Uma conversa entre
Tech workers are the strongest line of defense against the threat posed by the large tech employers. (Marvin Meyer / Unsplash) |
Enquanto a pandemia de COVID-19 devastava a economia dos Estados Unidos, a indústria de tecnologia continuou sendo seu setor mais lucrativo. Ao mesmo tempo que as instituições governamentais respondiam desajeitadamente à crise, as empresas de tecnologia, grandes e pequenas, ofereciam conveniência aos consumidores e aos empregadores da mesma maneira. As empresas de tecnologia continuaram a ampliar seu alcance às nossas vidas no trabalho e em casa.
No entanto, há um fio de esperança se considerarmos o progresso contínuo que os trabalhadores de tecnologia fizeram ao longo do ano passado ao se organizarem para colocar em cheque os fundadores do Vale do Silício. O projeto de pesquisa Collective Action in Tech [Ação Coletiva em Tecnologia] documentou mais de cem ações em ambiente de trabalho somente em 2020, apesar da interrupção de uma pandemia global, juntamente com uma infinidade de desafios preexistentes.
O rápido crescimento desse movimento em alguns anos superou muito as expectativas, até mesmo dos organizadores e ativistas mais esperançosos. O desencanto com o princípio supostamente nobre de “não fazer o mal” alimentou protestos de alto nível contra a falência moral dos empregadores de tecnologia, que por sua vez deu lugar a um maior ceticismo e raiva em relação a uma cultura de trabalho frequentemente exploradora e discriminatória.
Em 2018, a greve global de mais de 20 mil funcionários do Google contra assédio sexual elevou as aspirações do movimento e demonstrou que a organização na indústria de tecnologia é possível. Também atraiu o olhar atento de grandes empregadores da indústria de tecnologia. No início de dezembro, o National Labor Relations Board (NLRB) [Conselho Nacional de Relaçõs Trabalhistas] entrou com uma queixa contra o Google, após determinar que a empresa espionava seus funcionários e retaliava aqueles que se organizavam.
Grande parte da organização que ocorreu na indústria de tecnologia ocorreu por meio de redes informais, fora do movimento sindical oficial. Mas o sucesso dos trabalhadores do Kickstarter e da start-up Glitch em garantir o reconhecimento sindical mostrou que os sindicatos têm um papel importante a desempenhar, tanto no fornecimento de uma base legal para a negociação coletiva, quanto no fornecimento de valiosos recursos de organização – mais notavelmente, a experiência prática. Mais recentemente, os empregados do Google formaram o Alphabet Workers Union (Sindicato dos Trabalhadores da Alphabet), uma associação para fortalecer ações coletivas dentro da empresa.
Embora a densidade sindical nos Estados Unidos em todos os setores seja extremamente baixa, a indústria de tecnologia tem um histórico de sucesso único em evitar sindicatos. Poucos trabalhadores nesta indústria têm qualquer experiência com o movimento trabalhista ou as habilidades básicas de organização do local de trabalho necessárias para construir o poder no chão de fábrica.
O que o movimento conquistou até aqui já marca uma virada significativa na história da indústria de tecnologia. Mas existem desafios significativos para sustentar e estender essas conquistas. Uma questão persistente tem sido como atrair para o movimento mais trabalhadores de “colarinho branco” da indústria, que muitas vezes recebem salários significativamente mais altos e desfrutam de muitas outras vantagens por possuir conhecimento técnico em áreas de alta demanda, enquanto elimina a divisão entre esses trabalhadores e aqueles em camadas menos favorecidas da indústria.
Relatamos abaixo um diálogo entre Aaron Petcoff, um trabalhador de tecnologia na cidade de Nova York, e Ben Tarnoff, também trabalhador de tecnologia e editor e fundador da revista Logic, onde eles exploram a história do movimento da classe trabalhadora da indústria de tecnologia até agora, pensando em seu futuro.
