Uma entrevista com
Joseph McCarthy discursa na Convenção Nacional Republicana de 1952 em Chicago, Illinois. (Michael Ochs/Getty Images) |
Uma entrevista de
Meagan Day e Micah Uetricht
Tradução / Ao longo dos últimos anos, temos observado um aumento significativo de conservadores que usam e abusam do termo "marxismo". Eles são incapazes de defini-lo, embora geralmente fique bem claro, pelo contexto em que o termo é usado, que a intenção é causar pânico, particularmente vincular todos os socialistas, progressistas e mesmo liberais àquilo que eles consideram ser um legado de totalitarismo e terror.
A direita tem um entendimento tão equivocado a respeito do marxismo que um debate racional sobre seu real significado parece impossível. De qualquer forma, não é nisso que estão interessados – a ideia é tão somente usar o marxismo como um porrete, a fim de esmagar qualquer tipo de projeto político progressista. No entanto, como Kristen Ghodsee e Scott Sehon explicaram à Micah Uetricht e Meagan Day, da Jacobin, não devemos ignorar ou minimizar essa dinâmica, por mais absurda que seja. Pelo contrário, precisamos tentar entender que ideologia está sendo realmente mobilizada, e com que finalidade. Essa ideologia é o anticomunismo, um conjunto de pressupostos e falsas equivalências que vem sendo reforçado por décadas. Como Ghodsee e Sehon afirmaram em um ensaio na Aeon, em 2018, o propósito [do anticomunismo] é “assegurar que as reivindicações por justiça social e redistribuição de renda sejam eternamente equiparadas a campos de trabalho forçado e à fome”.
A tradição socialista democrática sempre se opôs aos abusos do stalinismo. Qualquer socialismo digno deste nome deve ter a democracia em seu centro. O anticomunismo, no entanto, jamais teve a ver com a defesa da liberdade e da democracia – diz respeito apenas à destruição da esquerda e à defesa das atrocidades cometidas em nome do capitalismo. Como Ralph Miliband e Marcel Liebman escreveram em 1984 o anticomunismo:
A tradição socialista democrática sempre se opôs aos abusos do stalinismo. Qualquer socialismo digno deste nome deve ter a democracia em seu centro. O anticomunismo, no entanto, jamais teve a ver com a defesa da liberdade e da democracia – diz respeito apenas à destruição da esquerda e à defesa das atrocidades cometidas em nome do capitalismo. Como Ralph Miliband e Marcel Liebman escreveram em 1984 o anticomunismo:
condena os abusos político e humano das ditaduras comunistas, mas frequentemente tolera, ou simplesmente ignora, os abusos e crimes dos regimes de direita. Tais regimes, não importando quão tirânico e criminoso sejam, podem contar com o firme e permanente apoio dos Estados Unidos e de outros Estados capitalistas. Tudo, é claro, em nome da democracia e da liberdade.
Meagan Day e Micah Uetricht, da Jacobin Magazine, falaram com Ghodsee e Sehon no podcast Vast Majority, abordando tópicos que vão da origem das campanhas de difamação e perseguição contra comunistas nos Estados Unidos, aos problemas de lógica implícitos no argumento anticomunista, e de como era a vida no Bloco Oriental à como a narrativa dos “totalitarismos gêmeos”, equiparando comunismo e nazismo, abriu caminho para a ascensão do fascismo.
A conversa foi editada em extensão e clareza.
Micah Uetricht
O que é o anticomunismo e qual o seu papel na história recente dos Estados Unidos?
Kristen R. Ghodsee
A história do anticomunismo nos Estados Unidos remonta ao anos de 1919 e à primeira ameaça vermelha. Desde então, é algo tão estadunidense quanto torta de maçã e baseball.
O sucesso da Revolução Russa de 1917 despertou em muitos trabalhadores estadunidenses a esperança de que lhes seria possível reimaginar o local de trabalho, torná-lo mais justo e, talvez, possuir alguns dos meios de produção. Desde o início, havia um profundo medo de que tal ideologia nefasta enfraquecesse a plutocracia dos Estados Unidos, a ser ameaçada por trabalhadores exigindo seus direitos.
Depois da Segunda Guerra Mundial, houve um forte movimento comunista e socialista no país, mas houve também disposições profundamente anticomunista. Quando Truman se candidatou à reeleição em 1948, Henry Wallace concorreu como candidato do Partido Progressista e o nível da campanha de difamação e perseguição contra comunistas foi muito severo. Os apoiadores de Wallace perderam seus empregos. Isso acontecia contra o pano de fundo do Comitê da Câmara para Atividades Antiamericanas. Os jovens de hoje aprendem muito sobre macartismo, mas McCarthy veio depois do comitê e da terrível perseguição aos vermelhos durante a campanha presidencial de 1948.
Claro, a única razão para termos sido supostamente contrários ao comunismo foi que ele era antidemocrático, o que é irônico. Mas a razão pela qual o anticomunismo ainda persiste é que ele funciona. Você pode dizer o que quiser sobre os ideais do socialismo, sobre trabalhadores terem mais direitos, sobre taxação e redistribuição, ou até – que Deus nos proteja – regulamentações do setor financeiro e bancário, no entanto, tudo que a oposição precisa fazer é dizer “gulags, expurgos, fome: tudo isso levará a um inferno totalitário”, e o debate acaba aí.
Nesta eleição [de 2020], podemos ver que Trump está ficando sem inimigos imaginários. Imigrantes já não assustam o bastante, terroristas já não assustam o bastante, assim, não me surpreende que tudo esteja ocorrendo outra vez. É muito importante que as pessoas compreendam que isso tem um passado, mas que ela não está necessariamente enraizado na realidade histórica. Houve crimes, mas eles não são toda a história do comunismo ou do socialismo.
