Mexicanos se preparam para atear fogo em boneco de Trump na Cidade do México. Yuri Cortez/AFP |
Em recente artigo publicado nesta Folha, o colunista Clóvis Rossi comentou a ameaça do presidente dos EUA de impor sobretaxas a importações provenientes do México, caso seu governo não seja capaz de fazer o que o poderoso vizinho do norte considera a sua obrigação: conter a imigração de centro-americanos.
É especialmente importante que Rossi tenha citado a civilizada e firme carta do presidente Andrés Manuel López Obrador, até então objeto de pouco destaque no noticiário brasileiro. AMLO, como é conhecido, compreende que a relação especial que o México mantém com os EUA, imposta pela geografia, tem seus custos e riscos. E está tentando enfrentá-los com diplomacia e moderação, de maneira digna e sem confrontação desnecessária.
Tem razão o autor ao afirmar que o bolsonarismo —essa doença infantil do trumpismo— busca inspirar-se (“presta vassalagem”, em sua palavras) nas idiossincrasias do governante norte-americano. A diferença principal é que Donald Trump exercita, na prática, a doutrina que prioriza o interesse dos Estados Unidos, tal como ele o define. Aqui, o que se vê é um pretenso nacionalismo, inscrito no slogan “Brasil acima de tudo” —que, na verdade, é mera retórica para enganar os incautos.
A síntese mais acabada dessa atitude foi expressa pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao anunciar, nos EUA, que está tudo à venda, até mesmo nossos palácios. E exemplificou com a lamentável absorção da Embraer pela Boeing, acrescentando a ideia surreal —mas que pode se materializar, dada a loucura imperante— de “fundir” o Banco do Brasil com o Bank of America! Nem os mais exaltados neoliberais chegaram a esse ponto; em respeito, talvez, à memória do príncipe regente dom João VI, que fundou a instituição há mais de 200 anos.
A cópia grosseira da ideologia do “America First” já nos deixou à beira de uma guerra quando o chanceler Ernesto Araújo se aboletou em uma van que levaria “ajuda humanitária” à Venezuela. Alguém imaginou o que ocorreria se, de fato, o veículo atravessasse a fronteira e fosse atingido por disparo de um membro ultrazeloso da Guarda Nacional?
O texto de Rossi me leva a outra reflexão. Como os analistas mais vividos hão de se recordar, a diplomacia brasileira do presidente Lula foi muito criticada por ter criado obstáculos à ideia de uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), com o feitio proposto por Washington.
A proposta em discussão continha cláusulas altamente nocivas ao nosso desenvolvimento em temas como propriedade intelectual (leia-se, entre outros, patentes de remédios e estímulo à produção audiovisual), investimentos, compras governamentais e serviços, além de abertura ampla do nosso mercado às manufaturas norte-americanas. Tudo isso em troca de alguns poucos benefícios de valor discutível, que certamente não incluiriam o setor agrícola (o mais interessado na conclusão do acordo).
É especialmente importante que Rossi tenha citado a civilizada e firme carta do presidente Andrés Manuel López Obrador, até então objeto de pouco destaque no noticiário brasileiro. AMLO, como é conhecido, compreende que a relação especial que o México mantém com os EUA, imposta pela geografia, tem seus custos e riscos. E está tentando enfrentá-los com diplomacia e moderação, de maneira digna e sem confrontação desnecessária.
Tem razão o autor ao afirmar que o bolsonarismo —essa doença infantil do trumpismo— busca inspirar-se (“presta vassalagem”, em sua palavras) nas idiossincrasias do governante norte-americano. A diferença principal é que Donald Trump exercita, na prática, a doutrina que prioriza o interesse dos Estados Unidos, tal como ele o define. Aqui, o que se vê é um pretenso nacionalismo, inscrito no slogan “Brasil acima de tudo” —que, na verdade, é mera retórica para enganar os incautos.
No caso do atual governo brasileiro, a exaltação dos símbolos da soberania tem servido para encobrir uma política de total submissão aos interesses estrangeiros —em particular, norte-americanos.
A síntese mais acabada dessa atitude foi expressa pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao anunciar, nos EUA, que está tudo à venda, até mesmo nossos palácios. E exemplificou com a lamentável absorção da Embraer pela Boeing, acrescentando a ideia surreal —mas que pode se materializar, dada a loucura imperante— de “fundir” o Banco do Brasil com o Bank of America! Nem os mais exaltados neoliberais chegaram a esse ponto; em respeito, talvez, à memória do príncipe regente dom João VI, que fundou a instituição há mais de 200 anos.
A cópia grosseira da ideologia do “America First” já nos deixou à beira de uma guerra quando o chanceler Ernesto Araújo se aboletou em uma van que levaria “ajuda humanitária” à Venezuela. Alguém imaginou o que ocorreria se, de fato, o veículo atravessasse a fronteira e fosse atingido por disparo de um membro ultrazeloso da Guarda Nacional?
O texto de Rossi me leva a outra reflexão. Como os analistas mais vividos hão de se recordar, a diplomacia brasileira do presidente Lula foi muito criticada por ter criado obstáculos à ideia de uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), com o feitio proposto por Washington.
A proposta em discussão continha cláusulas altamente nocivas ao nosso desenvolvimento em temas como propriedade intelectual (leia-se, entre outros, patentes de remédios e estímulo à produção audiovisual), investimentos, compras governamentais e serviços, além de abertura ampla do nosso mercado às manufaturas norte-americanas. Tudo isso em troca de alguns poucos benefícios de valor discutível, que certamente não incluiriam o setor agrícola (o mais interessado na conclusão do acordo).
Mesmo tais benefícios, à luz do que está ocorrendo com o México, poderiam ser retirados de forma ilegal, em função de alguma divergência em temas totalmente estranhos ao comércio.
A pergunta que cabe fazer é qual seria, em tal caso, nossa atitude, em um momento como este, em que Trump é cultuado pelo encarregado da nossa política externa como o salvador do Ocidente? Aliás, sempre que se invoca este conceito, de obscuro sentido histórico, me vem ao espírito a sábia resposta do grande líder pacifista, Mahatma Gandhi. Indagado sobre o que achava da Civilização Ocidental, Gandhi afirmou, sem titubear: “Seria uma boa ideia”.
A pergunta que cabe fazer é qual seria, em tal caso, nossa atitude, em um momento como este, em que Trump é cultuado pelo encarregado da nossa política externa como o salvador do Ocidente? Aliás, sempre que se invoca este conceito, de obscuro sentido histórico, me vem ao espírito a sábia resposta do grande líder pacifista, Mahatma Gandhi. Indagado sobre o que achava da Civilização Ocidental, Gandhi afirmou, sem titubear: “Seria uma boa ideia”.
Melhor faríamos se adotássemos como líder e fonte de inspiração o papa Francisco, que não se cansa de pedir perdão pelos malfeitos do Ocidente —inclusive os cometidos pela Igreja Católica, que Sua Santidade dirige com sentido verdadeiramente plural e humanista.
Sobre o autor
Ex-ministro das Relações Exteriores (2003-2010, governo Lula) e da Defesa (2011-2015, governo Dilma)
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