Aaron Petcoff
Me preparando para esta conversa sobre a estrutura das classes na indústria de tecnologia, me deparei com este trecho, que abre um breve relato da história do sindicalismo na engenharia, publicado em 1969:
Seriam os engenheiros especialistas que se identificam com a gestão e consideram o sindicalismo e a negociação coletiva desagradáveis e prejudiciais à sua posição e imagem profissionais? Ou são funcionários que, independentemente da natureza de seu trabalho, compartilham problemas comuns que provavelmente só resolverão combinando sua força econômica? Essas questões elementares, juntamente com a relação dos engenheiros organizados com os técnicos e operários da produção e o uso da greve como arma, têm atormentado a organização dos engenheiros… desde que o movimento apareceu.
Me impressionou como isso expressava de perto o escopo de nossa discussão, apesar de ter sido publicado há mais de meio século. Também reforçou o fato de que, embora o movimento dos trabalhadores de tecnologia tenha apenas alguns anos, já existe uma história útil que podemos estudar para ajudar a fundamentar nosso trabalho atual.
Você e eu começamos a debater este assunto depois que você falou em uma reunião da Tech Workers Coalition sobre o artigo da revista Logic, “A Construção do Movimento dos Trabalhadores de Tecnologia“. Nele, você coloca muitas das mesmas questões levantadas no trecho acima. Para te ajudar a encontrar uma resposta no panfleto, você se baseia em alguns trabalhos anteriores de escritores como Barbara Ehrenreich, Erik Olin Wright e outros.
Vamos começar explorando por que essas questões específicas são tão urgentes e importantes na prática, e o que a história e a teoria política podem trazer para a mesa.
Ben Tarnoff
A passagem que você citou apresenta a seguinte questão: como se deve entender a posição social dos trabalhadores assalariados não manuais, aqueles que normalmente chamamos de “colarinho branco” ou “especialistas”? Nas sociedades capitalistas avançadas, esses trabalhadores constituem uma parcela significativa da força de trabalho. E eles realizam muitos tipos de trabalhos diferentes: incluem engenheiros de software, é claro, mas também professores, enfermeiras, advogados, jornalistas.
Qual é a experiência de classe deles? Como esses trabalhadores se classificam?
Esta pergunta é muito antiga. Os teóricos marxistas têm se debruçado sobre ela desde o final do século XIX, quando os trabalhadores de colarinho branco começaram a se proliferar, com a consolidação da corporação e o surgimento da administração moderna. Em termos gerais, os marxistas chegaram a duas conclusões diferentes.
A primeira é que esses trabalhadores podem ser absorvidos pelas categorias de classe marxistas já existentes. Assim, André Gorz descreve esta camada como “a nova classe trabalhadora”, enquanto Nicos Poulantzas fala sobre “a nova pequena burguesia”. A segunda é que esses trabalhadores representam uma nova categoria de classe – por exemplo, a “classe gerencial-profissional” de Bárbara e John Ehrenreich.
Ao estudar este debate, não é exatamente útil ver uma intervenção ou outra como “certa” ou “errada”. Elas derivam de conjunturas específicas e devem ser colocados dentro de seu contexto. A classe é um processo. As classes estão sendo continuamente refeitas e desfeitas ao longo do desenvolvimento capitalista. Os Ehrenreichs, Gorz, Poulantzas e outros teóricos estavam observando momentos particulares nesse processo. Podemos então explorar suas ideias em busca de insights que possam nos ajudar a dar sentido aos processos contemporâneos de formação de classes, mas temos que fazer a maior parte do trabalho nós mesmos, porque nosso momento é diferente do deles.
Agora, por que isso funciona? Por que isso importa? A razão pela qual os marxistas passaram mais de um século tentando teorizar o que podemos chamar de camadas médias é porque sempre houveram apostas estratégicas no debate. Existem escolhas políticas importantes que dependem da questão de como entender a relação entre aqueles que estão na classe média e a classe trabalhadora, e de que forma esta classe intermediária pode desempenhar um papel em um projeto socialista.