Meagan Day
Certo, podemos aludir a crimes nos regimes comunistas do século XX - crimes cujo exame se faz extremamente importante. Porém, como você observa em seu ensaio na Aeon, a alusão àqueles crimes tem sido seguida pela conclusão política de que devemos rejeitar e descartar tudo que esteja remotamente relacionado à ideologia adotada pelos regimes que os cometeram. Assim, esquecemos uma etapa intermediária, a etapa com a qual se estabelece que a ideologia de um regime foi, de fato, responsável por seus crimes.
Scott Sehon
Os anticomunistas vão dizer “cem milhões de pessoas morreram sob o comunismo”, ou vão mostrar a imagem de um homem chinês uniformizado, prestes a executar uma mulher, e dizer “isto é o socialismo”, de modo que a conclusão implícita seja o dever de rejeitar o comunismo e o socialismo. Tal conclusão, no entanto, não procede. Não há vínculo lógico. Você precisa fornecer algum tipo de premissa intermediária para validá-la, e eles não são específicos nesse sentido.
Em nosso artigo buscamos validar esse argumento, ou seja, tentamos fazer com que a conclusão decorresse das premissas conforme a lógica. Para torná-lo válido, poderíamos dizer que, se um país está fundamentado sobre uma ideologia em particular e, então, realiza muitas coisas horríveis, tal ideologia deveria ser rejeitada. Assim, a conclusão de que o comunismo deva ser rejeitado decorreria da afirmação de que muitas coisas horríveis aconteceram sob o comunismo. Mas se este é o argumento, então poderíamos argumentar de forma perfeitamente paralela em relação ao capitalismo, é claro. Bastaria indicar que os Estados Unidos, o Reino Unido e outros países fundamentados na ideologia capitalista têm feito muitas coisas horríveis, e concluiríamos daí que o capitalismo deve ser rejeitado.
No caso de um argumento mais perspicaz, eles poderiam dizer que, se qualquer país fundamentado sobre uma ideologia em particular realiza muitas coisas horríveis, e essas coisas horríveis são conclusões naturais desta ideologia, então a mesma deve ser rejeitada. Isso é razoavelmente plausível. Mas para validar esse argumento você precisa assegurar que a fome, os expurgos e as restrições de direitos sob [os regimes de] Stalin e Mao foram resultados naturais da ideologia comunista.
Assim, coloca-se então a possibilidade de que países fundamentados na ideologia capitalista tenham feito muitas coisas horríveis, que estas coisas sejam conclusões naturais da ideologia capitalista e que, portanto, o capitalismo deva ser rejeitado. Claro, defensores do capitalismo vão dizer que tais coisas horríveis não são resultados naturais da ideologia capitalista. Eles vão perguntar “onde Adam Smith disse que deveríamos escravizar pessoas?” Nós deixamos isso meio que de lado em nosso artigo, no entanto, é realmente um pouco mais difícil para os capitalistas defender sua posição.
Milton Friedman se notabilizou por aquilo que ele chamara de doutrina Friedman, onde basicamente sustentava que os capitalistas devem fazer de tudo para gerar a maior quantidade de dinheiro, e que eles estariam violando suas obrigações com os acionistas caso se preocupassem com os bens sociais, como evitar a poluição ou acabar com a discriminação, uma vez que seu trabalho é fazer tanto dinheiro quanto as regras da sociedade os permitam fazer. Pois bem, no pré-Guerra Civil dos EUA as regras da sociedade permitiam a escravização de seres humanos. Logo, segundo o argumento do próprio Friedman, aqueles que administravam engenhos tinham a absoluta obrigação moral de escravizar pessoas, pois esta era a forma pela qual fariam tanto dinheiro quanto possível, até que as regras do jogo mudassem.
Assim, é mais difícil para os capitalistas sustentar que algumas das muitas coisas horríveis não decorrem da ideologia do capitalismo em determinadas condições sociais.
Meagan Day
Não apenas inexiste nos escritos de Marx e Engels algo que indique a necessidade de quaisquer um dos processos que culminaram nos casos de fome e expurgos, como também é o caso de ter havido fome em massa na Índia e na China no fim do século XIX, sob a supervisão colonial do Reino Unido, conforme Mike Davis escreve em seu livro Late Victorian Holocaust.
Em A Riqueza das Nações, você pode encontrar citações diretas de Adam Smith dizendo, por exemplo, que "A fome jamais surgiu por qualquer outro motivo que não a violência de um governo que tenta, por meios impróprios, remediar a inconveniência da escassez", ou seja, que a razão da fome é a excessiva interferência governamental, de onde se conclui que o governo precisaria recuar e permitir que as coisas seguissem seu curso natural, que os preços se reajustassem e um equilíbrio se reestabelecesse sozinhos. Os britânicos simplesmente seguiram esta orientação, levando à morte 10 milhões de pessoas na Índia e na China.
Dado este exemplo, acho que podemos argumentar, com muito mais firmeza, que o número de mortos do capitalismo está atrelado à sua ideologia, enquanto o número de mortos do comunismo - que reconhecemos existir, é claro, embora não chegue perto do fictício número de "cem milhões" - não pode ser rastreado na ideologia abraçada por Marx e Engels.
Micah Uetricht
Esse número foi arquitetado em O Livro Negro do Comunismo e é contestado desde o lançamento do livro nos anos de 1990. Mas a ideia por trás dele é igualar comunismo a nazismo, o que tem tido sucesso. O que há de errado com essa reivindicação?
Scott Sehon
Mesmo deixando de lado o fato de que O Livro Negro do Comunismo atribui 100 milhões de mortos ao comunismo e apenas 25 milhões aos nazistas, porque eles não contam os mortos de guerra por algum motivo, a ideia dos totalitarismos gêmeos não se sustenta. A ideologia nazista era racista até à raiz. Os nazistas colocavam os alemães arianos acima de todos os outros, e eles reivindicavam expansão territorial e autarquia. A guerra, assim como o sistemático maus-tratos e assassinatos de judeus, estavam na essência daquilo que Hitler vinha falando. O número de mortos do nazismo está diretamente relacionado à sua ideologia de uma maneira que número de mortos do comunismo no século XX não está.
