Esperada contração nos gastos inviabilizará um avanço mais consistente
Folha de S.Paulo
Esther Dweck e Thiago de Moraes Moreira
Muitos economistas vêm afirmando que o pior da pandemia já ficou para trás e apostam na chamada recuperação em “V”. A letra “V” simbolizaria um cenário de recuperação acelerada, após a forte queda da atividade registrada em abril e que levou à inédita queda do PIB do segundo trimestre de quase 10%.
As últimas pesquisas reforçaram tal visão, mostrando a recuperação da produção industrial e do comércio. Os indicadores de expectativas também mostraram forte reação. A principal referência internacional para a confiança empresarial, o Purchasing Managers’ Index, vem registrando valores acima de 50 para a indústria brasileira desde junho, o marco divisor entre o pessimismo e o otimismo, após ter atingido 36 pontos em abril.
As últimas pesquisas reforçaram tal visão, mostrando a recuperação da produção industrial e do comércio. Os indicadores de expectativas também mostraram forte reação. A principal referência internacional para a confiança empresarial, o Purchasing Managers’ Index, vem registrando valores acima de 50 para a indústria brasileira desde junho, o marco divisor entre o pessimismo e o otimismo, após ter atingido 36 pontos em abril.
Entretanto, há indícios de superestimação da retomada, o que podemos denominar de “overshooting” das expectativas. Os resultados recentes de recuperação refletem principalmente o afrouxamento do isolamento social e os efeitos positivos sobre o consumo privado decorrentes das políticas de garantia de renda, como o auxílio emergencial e o seguro-desemprego.
O sucesso dessas políticas levou o governo a prorrogá-las, evitando a perda súbita de renda de parte expressiva da população. Vale também lembrar que milhões de trabalhadores formais estão com seus contratos de trabalho temporariamente suspensos ou com jornada (e salários) reduzidos, o que ainda tem evitado um processo de demissão generalizada.
No entanto, a redução do auxílio emergencial, a indefinição sobre a ampliação da cobertura do Bolsa Família para 2021, a retomada do teto de gastos já incorporada no Projeto de Lei Orçamentária (Ploa) 2021 e o fim do programa voltado à sustentação de empregos formais, apontam para uma forte contração econômica, que certamente irá interromper a trajetória em “V”.
O governo brasileiro novamente se recusa a assumir seu papel central na recuperação econômica, baseando-se no velho e ultrapassado argumento de que, sem uma austeridade fiscal rigorosa, a economia caminharia para o caos. Muitos economistas de orientação liberal no exterior estão sugerindo ações expansionistas de política fiscal, como pôde ser verificado nas últimas recomendações do FMI aos países do G20 para o enfrentamento do período pós-pandemia.
Somada a essa contração fiscal e ao aumento do desemprego, não podemos ainda descartar uma possível aceleração da Covid-19 no país, como a experiência recente de muitos países europeus tem sinalizado, o que poderia levar à necessidade de novas medidas de isolamento social.
Ainda não sabemos se o preço da negligência de autoridades no combate à pandemia já foi pago com as milhares de vidas perdidas e com o número ainda elevado de mortes diárias —e se a chamada “imunidade coletiva” já está próxima de ser atingida ou se poderemos assistir ainda a uma piora da situação.
Ainda não sabemos se o preço da negligência de autoridades no combate à pandemia já foi pago com as milhares de vidas perdidas e com o número ainda elevado de mortes diárias —e se a chamada “imunidade coletiva” já está próxima de ser atingida ou se poderemos assistir ainda a uma piora da situação.
Enfim, as hipóteses sanitárias, de evolução da renda e do mercado de trabalho, bem como as medidas de política fiscal, apontam para diferentes cenários de interrupção da recuperação econômica.
Um recrudescimento da pandemia pode ser o causador dessa interrupção, a qual pode ocorrer ainda neste ou no próximo ano, até que uma vacina efetiva esteja à disposição da população brasileira. No entanto, ainda que descartemos a hipótese de piora das condições sanitárias, há razões econômicas suficientes para a interrupção da retomada.
O esperado impacto negativo na renda decorrente do enfraquecimento dos programas assistenciais e do fim do programa de proteção ao emprego formal devem interromper a recuperação em curso da demanda privada. Acrescente-se a isso o enfraquecimento da demanda governamental com a retomada do recessivo teto de gastos. Em um contexto de evidente insuficiência de demanda agregada, a esperada contração nos gastos (públicos e privados) inviabilizará qualquer recuperação mais consistente, impondo dificuldades ainda maiores para uma economia que mesmo antes da pandemia ainda sequer havia recuperado o nível do PIB de 2014.
O esperado impacto negativo na renda decorrente do enfraquecimento dos programas assistenciais e do fim do programa de proteção ao emprego formal devem interromper a recuperação em curso da demanda privada. Acrescente-se a isso o enfraquecimento da demanda governamental com a retomada do recessivo teto de gastos. Em um contexto de evidente insuficiência de demanda agregada, a esperada contração nos gastos (públicos e privados) inviabilizará qualquer recuperação mais consistente, impondo dificuldades ainda maiores para uma economia que mesmo antes da pandemia ainda sequer havia recuperado o nível do PIB de 2014.
Sobre os autores
Esther Dweck
Professora do Instituto de Economia da UFRJ, coordenadora do Grupo de Economia do Setor Público (Gesp-IE/UFRJ) e ex-secretária de Orçamento Federal (2015-16, governo Dilma)
Professora do Instituto de Economia da UFRJ, coordenadora do Grupo de Economia do Setor Público (Gesp-IE/UFRJ) e ex-secretária de Orçamento Federal (2015-16, governo Dilma)
Thiago de Moraes Moreira
Consultor em planejamento estratégico e professor do Conselho Regional de Economia (Corecon-RJ) e do Ibmec-RJ
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