Eu diria que há duas razões principais para adotar essa linha de investigação agora. A primeira é que alguns membros das camadas médias têm se tornado cada vez mais militantes nos últimos anos. Professoras e enfermeiras abriram o caminho, embora muitos desses indivíduos sejam mais apropriadamente descritos como classe trabalhadora. Mas outros setores dessas camadas médias obtiveram vitórias significativas na organização, como trabalhadores de mídias digitais e estudantes de pós-graduação. E a indústria de tecnologia tem visto uma onda sem precedentes de mobilização de base.
A segunda razão é que um número surpreendente de membros mais jovens e mais frágeis das camadas médias se tornaram socialistas. Eles não são os únicos e tendem a ser super-representados nas reportagens da grande mídia sobre os novos movimentos de esquerda. Mas eles contribuíram para o renascimento das idéias radicais e o crescimento da organização socialista. Somados, esses dois movimentos sugerem que algo interessante está acontecendo com a dinâmica de classe dos trabalhadores que tradicionalmente foram considerados de colarinho branco ou especialistas.
Aaron Petcoff
Esta questão é especialmente relevante no contexto da indústria de tecnologia. A força de trabalho da indústria contém uma infinidade de ocupações que incluem bicos, estoquistas e terceirizados, bem como uma “camada intermediária” significativa de funcionários técnicos e de colarinho branco, não gerenciais, como engenheiros de software e designers. Obviamente, a estratificação entre essas ocupações afeta o crescente movimento do trabalho na indústria de tecnologia. A divisão não apenas prejudica a organização e o ímpeto político, mas também dificulta a identificação de interesses e queixas comuns.
Historicamente, os sindicatos consideram a indústria de tecnologia um terreno desafiador. Os empregadores sempre resistiram à sindicalização. Mas uma explicação de “senso comum” é que os trabalhadores não achavam que os sindicatos eram necessários. Um artigo recente do New York Times apresentou o desafio de que muitos trabalhadores de tecnologia “veem seus chefes como colegas amigáveis” e que “engenheiros altamente remunerados se veem como operadores independentes que têm bastante vantagem por conta própria”.
Esse insight é instrutivo, mas não oferece o quadro completo. A negociação independente tem pouco efeito sobre as condições gerais dos locais de trabalho. A exaustão é generalizada entre os trabalhadores de colarinho branco em tecnologia, por exemplo. Um estudo conduzido ano passado pelo Blind, um aplicativo de bate-papo que permite que os funcionários se comuniquem com seus colegas anonimamente, descobriu que quase 60% dos trabalhadores de tecnologia se sentiam “esgotados”. Também são comuns as preocupações com a discriminação na contratação e na progressão na carreira, bem como a capacidade de opinião limitada que os trabalhadores têm sobre o seu trabalho.
Os empregadores há muito lamentam a influência que um mercado de trabalho restrito dá aos engenheiros de colarinho branco e outros funcionários. Um porta-voz da indústria, escrevendo na década de 1960, chamou os programadores de “a Cosa Nostra” do campo da informática, cuja capacidade de usar a ameaça de desistir, a menos que certas condições fossem atendidas, representava uma ameaça existencial para o futuro da tecnologia. A literatura sobre negócios daquele momento ilustra o desespero dos empregadores para colocar ordem em uma força de trabalho “não cooperativa”, “teimosa” e “preguiçosa”. Uma resenha de um texto antigo da área de administração tranquilizou seus leitores de que “há uma vasta quantidade de evidências que indicam que a escrita – afinal, uma grande parte da programação é escrita, embora em uma linguagem especial para um público muito restrito – pode ser planejada, programada e controlada.”
Nas décadas seguintes, as práticas de gestão na indústria de tecnologia foram refinadas e alteradas. Conversei com um ex-supervisor meu há algum tempo, que descreveu como, nos anos 1990, “um único engenheiro de software poderia derrubar uma empresa se quisesse”. Isso não é mais verdade hoje.