Kristen R. Ghodsee
Stéphane Courtois, editor de O Livro Negro do Comunismo, estava desesperado para chegar ao número de 100 milhões – tão desesperado, na verdade, que dois de seus mais destacados colaboradores, Nicolas Werth e Jean-Louis Margolin, repudiaram o livro assim que foi lançado, pois eles perceberam que Courtois estava falsificando os números.
Não é coincidência que o livro tenha sido publicado nos anos de 1990. Durante toda aquela década existiu um projeto para equiparar o nazismo ao comunismo. Grande parte disso teve origem na Alemanha, que naquele tempo tentava se reunificar e, é claro, muitos alemães orientais não estavam felizes com o caminho que a reunificação estava tomando. Assim, a resposta foi uma forte narrativa ocidental sobre o quão terrível e totalitária era a vida na Alemanha Oriental – o Stasi, o muro de Berlim, a escassez de produtos e as restrições de viagens. Ainda que isso não refletisse necessariamente as lembranças que as pessoas tinham daquele período, tornou-se uma narrativa poderosa e dominante que, aos poucos, começou a se esgueirar da Alemanha para todo o Leste Europeu.
A razão desta narrativa ter sido tão importante se deve ao fato de que, nos anos de 1990, quase todos os países do Leste Europeu viveram depressões mais longas e profundas do que a Grande Depressão nos Estados Unidos. Muitas pessoas não percebem o quão devastador foi o colapso daquelas economias após 1989, ou 1991 se considerarmos as ex-repúblicas da União Soviética. O esforço para estabelecer o capitalismo por cima de economias estatais causou um enorme sofrimento aos países do Leste Europeu.
Enquanto isso, aqueles países estavam sendo transformados não apenas em economias de mercado, mas em democracias, o que significava que as pessoas teriam o direito de votar. E é óbvio que elas queriam rejeitar todas aquelas reformas neoliberais que estavam lhes enfiando goela abaixo. Muitas pessoas se tornaram extremamente nostálgicas do passado comunista e pensavam cada vez mais em como as coisas poderiam ter sido se tivessem seguido uma terceira via.
É nesse momento que você encontrará, no Leste Europeu, uma incrível e hegemônica discussão a respeito dos crimes do comunismo, equiparando-o ao nazismo. Museus são abertos. A União Europeia cria uma data para homenagear as vítimas do nazismo e do stalinismo. Em 2018, na Europa, um grupo de políticos liberais de direita assinam a Plataforma da Memória e Consciência Europeia, promovendo a narrativa dos totalitarismos gêmeos.
Alguns de meus colegas na Romênia chamam a isto de “comunismo zumbi”, ou “socialismo zumbi”, que nada mais é do que uma forma de convencer as pessoas a não votarem em partidos de esquerda, nem defenderem quaisquer tipos de programas sociais coletivos. É importante saber que, no Leste Europeu, pessoas cujos pais e avós foram expropriados sob o comunismo no Leste Europeu tiveram as propriedades restituídas a elas, ou seja, estavam literalmente recebendo propriedades durante as privatizações dos anos de 1990. Assim, insinuar que aqueles regimes comunistas realmente expropriaram a propriedade seria, antes de mais nada, uma verdadeira ameaça à propriedade recebida. Não se tratava apenas de ideologia – era também do interesse econômico imediato das pessoas.
Até mesmo o Holocausto seria negado a serviço dessa narrativa. Eu poderia dar exemplos da Letônia, Romênia, Bulgária – tomemos o caso búlgaro. Uma das “vítimas do comunismo” foi o ministro do Interior que assinou os mandados autorizando a deportação de judeus trácios e macedônios para [o campo de concentração nazista de] Treblinka.
O discurso dos totalitarismos gêmeos equipara o nazismo ao comunismo, ou a quaisquer tipo de política de esquerda. Como resultado, mesmo o socialismo democrático, e os trabalhadores e cidadãos comuns que se indignam com a plutocracia e recorrem ao sistema político para lutarem por seus direitos, acabam sendo automaticamente associados aos piores crimes de Stalin, aos gulags, expurgos e à fome.
Quando isso começou a acontecer, as elites olharam em volta e disseram: “temos radicais de esquerda e radicais de direita, mas já que eles são moralmente equivalentes, os radicais de direita [ao menos] são aqueles que irão proteger melhor nossa propriedade, então estamos com eles”. Dessa forma, a narrativa dos totalitarismos gêmeos abriu o caminho para o ressurgimento do fascismo.
Micah Uetricht
O anticomunismo liberal tem um longo histórico nos Estados Unidos, e ele reivindica a defensa das liberdades de expressão e associação, e dos valores liberais essenciais. Contudo, ao seguir o anticomunismo até sua conclusão lógica, como os Estados Unidos têm demonstrado repetidamente, você acabará apoiando as atrocidades dos regimes antidemocráticos de direita.
Kristen R. Ghodsee
Exatamente, os Estados Unidos implantaram Pinochet sobre Allende no Chile. Podemos pensar em muitos outros exemplos. Na Indonésia, um milhão de pessoas foram assassinadas por conta de uma história a respeito de um grupo de supostos comunistas que teria matado alguns generais. A história que incitou a violência dizia que os generais foram supostamente assassinados por mulheres comunistas que teriam arrancado seus genitais e, ato contínuo, realizado uma grande orgia comunista.
Essa história, contada e promovida pelos estadunidenses, criou um absoluto caos na Indonésia. Posteriormente os corpos dos generais foram exumados, evidenciando que essa mentira tinha sido inventada, uma completa fantasmagoria. Ainda assim, se você ler sobre os assassinatos em massa na Indonésia em 1965, verá que as pessoas continuam culpando as mulheres comunistas.
Meagan Day
O elemento da absurdidade e a histeria, frequentemente encontrados no anticomunismo, me lembram dois tuítes que li recentemente.
