Estado de defesa é previsto para preservar a "ordem pública ou a paz social"
Ricardo Lewandowski
Folha de S.Paulo
Ricardo Lewandowski
Folha de S.Paulo
Os povos ao longo da história constataram, muitas vezes a duras penas, que não pode haver segurança sem que exista uma autoridade que a garanta. Essa ideia foi desenvolvida teoricamente por Thomas Hobbes, em sua obra “O Leviatã”, publicada no ano de 1651. Nela o autor inglês explicava que os homens, antes do advento do Estado, viviam em permanente conflito uns com os outros. Passados mais de três séculos de lutas populares e elucubrações políticas, o único —porém significativo— acréscimo incorporado a essa teoria consistiu em atribuir à liberdade um valor equivalente ou até superior à segurança.
Existem hoje basicamente três modelos de preservação da paz social em momentos de crise. O primeiro deles, que tem como exemplos clássicos o cesarismo e o bonapartismo, entrega poderes ditatoriais a um líder dotado de carisma ou prestígio. Já o segundo admite, sem que haja quebra do ordenamento jurídico, a prática de todos os atos necessários para restaurar a tranquilidade coletiva, sujeitando-os, contudo, a posterior contraste judicial. É o caso da lei marcial do direito anglo-saxão. E, finalmente, o terceiro distingue-se pela substituição transitória da legalidade ordinária, própria das situações de normalidade, por uma extraordinária, mas sempre dentro de parâmetros constitucionais. O Brasil optou por esse último modelo.
O reconhecimento do estado de calamidade pública é a menos severa das medidas de emergência previstas em nossa Constituição, servindo para enfrentar desastres naturais que impliquem comprometimento substancial da capacidade de resposta dos governantes. Como regra, fica circunscrito à órbita fiscal, permitindo a dispensa de licitação para a compra de bens e serviços, bem como a abertura de créditos extraordinários e a instituição de empréstimos compulsórios. Existem, todavia, outras providências mais drásticas, que repercutem sobre a liberdade das pessoas, como a intervenção federal, o estado de defesa e o estado de sítio.
A intervenção nas unidades federadas pode ser decretada pelo presidente da República para, dentre outros motivos, “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”, não raro com o afastamento das autoridades locais. O estado de defesa é contemplado “para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social, ameaçadas por grave instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”.
De outro lado, o estado de sítio presta-se a debelar “comoção de grave repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa”. Cabe ainda na “declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira”. Tanto o estado de defesa como o de sítio ensejam a suspensão de direitos e garantias fundamentais.
Ocorre que o decreto presidencial instaurador dessas três medidas —sempre limitadas no tempo, salvo na hipótese de guerra ou agressão externa— precisa ser submetido de imediato ao Congresso Nacional. Se este estiver em recesso será convocado extraordinariamente, permanecendo em pleno funcionamento durante todo o período de exceção, vedada apenas a aprovação de emendas constitucionais.
E mais: para desencorajar possíveis tentações autoritárias, a Lei Maior prudentemente prevê que o chefe do Executivo e seus subordinados respondem por crime de responsabilidade, ou mesmo comum, pelo cometimento de eventuais excessos no exercício dos poderes extraordinários.
Sobre o autor
Ministro do Supremo Tribunal Federal e professor titular de teoria do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
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