Como você descreveu, isso começa a chegar em um processo onde as classes passam a se “refazer” e se transformar, e onde a pressão patronal de cima gera condições que tornam possíveis a militância e a organização, mesmo entre as ocupações localizadas “no meio”. Isso cria o potencial de unidade e solidariedade em uma força de trabalho totalmente dividida.
Ben Tarnoff
Você está chegando em um ponto que é importante enfatizar para as pessoas que não estão familiarizadas com a indústria de tecnologia: nem todo trabalhador de tecnologia de colarinho branco é um engenheiro de software sênior no Google. Existem muitas funções de escritório em empresas de tecnologia que não são bem pagas, especialmente aquelas que são avaliadas como menos técnicas. E existem muitas empresas de tecnologia com condições de trabalho difíceis, onde trabalhos “braçais” são comuns.
Além disso, um número crescente de trabalhadores de tecnologia de colarinho branco é terceizado, desde os moderadores de conteúdo e rotuladores de dados numa ponta até os designers de produto e desenvolvedores de software na outra. Esses trabalhadores normalmente ganham menos, recebem menos ou nenhum benefício e têm empregos precários.
Você e eu começamos a debater este assunto depois que você falou em uma reunião da Tech Workers Coalition sobre o artigo da revista Logic, “A Construção do Movimento dos Trabalhadores de Tecnologia“. Nele, você coloca muitas das mesmas questões levantadas no trecho acima. Para te ajudar a encontrar uma resposta no panfleto, você se baseia em alguns trabalhos anteriores de escritores como Barbara Ehrenreich, Erik Olin Wright e outros.
Vamos começar explorando por que essas questões específicas são tão urgentes e importantes na prática, e o que a história e a teoria política podem trazer para a mesa.
Ben Tarnoff
A passagem que você citou apresenta a seguinte questão: como se deve entender a posição social dos trabalhadores assalariados não manuais, aqueles que normalmente chamamos de “colarinho branco” ou “especialistas”? Nas sociedades capitalistas avançadas, esses trabalhadores constituem uma parcela significativa da força de trabalho. E eles realizam muitos tipos de trabalhos diferentes: incluem engenheiros de software, é claro, mas também professores, enfermeiras, advogados, jornalistas.
Qual é a experiência de classe deles? Como esses trabalhadores se classificam?
Esta pergunta é muito antiga. Os teóricos marxistas têm se debruçado sobre ela desde o final do século XIX, quando os trabalhadores de colarinho branco começaram a se proliferar, com a consolidação da corporação e o surgimento da administração moderna. Em termos gerais, os marxistas chegaram a duas conclusões diferentes.
A primeira é que esses trabalhadores podem ser absorvidos pelas categorias de classe marxistas já existentes. Assim, André Gorz descreve esta camada como “a nova classe trabalhadora”, enquanto Nicos Poulantzas fala sobre “a nova pequena burguesia”. A segunda é que esses trabalhadores representam uma nova categoria de classe – por exemplo, a “classe gerencial-profissional” de Bárbara e John Ehrenreich.
Ao estudar este debate, não é exatamente útil ver uma intervenção ou outra como “certa” ou “errada”. Elas derivam de conjunturas específicas e devem ser colocados dentro de seu contexto. A classe é um processo. As classes estão sendo continuamente refeitas e desfeitas ao longo do desenvolvimento capitalista. Os Ehrenreichs, Gorz, Poulantzas e outros teóricos estavam observando momentos particulares nesse processo. Podemos então explorar suas ideias em busca de insights que possam nos ajudar a dar sentido aos processos contemporâneos de formação de classes, mas temos que fazer a maior parte do trabalho nós mesmos, porque nosso momento é diferente do deles.