O primeiro é de Scott Adams, criador dos quadrinhos Dilbert, que tuitou “Me pergunto se o movimento Black Lives Matter sabe que o Antifa era aliado de Hitler e o ajudara a chegar ao poder. Parece que isso seria uma fonte de tensão, dado o foco do BLM à história. O Antifa deveria reparações a todos que perderam familiares ou propriedades para a Alemanha Nazista?”. Esse é um bom exemplo da típica equiparação entre extrema esquerda e extrema direita, mas absolutamente incoerente, como muitas das expressões do anticomunismo.
O segundo é de Katie Daviscourt, representante da Turning Point USA, que tuitou, “Sabe o que é irônico? Democratas LGBTQ+ se rebelando, saqueando e queimando nossas cidades para trazerem o marxismo aos Estados Unidos, embora Karl Marx literalmente assassinasse todos que fossem gays!”. Aqui a equiparação não é apenas de toda a esquerda com os piores abusos do comunismo no século XX, mas literalmente de Karl Marx com Joseph Stalin, o que imagino seja o erro que explique o disparate desse tuite. Mais uma vez filtrado de forma caleidoscópica do meio da insanidade da cultura contemporânea.
Scott Sehon
Estes aí são impressionantes! Eu gostava do Dilbert, sabe como é, parecia um cartoon muito bom. Enfim, uma coisa que pode ser observada aqui é a estratégia anticomunista que, simplesmente, joga tudo no mesmo saco de horrores. Ano passado, Rand Paul fez explicitamente isso em seu livro The Case Against Socialism. Ele escreveu um capítulo inteiro tentando demonstrar que os nazistas eram socialistas. Seus argumentos são terríveis, e o principal deles é o fato de que o termo “socialista” estava bem ali na denominação Nacional-Socialistas. No entanto, se a República Democrática Alemã [parte do bloco socialista] não era propriamente democrática, então o argumento cai por terra imediatamente.
Mas eles não estão de fato tentando apelar à razão. Não é essa a estratégia. A estratégia é tão somente fazer essas associações emocionais e criar um efeito cognitivo enviesado. Seja o viés negativo ou positivo, todas as nuances são perdidas. Tudo se torna preto e branco e nada pode ser pior do que ser igualado aos nazistas, e se você tiver sucesso em associar alguém aos nazistas, esse alguém será jogado no mesmo saco de horrores. Da mesma forma, não poderíamos aprender coisa alguma com os sucessos obtidos pelos países do bloco soviético, porque eles também tiveram muitos fracassos. Eles sofrem o enviesamento negativo [efeito pitchfork].
É evidente que os conservadores gostam de reivindicar para si o monopólio da lógica e da razão, e que os comunistas e socialistas não seriam capazes de pensar de forma clara e rigorosa. Mas basta olhar bem de perto seus argumentos, e eles caem por terra.
Kristen R. Ghodsee
A incoerência é parte da coisa. Eles estão tentando incitar emocionalmente as pessoas. Eles estão nos incitando sendo estúpidos e absurdos, mas também estão incitando aqueles que estão menos conscientes das nuances da história, e o fazem associando palavras a palavras-chave que invoquem algo ruim . Não importa qual seja a relação entre elas. É uma salada de termos que afetam emocionalmente as pessoas. Elas pensam, "eu vou apoiar Trump porque preciso enfrentar esses nazis-antifas-judeus-gays-assassinos-saqueadores-negros"...
A conversa foi editada em extensão e clareza.
Micah Uetricht
O que é o anticomunismo e qual o seu papel na história recente dos Estados Unidos?
Kristen R. Ghodsee
A história do anticomunismo nos Estados Unidos remonta ao anos de 1919 e à primeira ameaça vermelha. Desde então, é algo tão estadunidense quanto torta de maçã e baseball.
O sucesso da Revolução Russa de 1917 despertou em muitos trabalhadores estadunidenses a esperança de que lhes seria possível reimaginar o local de trabalho, torná-lo mais justo e, talvez, possuir alguns dos meios de produção. Desde o início, havia um profundo medo de que tal ideologia nefasta enfraquecesse a plutocracia dos Estados Unidos, a ser ameaçada por trabalhadores exigindo seus direitos.
Depois da Segunda Guerra Mundial, houve um forte movimento comunista e socialista no país, mas houve também disposições profundamente anticomunista. Quando Truman se candidatou à reeleição em 1948, Henry Wallace concorreu como candidato do Partido Progressista e o nível da campanha de difamação e perseguição contra comunistas foi muito severo. Os apoiadores de Wallace perderam seus empregos. Isso acontecia contra o pano de fundo do Comitê da Câmara para Atividades Antiamericanas. Os jovens de hoje aprendem muito sobre macartismo, mas McCarthy veio depois do comitê e da terrível perseguição aos vermelhos durante a campanha presidencial de 1948.
Claro, a única razão para termos sido supostamente contrários ao comunismo foi que ele era antidemocrático, o que é irônico. Mas a razão pela qual o anticomunismo ainda persiste é que ele funciona. Você pode dizer o que quiser sobre os ideais do socialismo, sobre trabalhadores terem mais direitos, sobre taxação e redistribuição, ou até – que Deus nos proteja – regulamentações do setor financeiro e bancário, no entanto, tudo que a oposição precisa fazer é dizer “gulags, expurgos, fome: tudo isso levará a um inferno totalitário”, e o debate acaba aí.
Nesta eleição [de 2020], podemos ver que Trump está ficando sem inimigos imaginários. Imigrantes já não assustam o bastante, terroristas já não assustam o bastante, assim, não me surpreende que tudo esteja ocorrendo outra vez. É muito importante que as pessoas compreendam que isso tem um passado, mas que ela não está necessariamente enraizado na realidade histórica. Houve crimes, mas eles não são toda a história do comunismo ou do socialismo.
