se espalhando pelo mundo colonial. “O povo negro dos EUA nunca representaria nada de muito político até que julgasse oportuno imitar os irlandeses da Grã-Bretanha”, escreveu.

Ele então decidiu começar essa imitação. Na véspera de Natal de 1916, proferiu uma palestra intitulada “Quando o negro acorda: uma fala sobre ‘O movimento dos homens’ entre o povo negro da América” que analisou e catalisou uma nova militância entre os negros estadunidenses. Após o sucesso da palestra, Harrison fundou a Liberty League, uma organização dedicada a luta dos negros contra a supremacia branca e o primeiro grupo identificado com o recém-nascido “Novo Movimento Negro”. O movimento reuniu fundos para criar um jornal, o Voice, editado por Harrison. O periódico focou, em particular, na autodefesa armada contra linchamentos e tumultos anti-negros, que se espalharam quando a economia de guerra dispersou trabalhadores afro-americanos da região rural ao sul.

O Voice decolou rapidamente, com circulação de dez mil por edição. Também chamou a atenção dos concorrentes políticos de Harrison. Fred Moore, um dos tenentes de Booker T. Washington, repudiou o Voice, alegando que “um negro típico não aprova explosões socialistas radicais, como incentivar os negros a se defenderem dos brancos”. Típicos ou não, os estadunidenses negros estavam comprando e lendo o Voice.

Assim como no Partido Socialista, elementos mais conservadores trabalharam para minar a atividade política de Harrison. Seus concorrentes pressionaram os editores, impedindo o jornal de sair em tempo hábil. Harrison também se recusou, motivado por orgulho racial, a receber dinheiro publicitário da grande indústria de alisadores de cabelo e branqueadores de pele, que forneciam financiamento crucial para outras publicações negras. Seu comportamento pessoal também não ajudou – sempre desinteressado em questões financeiras, Harrison lidou mal com o dinheiro. Em novembro de 1917, o Voice havia cessado a publicação, apenas cinco meses após o início.

Harrison também logo se viu em competição pela liderança dos cidadãos negros politicamente inquietos do Harlem. Marcus Garvey, um jornalista jamaicano, foi para os Estados Unidos em 1916 e começou a construir sua organização nacionalista negra, a United Negro Improvement Association (UNIA). Ao recrutar muitos dos primeiros apoiadores de Harrison, a UNIA se transformou em uma organização massiva, angariando rapidamente um número de membros na casa das dezenas de milhares. Em 1920, até o próprio Harrison aceitaria um trabalho editando o jornal de Garvey, The Negro World [O Mundo Negro].

Legado de radicalismo
Harrison morreu durante uma operação de apendicite em 1927, aos 44 anos. Sua morte não foi amplamente noticiada, apesar de seu destaque na década anterior. Após os anos 1920, ele continuou a contribuir com a política cultural radical de Nova Iorque, mas nunca com a influência que tivera enquanto membro do Partido Socialista ou líder do Novo Movimento Negro.

Quase um século depois, contemporâneos de Harrison, como Garvey e A. Philip Randolph, permanecem mais conhecidos do que o negro mais radical, embora Harrison tenha se estabelecido na política de esquerda do Harlem muito antes. Sua obscuridade – heroicamente combatida nos últimos anos pelo estudioso Jeffrey Perry – é resultado de sua falta de sucesso na criação de instituições. Enquanto o jornal de Randolph, o Messenger, publicado por uma década, e a UNIA de Garvey deixaram sua marca em uma geração política, os esforços de Harrison foram menos duradouros. Por isso, sua considerável influência e originalidade não receberam o devido crédito.

No entanto, sua contribuição continua sendo vital. No Partido Socialista em especial, ele articulou uma visão clara do papel do racismo na divisão do movimento dos trabalhadores e a necessidade dos socialistas de atacar a opressão racial onde quer que se encontrasse. E, embora se decepcionasse com o partido devido ao conservadorismo em questões de raça e trabalho, ele nunca abandonou sua crença de que apenas o socialismo traria libertação aos negros.Hoje, seu trabalho permanece inacabado. Tomar consciência dos ideais de igualdade e democracia que o guiaram ainda requer, em suas próprias palavras, “uma revolução... surpreendente necessária a se pensar."

Sobre o autor

Paul Heideman é doutor em estudos americanos pela Rutgers University-Newark.

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