Agora, por que isso funciona? Por que isso importa? A razão pela qual os marxistas passaram mais de um século tentando teorizar o que podemos chamar de camadas médias é porque sempre houveram apostas estratégicas no debate. Existem escolhas políticas importantes que dependem da questão de como entender a relação entre aqueles que estão na classe média e a classe trabalhadora, e de que forma esta classe intermediária pode desempenhar um papel em um projeto socialista.
Eu diria que há duas razões principais para adotar essa linha de investigação agora. A primeira é que alguns membros das camadas médias têm se tornado cada vez mais militantes nos últimos anos. Professoras e enfermeiras abriram o caminho, embora muitos desses indivíduos sejam mais apropriadamente descritos como classe trabalhadora. Mas outros setores dessas camadas médias obtiveram vitórias significativas na organização, como trabalhadores de mídias digitais e estudantes de pós-graduação. E a indústria de tecnologia tem visto uma onda sem precedentes de mobilização de base.
A segunda razão é que um número surpreendente de membros mais jovens e mais frágeis das camadas médias se tornaram socialistas. Eles não são os únicos e tendem a ser super-representados nas reportagens da grande mídia sobre os novos movimentos de esquerda. Mas eles contribuíram para o renascimento das idéias radicais e o crescimento da organização socialista. Somados, esses dois movimentos sugerem que algo interessante está acontecendo com a dinâmica de classe dos trabalhadores que tradicionalmente foram considerados de colarinho branco ou especialistas.
Aaron Petcoff
Esta questão é especialmente relevante no contexto da indústria de tecnologia. A força de trabalho da indústria contém uma infinidade de ocupações que incluem bicos, estoquistas e terceirizados, bem como uma “camada intermediária” significativa de funcionários técnicos e de colarinho branco, não gerenciais, como engenheiros de software e designers. Obviamente, a estratificação entre essas ocupações afeta o crescente movimento do trabalho na indústria de tecnologia. A divisão não apenas prejudica a organização e o ímpeto político, mas também dificulta a identificação de interesses e queixas comuns.
Historicamente, os sindicatos consideram a indústria de tecnologia um terreno desafiador. Os empregadores sempre resistiram à sindicalização. Mas uma explicação de “senso comum” é que os trabalhadores não achavam que os sindicatos eram necessários. Um artigo recente do New York Times apresentou o desafio de que muitos trabalhadores de tecnologia “veem seus chefes como colegas amigáveis” e que “engenheiros altamente remunerados se veem como operadores independentes que têm bastante vantagem por conta própria”.
Esse insight é instrutivo, mas não oferece o quadro completo. A negociação independente tem pouco efeito sobre as condições gerais dos locais de trabalho. A exaustão é generalizada entre os trabalhadores de colarinho branco em tecnologia, por exemplo. Um estudo conduzido ano passado pelo Blind, um aplicativo de bate-papo que permite que os funcionários se comuniquem com seus colegas anonimamente, descobriu que quase 60% dos trabalhadores de tecnologia se sentiam “esgotados”. Também são comuns as preocupações com a discriminação na contratação e na progressão na carreira, bem como a capacidade de opinião limitada que os trabalhadores têm sobre o seu trabalho.
Os empregadores há muito lamentam a influência que um mercado de trabalho restrito dá aos engenheiros de colarinho branco e outros funcionários. Um porta-voz da indústria, escrevendo na década de 1960, chamou os programadores de “a Cosa Nostra” do campo da informática, cuja capacidade de usar a ameaça de desistir, a menos que certas condições fossem atendidas, representava uma ameaça existencial para o futuro da tecnologia. A literatura sobre negócios daquele momento ilustra o desespero dos empregadores para colocar ordem em uma força de trabalho “não cooperativa”, “teimosa” e “preguiçosa”. Uma resenha de um texto antigo da área de administração tranquilizou seus leitores de que “há uma vasta quantidade de evidências que indicam que a escrita – afinal, uma grande parte da programação é escrita, embora em uma linguagem especial para um público muito restrito – pode ser planejada, programada e controlada.”