Meagan Day
Certo, podemos aludir a crimes nos regimes comunistas do século XX - crimes cujo exame se faz extremamente importante. Porém, como você observa em seu ensaio na Aeon, a alusão àqueles crimes tem sido seguida pela conclusão política de que devemos rejeitar e descartar tudo que esteja remotamente relacionado à ideologia adotada pelos regimes que os cometeram. Assim, esquecemos uma etapa intermediária, a etapa com a qual se estabelece que a ideologia de um regime foi, de fato, responsável por seus crimes.
Scott Sehon
Os anticomunistas vão dizer “cem milhões de pessoas morreram sob o comunismo”, ou vão mostrar a imagem de um homem chinês uniformizado, prestes a executar uma mulher, e dizer “isto é o socialismo”, de modo que a conclusão implícita seja o dever de rejeitar o comunismo e o socialismo. Tal conclusão, no entanto, não procede. Não há vínculo lógico. Você precisa fornecer algum tipo de premissa intermediária para validá-la, e eles não são específicos nesse sentido.
Em nosso artigo buscamos validar esse argumento, ou seja, tentamos fazer com que a conclusão decorresse das premissas conforme a lógica. Para torná-lo válido, poderíamos dizer que, se um país está fundamentado sobre uma ideologia em particular e, então, realiza muitas coisas horríveis, tal ideologia deveria ser rejeitada. Assim, a conclusão de que o comunismo deva ser rejeitado decorreria da afirmação de que muitas coisas horríveis aconteceram sob o comunismo. Mas se este é o argumento, então poderíamos argumentar de forma perfeitamente paralela em relação ao capitalismo, é claro. Bastaria indicar que os Estados Unidos, o Reino Unido e outros países fundamentados na ideologia capitalista têm feito muitas coisas horríveis, e concluiríamos daí que o capitalismo deve ser rejeitado.
No caso de um argumento mais perspicaz, eles poderiam dizer que, se qualquer país fundamentado sobre uma ideologia em particular realiza muitas coisas horríveis, e essas coisas horríveis são conclusões naturais desta ideologia, então a mesma deve ser rejeitada. Isso é razoavelmente plausível. Mas para validar esse argumento você precisa assegurar que a fome, os expurgos e as restrições de direitos sob [os regimes de] Stalin e Mao foram resultados naturais da ideologia comunista.
Assim, coloca-se então a possibilidade de que países fundamentados na ideologia capitalista tenham feito muitas coisas horríveis, que estas coisas sejam conclusões naturais da ideologia capitalista e que, portanto, o capitalismo deva ser rejeitado. Claro, defensores do capitalismo vão dizer que tais coisas horríveis não são resultados naturais da ideologia capitalista. Eles vão perguntar “onde Adam Smith disse que deveríamos escravizar pessoas?” Nós deixamos isso meio que de lado em nosso artigo, no entanto, é realmente um pouco mais difícil para os capitalistas defender sua posição.
Milton Friedman se notabilizou por aquilo que ele chamara de doutrina Friedman, onde basicamente sustentava que os capitalistas devem fazer de tudo para gerar a maior quantidade de dinheiro, e que eles estariam violando suas obrigações com os acionistas caso se preocupassem com os bens sociais, como evitar a poluição ou acabar com a discriminação, uma vez que seu trabalho é fazer tanto dinheiro quanto as regras da sociedade os permitam fazer. Pois bem, no pré-Guerra Civil dos EUA as regras da sociedade permitiam a escravização de seres humanos. Logo, segundo o argumento do próprio Friedman, aqueles que administravam engenhos tinham a absoluta obrigação moral de escravizar pessoas, pois esta era a forma pela qual fariam tanto dinheiro quanto possível, até que as regras do jogo mudassem.
Assim, é mais difícil para os capitalistas sustentar que algumas das muitas coisas horríveis não decorrem da ideologia do capitalismo em determinadas condições sociais.
Meagan Day
Não apenas inexiste nos escritos de Marx e Engels algo que indique a necessidade de quaisquer um dos processos que culminaram nos casos de fome e expurgos, como também é o caso de ter havido fome em massa na Índia e na China no fim do século XIX, sob a supervisão colonial do Reino Unido, conforme Mike Davis escreve em seu livro Late Victorian Holocaust.
Em A Riqueza das Nações, você pode encontrar citações diretas de Adam Smith dizendo, por exemplo, que "A fome jamais surgiu por qualquer outro motivo que não a violência de um governo que tenta, por meios impróprios, remediar a inconveniência da escassez", ou seja, que a razão da fome é a excessiva interferência governamental, de onde se conclui que o governo precisaria recuar e permitir que as coisas seguissem seu curso natural, que os preços se reajustassem e um equilíbrio se reestabelecesse sozinhos. Os britânicos simplesmente seguiram esta orientação, levando à morte 10 milhões de pessoas na Índia e na China.
Dado este exemplo, acho que podemos argumentar, com muito mais firmeza, que o número de mortos do capitalismo está atrelado à sua ideologia, enquanto o número de mortos do comunismo - que reconhecemos existir, é claro, embora não chegue perto do fictício número de "cem milhões" - não pode ser rastreado na ideologia abraçada por Marx e Engels.
Micah Uetricht
Esse número foi arquitetado em O Livro Negro do Comunismo e é contestado desde o lançamento do livro nos anos de 1990. Mas a ideia por trás dele é igualar comunismo a nazismo, o que tem tido sucesso. O que há de errado com essa reivindicação?
Scott Sehon
Mesmo deixando de lado o fato de que O Livro Negro do Comunismo atribui 100 milhões de mortos ao comunismo e apenas 25 milhões aos nazistas, porque eles não contam os mortos de guerra por algum motivo, a ideia dos totalitarismos gêmeos não se sustenta. A ideologia nazista era racista até à raiz. Os nazistas colocavam os alemães arianos acima de todos os outros, e eles reivindicavam expansão territorial e autarquia. A guerra, assim como o sistemático maus-tratos e assassinatos de judeus, estavam na essência daquilo que Hitler vinha falando. O número de mortos do nazismo está diretamente relacionado à sua ideologia de uma maneira que número de mortos do comunismo no século XX não está.
