21 de junho de 2019

Lava Jato, democracia e reformas

Em qualquer democracia consolidada Lula já estaria solto, e Moro, afastado

Nelson Barbosa


"O que posso assegurar é que, na condução dos trabalhos de juiz no âmbito da Operação Lava Jato, sempre agi conforme a lei", disse Sergio Moro, ministro da Justiça, em sessão na CCJ do Senado para explicar conversas vazadas. Adriano Machado/Reuters

As revelações do The Intercept Brasil sobre conversas entre o então juiz Sergio Moro e procuradores do Ministério Público comprometeram a credibilidade da Operação Lava Jato.

Não é a primeira vez que isso acontece. Os vazamentos seletivos da Lava Jato, sobretudo perto de eleições ou decisões importantes no STF ou Congresso, já criaram suspeitas de que a investigação não se pautava somente por critérios jurídicos.

Posteriormente, a indicação de Sergio Moro para o Ministério da Justiça desmoralizou ainda mais o mecanismo da Lava Jato, pois, como foi noticiado pela imprensa internacional na época, Bolsonaro nomeou o juiz que tirou seu principal rival das eleições de 2018.

Ainda que a nomeação de Moro possa ser justificada, ficou feio para o Brasil.

Voltando ao Intercept Brasil , devo destacar, como fez Celso Rocha de Barros, que as revelações recentes não invalidam o combate à corrupção feito pela Lava Jato, que pode e deve continuar, dentro da lei.

O que as conversas divulgadas fazem é reforçar a suspeita de que, em paralelo ao aumento do combate à corrupção, também houve uma operação política ilegal contra o PT e Lula nos últimos anos.

É difícil prever as consequências do desmoronamento de Moro, mas neste momento é crucial garantir a liberdade de imprensa e o respeito às leis. Digo isso com conhecimento daqueles que até hoje enfrentam a guerra jurídica e midiática contra o PT e (quase) todos que trabalharam para Lula e Dilma.

Como já disse em 2016, por ocasião da defesa da presidente Dilma no Senado, tenho muito orgulho de ter servido nos governos do PT. Houve erros? Óbvio que sim, como sabem os leitores que acompanham esta coluna. Mas houve mais acertos do que erros e, principalmente, houve compromisso com o desenvolvimento para todos e respeito à democracia. Hoje esses dois legados estão em risco.

Foi com tristeza que li alguns colegas defenderem que a as revelações do Intercept Brasil seriam ruins por ameaçar a aprovação das reformas econômicas de Paulo Guedes. Esse tipo de argumento economicista já foi utilizado, em 2017, para minimizar o Joesley Day, que revelou a essência do governo Temer.

Sim, é óbvio que o Joesley Day e a nova desmoralização de Moro comprometeram a sustentabilidade política de quem só se sustenta na paranoia “anti-petê”. Porém, achar que essas revelações têm por objetivo barrar reformas A ou B no Congresso é diversionismo de quem não quer reconhecer o erro de ter apoiado dois golpes contra a democracia, um em 2016, outro em 2018.

Na verdade, a reforma da Previdência não saiu sob Temer porque não foi prioridade do governo Temer. O projeto demorou a ser enviado, ficou meses sem pai nem mãe no Congresso, antes de ser definitivamente descartado.

Agora a reforma da Previdência tem chance de sair apesar da usina de crises de Guedes e Bolsonaro, como observou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

E a necessidade de reformas econômicas não é justificativa para defender a censura e enfraquecer a democracia. Por isso lamento que alguns colegas tenham novamente aberto a porta do inferno para dançar com o diabo golpista. Sugiro ficar do lado do papa Francisco, que recentemente alertou ao mundo sobre o perigo da perseguição política e judiciária baseada em acusações falsas.

Por fim, em qualquer democracia consolidada Lula já estaria solto, e Moro, afastado, diante das mais recentes revelações. Mas infelizmente voltamos a viver em uma sociedade censurada, com dois pesos e duas medidas na justiça e, por isso, nossa democracia continua em risco.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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