Nas décadas seguintes, as práticas de gestão na indústria de tecnologia foram refinadas e alteradas. Conversei com um ex-supervisor meu há algum tempo, que descreveu como, nos anos 1990, “um único engenheiro de software poderia derrubar uma empresa se quisesse”. Isso não é mais verdade hoje.
Como você descreveu, isso começa a chegar em um processo onde as classes passam a se “refazer” e se transformar, e onde a pressão patronal de cima gera condições que tornam possíveis a militância e a organização, mesmo entre as ocupações localizadas “no meio”. Isso cria o potencial de unidade e solidariedade em uma força de trabalho totalmente dividida.
Ben Tarnoff
Você está chegando em um ponto que é importante enfatizar para as pessoas que não estão familiarizadas com a indústria de tecnologia: nem todo trabalhador de tecnologia de colarinho branco é um engenheiro de software sênior no Google. Existem muitas funções de escritório em empresas de tecnologia que não são bem pagas, especialmente aquelas que são avaliadas como menos técnicas. E existem muitas empresas de tecnologia com condições de trabalho difíceis, onde trabalhos “braçais” são comuns.
Além disso, um número crescente de trabalhadores de tecnologia de colarinho branco é terceizado, desde os moderadores de conteúdo e rotuladores de dados numa ponta até os designers de produto e desenvolvedores de software na outra. Esses trabalhadores normalmente ganham menos, recebem menos ou nenhum benefício e têm empregos precários.
Mesmo assim, não acho que seria correto caracterizar a maioria dos trabalhadores de tecnologia de colarinho branco como proletários. Existem aspectos proletários em sua experiência de classe – e esses aspectos variam amplamente em tipo e intensidade – mas as relações de produção vividas por um designer de produto da Amazon são consideravelmente diferentes daquelas de um trabalhador dos depósitos da Amazon.
É aqui que considero útil a teoria das localizações contraditórias de classes de Erik Olin Wright. Wright propôs que a condição de classe das camadas médias é uma mistura de elementos proletários e burgueses (ou pequeno-burgueses).
Considere um engenheiro de software em uma grande empresa de tecnologia, como o Google. Por um lado, é provável que usufruam de um alto salário e de um grau significativo de autonomia no local de trabalho. Também é provável que tenham um poder substancial no mercado de trabalho, o que significa que geralmente podem encontrar outro emprego sem muitos problemas. Além disso, eles podem deter um patrimônio considerável na empresa através de remuneração por participação acionária.
Esses são os elementos burgueses (ou pequeno-burgueses) em sua posição de classe. A direção muitas vezes dá grande ênfase a esses elementos para fomentar um senso de identificação entre funcionários e executivos – é por isso que, de acordo com a trecho do New York Times que você citou, muitos desses trabalhadores “vêem seus chefes como colegas amigáveis”. Além disso, esses elementos, conforme interpretados pelas lentes das estruturas dominantes da indústria, como a “Ideologia Californiana”, têm tradicionalmente encorajado esses trabalhadores a se verem como empreendedores e (futuros) proprietários em vez de trabalhadores.
Mas a dimensão burguesa da experiência de classe deste estrato existe ao lado e em tensão com uma dimensão proletária. Mesmo no caso relativamente privilegiado do engenheiro de software do Google, encontramos elementos proletários. Especialmente a exclusão do processo de tomada de decisão real – ou seja, as decisões de investimento e produção da empresa. O poder de determinar o que a empresa produz, como e para quem é feito é detido pela direção. Nesse sentido, o engenheiro de software do Google é um trabalhador como qualquer outro.