Kristen R. Ghodsee
Stéphane Courtois, editor de O Livro Negro do Comunismo, estava desesperado para chegar ao número de 100 milhões – tão desesperado, na verdade, que dois de seus mais destacados colaboradores, Nicolas Werth e Jean-Louis Margolin, repudiaram o livro assim que foi lançado, pois eles perceberam que Courtois estava falsificando os números.
Não é coincidência que o livro tenha sido publicado nos anos de 1990. Durante toda aquela década existiu um projeto para equiparar o nazismo ao comunismo. Grande parte disso teve origem na Alemanha, que naquele tempo tentava se reunificar e, é claro, muitos alemães orientais não estavam felizes com o caminho que a reunificação estava tomando. Assim, a resposta foi uma forte narrativa ocidental sobre o quão terrível e totalitária era a vida na Alemanha Oriental – o Stasi, o muro de Berlim, a escassez de produtos e as restrições de viagens. Ainda que isso não refletisse necessariamente as lembranças que as pessoas tinham daquele período, tornou-se uma narrativa poderosa e dominante que, aos poucos, começou a se esgueirar da Alemanha para todo o Leste Europeu.
A razão desta narrativa ter sido tão importante se deve ao fato de que, nos anos de 1990, quase todos os países do Leste Europeu viveram depressões mais longas e profundas do que a Grande Depressão nos Estados Unidos. Muitas pessoas não percebem o quão devastador foi o colapso daquelas economias após 1989, ou 1991 se considerarmos as ex-repúblicas da União Soviética. O esforço para estabelecer o capitalismo por cima de economias estatais causou um enorme sofrimento aos países do Leste Europeu.
Enquanto isso, aqueles países estavam sendo transformados não apenas em economias de mercado, mas em democracias, o que significava que as pessoas teriam o direito de votar. E é óbvio que elas queriam rejeitar todas aquelas reformas neoliberais que estavam lhes enfiando goela abaixo. Muitas pessoas se tornaram extremamente nostálgicas do passado comunista e pensavam cada vez mais em como as coisas poderiam ter sido se tivessem seguido uma terceira via.
É nesse momento que você encontrará, no Leste Europeu, uma incrível e hegemônica discussão a respeito dos crimes do comunismo, equiparando-o ao nazismo. Museus são abertos. A União Europeia cria uma data para homenagear as vítimas do nazismo e do stalinismo. Em 2018, na Europa, um grupo de políticos liberais de direita assinam a Plataforma da Memória e Consciência Europeia, promovendo a narrativa dos totalitarismos gêmeos.
Alguns de meus colegas na Romênia chamam a isto de “comunismo zumbi”, ou “socialismo zumbi”, que nada mais é do que uma forma de convencer as pessoas a não votarem em partidos de esquerda, nem defenderem quaisquer tipos de programas sociais coletivos. É importante saber que, no Leste Europeu, pessoas cujos pais e avós foram expropriados sob o comunismo no Leste Europeu tiveram as propriedades restituídas a elas, ou seja, estavam literalmente recebendo propriedades durante as privatizações dos anos de 1990. Assim, insinuar que aqueles regimes comunistas realmente expropriaram a propriedade seria, antes de mais nada, uma verdadeira ameaça à propriedade recebida. Não se tratava apenas de ideologia – era também do interesse econômico imediato das pessoas.
Até mesmo o Holocausto seria negado a serviço dessa narrativa. Eu poderia dar exemplos da Letônia, Romênia, Bulgária – tomemos o caso búlgaro. Uma das “vítimas do comunismo” foi o ministro do Interior que assinou os mandados autorizando a deportação de judeus trácios e macedônios para [o campo de concentração nazista de] Treblinka.
O discurso dos totalitarismos gêmeos equipara o nazismo ao comunismo, ou a quaisquer tipo de política de esquerda. Como resultado, mesmo o socialismo democrático, e os trabalhadores e cidadãos comuns que se indignam com a plutocracia e recorrem ao sistema político para lutarem por seus direitos, acabam sendo automaticamente associados aos piores crimes de Stalin, aos gulags, expurgos e à fome.
Quando isso começou a acontecer, as elites olharam em volta e disseram: “temos radicais de esquerda e radicais de direita, mas já que eles são moralmente equivalentes, os radicais de direita [ao menos] são aqueles que irão proteger melhor nossa propriedade, então estamos com eles”. Dessa forma, a narrativa dos totalitarismos gêmeos abriu o caminho para o ressurgimento do fascismo.
Micah Uetricht
O anticomunismo liberal tem um longo histórico nos Estados Unidos, e ele reivindica a defensa das liberdades de expressão e associação, e dos valores liberais essenciais. Contudo, ao seguir o anticomunismo até sua conclusão lógica, como os Estados Unidos têm demonstrado repetidamente, você acabará apoiando as atrocidades dos regimes antidemocráticos de direita.
Kristen R. Ghodsee
Exatamente, os Estados Unidos implantaram Pinochet sobre Allende no Chile. Podemos pensar em muitos outros exemplos. Na Indonésia, um milhão de pessoas foram assassinadas por conta de uma história a respeito de um grupo de supostos comunistas que teria matado alguns generais. A história que incitou a violência dizia que os generais foram supostamente assassinados por mulheres comunistas que teriam arrancado seus genitais e, ato contínuo, realizado uma grande orgia comunista.
Essa história, contada e promovida pelos estadunidenses, criou um absoluto caos na Indonésia. Posteriormente os corpos dos generais foram exumados, evidenciando que essa mentira tinha sido inventada, uma completa fantasmagoria. Ainda assim, se você ler sobre os assassinatos em massa na Indonésia em 1965, verá que as pessoas continuam culpando as mulheres comunistas.
Meagan Day
O elemento da absurdidade e a histeria, frequentemente encontrados no anticomunismo, me lembram dois tuítes que li recentemente.
O primeiro é de Scott Adams, criador dos quadrinhos Dilbert, que tuitou “Me pergunto se o movimento Black Lives Matter sabe que o Antifa era aliado de Hitler e o ajudara a chegar ao poder. Parece que isso seria uma fonte de tensão, dado o foco do BLM à história. O Antifa deveria reparações a todos que perderam familiares ou propriedades para a Alemanha Nazista?”. Esse é um bom exemplo da típica equiparação entre extrema esquerda e extrema direita, mas absolutamente incoerente, como muitas das expressões do anticomunismo.
O segundo é de Katie Daviscourt, representante da Turning Point USA, que tuitou, “Sabe o que é irônico? Democratas LGBTQ+ se rebelando, saqueando e queimando nossas cidades para trazerem o marxismo aos Estados Unidos, embora Karl Marx literalmente assassinasse todos que fossem gays!”. Aqui a equiparação não é apenas de toda a esquerda com os piores abusos do comunismo no século XX, mas literalmente de Karl Marx com Joseph Stalin, o que imagino seja o erro que explique o disparate desse tuite. Mais uma vez filtrado de forma caleidoscópica do meio da insanidade da cultura contemporânea.
Scott Sehon
Estes aí são impressionantes! Eu gostava do Dilbert, sabe como é, parecia um cartoon muito bom. Enfim, uma coisa que pode ser observada aqui é a estratégia anticomunista que, simplesmente, joga tudo no mesmo saco de horrores. Ano passado, Rand Paul fez explicitamente isso em seu livro The Case Against Socialism. Ele escreveu um capítulo inteiro tentando demonstrar que os nazistas eram socialistas. Seus argumentos são terríveis, e o principal deles é o fato de que o termo “socialista” estava bem ali na denominação Nacional-Socialistas. No entanto, se a República Democrática Alemã [parte do bloco socialista] não era propriamente democrática, então o argumento cai por terra imediatamente.
Mas eles não estão de fato tentando apelar à razão. Não é essa a estratégia. A estratégia é tão somente fazer essas associações emocionais e criar um efeito cognitivo enviesado. Seja o viés negativo ou positivo, todas as nuances são perdidas. Tudo se torna preto e branco e nada pode ser pior do que ser igualado aos nazistas, e se você tiver sucesso em associar alguém aos nazistas, esse alguém será jogado no mesmo saco de horrores. Da mesma forma, não poderíamos aprender coisa alguma com os sucessos obtidos pelos países do bloco soviético, porque eles também tiveram muitos fracassos. Eles sofrem o enviesamento negativo [efeito pitchfork].
É evidente que os conservadores gostam de reivindicar para si o monopólio da lógica e da razão, e que os comunistas e socialistas não seriam capazes de pensar de forma clara e rigorosa. Mas basta olhar bem de perto seus argumentos, e eles caem por terra.
Kristen R. Ghodsee
A incoerência é parte da coisa. Eles estão tentando incitar emocionalmente as pessoas. Eles estão nos incitando sendo estúpidos e absurdos, mas também estão incitando aqueles que estão menos conscientes das nuances da história, e o fazem associando palavras a palavras-chave que invoquem algo ruim . Não importa qual seja a relação entre elas. É uma salada de termos que afetam emocionalmente as pessoas. Elas pensam, "eu vou apoiar Trump porque preciso enfrentar esses nazis-antifas-judeus-gays-assassinos-saqueadores-negros"...
Micah Uetricht
... que irão cortar seus genitais!
Kristen R. Ghodsee
Exato. E acho importante aqui ressaltar que isso é eficaz. Mesmo que seja estúpido, funciona! É muito fácil, para eles, fazer o que Scott está dizendo, criar esse viés cognitivo negativo [efeito pitchfork] no qual toda a história do comunismo, do socialismo democrático, do marxismo, do anarquismo e afins, é reduzida aos piores crimes do stalinismo na década de 1930. Assim, todas as nuances e complexidades da região desaparecem.
Não é levado em conta o fato de que a Iugoslávia não estava alinhada; de que na Hungria existiu o assim chamado “Comunismo Goulash” e seu sistema secundário de livre mercado; de que havia impulsos democráticos em lugares como a Checoslováquia, onde tentavam realizar o “socialismo com uma face humana”; de que o Solidariedade, na Polônia, foi um movimento de reforma entre os trabalhadores; de que, mesmo na União Soviética, a Glasnost e a Perestroika foram políticas concebidas para reformar aquilo que eles reconheciam ser um sistema em queda.
Todas as nuances de como era a vida sob o comunismo na Europa Orienta são apagadas. Passei a maior parte de 25 anos realizando pesquisas na Europa Oriental e tenho muitos amigos e familiares nessa parte do mundo. Quem viveu sob o comunismo irá nos contar algumas coisas definitivamente negativas. No entanto, todos eles também têm muitos álbuns de fotos e filmes caseiros daquilo que lhes parece uma vida totalmente normal sob o socialismo.
Meu livro, Por que as mulheres têm melhor sexo sob o socialismo, foi traduzido para o polonês, checo e alemão, e acaba de ser lançado na Rússia. Tenho recebido muitos e-mails dizendo “Obrigado por dizer às pessoas que nossas vidas não eram assim tão ruins. Elas não eram incríveis, mas não eram ruins”. Pessoas da região que viveram sob o comunismo, especialmente aquelas que ainda estão por lá, têm uma percepção muito mais matizada de como era a vida. Uma forma de mitigar os efeitos do anticomunismo é remover esse véu, essa terrível lente pela qual sempre olhamos a Europa Oriental.
E tudo isso sequer diz respeito ao que vemos quando olhamos para além do Bloco Oriental, para o Iêmen e Cuba, para os sandinistas na Nicarágua, ou para o Vietnã e a China, sem falar dos partidos sociais democratas na Europa Ocidental ou dos partidos comunistas que estão participando do processo democrático em lugares como a Índia. Você não pode reduzir tudo isso aos crimes de Stalin.
Mas a razão para que eles criem este viés cognitivo negativo [efeito pitchfork] é poder usá-lo como um porrete a fim de esmagar os sonhos políticos da esquerda. É um método realmente desonesto que coloca uma camisa de força na imaginação dos mais jovens.
Scott Sehon
A. E. Housman tem uma ótima frase: “um momento de reflexão lhes teria mostrado. Mas um momento é muito tempo, e pensar é um processo doloroso.” Acho que isso subjaz à grande parte do debate. As pessoas não querem ter que pensar sobre nada disso. Elas querem narrativas simplistas porque assim é muito mais fácil.
Colaboradores
Kristen R. Ghodsee é professora de Estudos Russos e do Leste Europeu e membro do Grupo de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade da Pensilvânia. Etnógrafa premiada e autora especializada na experiência vivida do socialismo e do pós-socialismo na Europa Oriental, ela escreveu nove livros, e seus inúmeros artigos e ensaios foram traduzidos para mais de uma dúzia de idiomas e apareceram em publicações como Aeon, Dissent, Foreign A airs, Jacobin, e World Policy Journal, e New Republic, Ms. Magazine, e Washington Post, Lancet e New York Times.
Micah Uetricht é o editor-chefe de Jacobin e apresentador de The Vast Majority, da Jacobin Radio. Ele é o autor de Strike for "America: Chicago Teachers Against Austerity" e co-autor de "Bernie: How We Go from the Sanders Campaign to Democratic Socialism".
Meagan Day faz parte da equipe de articulistas da Jacobin.
Scott Sehon é professor de filosofia na Bowdoin College e autor de "Free Will and Action Explanation". Atualmente ele está trabalhando em um livro chamado "Socialism for Smart People".
Kristen R. Ghodsee
Exato. E acho importante aqui ressaltar que isso é eficaz. Mesmo que seja estúpido, funciona! É muito fácil, para eles, fazer o que Scott está dizendo, criar esse viés cognitivo negativo [efeito pitchfork] no qual toda a história do comunismo, do socialismo democrático, do marxismo, do anarquismo e afins, é reduzida aos piores crimes do stalinismo na década de 1930. Assim, todas as nuances e complexidades da região desaparecem.
Não é levado em conta o fato de que a Iugoslávia não estava alinhada; de que na Hungria existiu o assim chamado “Comunismo Goulash” e seu sistema secundário de livre mercado; de que havia impulsos democráticos em lugares como a Checoslováquia, onde tentavam realizar o “socialismo com uma face humana”; de que o Solidariedade, na Polônia, foi um movimento de reforma entre os trabalhadores; de que, mesmo na União Soviética, a Glasnost e a Perestroika foram políticas concebidas para reformar aquilo que eles reconheciam ser um sistema em queda.
Todas as nuances de como era a vida sob o comunismo na Europa Orienta são apagadas. Passei a maior parte de 25 anos realizando pesquisas na Europa Oriental e tenho muitos amigos e familiares nessa parte do mundo. Quem viveu sob o comunismo irá nos contar algumas coisas definitivamente negativas. No entanto, todos eles também têm muitos álbuns de fotos e filmes caseiros daquilo que lhes parece uma vida totalmente normal sob o socialismo.
Meu livro, Por que as mulheres têm melhor sexo sob o socialismo, foi traduzido para o polonês, checo e alemão, e acaba de ser lançado na Rússia. Tenho recebido muitos e-mails dizendo “Obrigado por dizer às pessoas que nossas vidas não eram assim tão ruins. Elas não eram incríveis, mas não eram ruins”. Pessoas da região que viveram sob o comunismo, especialmente aquelas que ainda estão por lá, têm uma percepção muito mais matizada de como era a vida. Uma forma de mitigar os efeitos do anticomunismo é remover esse véu, essa terrível lente pela qual sempre olhamos a Europa Oriental.
E tudo isso sequer diz respeito ao que vemos quando olhamos para além do Bloco Oriental, para o Iêmen e Cuba, para os sandinistas na Nicarágua, ou para o Vietnã e a China, sem falar dos partidos sociais democratas na Europa Ocidental ou dos partidos comunistas que estão participando do processo democrático em lugares como a Índia. Você não pode reduzir tudo isso aos crimes de Stalin.
Mas a razão para que eles criem este viés cognitivo negativo [efeito pitchfork] é poder usá-lo como um porrete a fim de esmagar os sonhos políticos da esquerda. É um método realmente desonesto que coloca uma camisa de força na imaginação dos mais jovens.
Scott Sehon
A. E. Housman tem uma ótima frase: “um momento de reflexão lhes teria mostrado. Mas um momento é muito tempo, e pensar é um processo doloroso.” Acho que isso subjaz à grande parte do debate. As pessoas não querem ter que pensar sobre nada disso. Elas querem narrativas simplistas porque assim é muito mais fácil.
Colaboradores
Kristen R. Ghodsee é professora de Estudos Russos e do Leste Europeu e membro do Grupo de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade da Pensilvânia. Etnógrafa premiada e autora especializada na experiência vivida do socialismo e do pós-socialismo na Europa Oriental, ela escreveu nove livros, e seus inúmeros artigos e ensaios foram traduzidos para mais de uma dúzia de idiomas e apareceram em publicações como Aeon, Dissent, Foreign A airs, Jacobin, e World Policy Journal, e New Republic, Ms. Magazine, e Washington Post, Lancet e New York Times.
Micah Uetricht é o editor-chefe de Jacobin e apresentador de The Vast Majority, da Jacobin Radio. Ele é o autor de Strike for "America: Chicago Teachers Against Austerity" e co-autor de "Bernie: How We Go from the Sanders Campaign to Democratic Socialism".
Meagan Day faz parte da equipe de articulistas da Jacobin.
Scott Sehon é professor de filosofia na Bowdoin College e autor de "Free Will and Action Explanation". Atualmente ele está trabalhando em um livro chamado "Socialism for Smart People".
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