Claro que isso sempre foi assim. Mas só começou a ser percebido de forma mais aguda no período após a eleição de Donald Trump em 2016. Preocupações sobre a disposição dos executivos de construir ferramentas para ajudar a implementar a agenda do novo governo – particularmente em torno da imigração e do chamado “registro muçulmano” – alimentaram um novo clima de urgência moral em torno da capacidade da tecnologia de causar danos. À medida que os trabalhadores começaram a tentar mitigar esses danos, reivindicando mais controle sobre o que suas empresas estavam construindo – organizando-se contra contratos com o Pentágono e a Immigrations and Customs Enforcement (ICE) [Imigração e Fiscalização Alfandegária], por exemplo – eles encontraram resistência da direção e descobriram que eram, na maior parte do tempo, trabalhadores.
Na formulação de Wright, aqueles que habitam uma localização contraditória de classe são puxados em duas direções. Eles podem se concentrar nas maneiras como são burgueses e se identificar com a classe capitalista; ou podem se concentrar nas formas como são proletários e formar alianças com a classe trabalhadora. O que vimos nos últimos anos é que vários trabalhadores de tecnologia de colarinho branco colocaram em primeiro plano os elementos proletários de sua experiência de classe, por meio do processo de engajamento na ação coletiva no local de trabalho. Eles passaram a se ver como trabalhadores. Eles falam a linguagem da classe e utilizam as técnicas de organização do trabalho. Através da luta, eles empurraram sua posição contraditória de classe para um alinhamento mais proletário.
Aaron Petcoff
Eu concordo que a maioria dos trabalhadores de colarinho branco “técnicos” provavelmente estão localizados em uma posição contraditória de classe. Embora eu não ache que devamos exagerar quaisquer elementos “burgueses” em particular (a grande maioria das ações ou opções de ações dadas aos trabalhadores de qualquer empresa de tecnologia, fora as de um grande empregador, não costumam significar muito, se é que significam alguma coisa), nossa experiência é inquestionavelmente distinta e relativamente privilegiada. Mas essas vantagens são extremamente limitadas pelo poder dos empregadores, que têm interesses de classe distintos dos trabalhadores “técnicos” e dos não técnicos de qualquer estrato.
Os trabalhadores técnicos são capazes de aproveitar as condições de um mercado de trabalho escasso em sua vantagem, para garantir empregos com salários, benefícios e condições geralmente mais altos. Isso reduz a urgência e o apelo de estratégias mais coletivas para buscar ganhos materiais e segurança. Ao mesmo tempo, porém, sem poder formal em nosso local de trabalho, permanecemos subordinados à autoridade de nossos empregadores.
Esse dilema não é exclusivo dos trabalhadores de tecnologia modernos. Esta tem sido a experiência geral dos engenheiros e trabalhadores “técnicos” desde o crescimento da indústria moderna. Ao contrário das ocupações de “especialistas” mais tradicionais, como médicos e advogados, engenheiros e outros técnicos são uma ocupação de massa, sujeita à mesma autoridade do empregador que qualquer outro trabalhador. Além disso, os técnicos também não têm a capacidade de controlar a concorrência no mercado de trabalho por meio de credenciamento.
Várias condições e experiências puxam os técnicos entre os pólos do “profissional independente”, de um lado, e do trabalhador explorado, do outro. No passado, engenheiros e outros técnicos foram capazes de encontrar uma causa comum com o movimento trabalhista e ver a negociação coletiva e a ação de greve militante como consistentes com seus interesses, especialmente quando confrontados com maior incerteza material.
Durante a Grande Depressão, engenheiros e outros técnicos uniram-se a sindicatos em grande número. Após a Segunda Guerra Mundial, aproximadamente 10% dos engenheiros americanos foram sindicalizados. Mas na década de 1960, a filiação de engenheiros aos sindicatos diminuiu drasticamente, à medida que as perspectivas econômicas melhoraram para os não sindicalizados e o movimento sindical em geral começou seu longo período de recuo.
Como você apontou, o avanço contemporâneo da ação coletiva entre os trabalhadores de tecnologia de colarinho branco revelou a desigualdade de poder no local de trabalho. Essa desigualdade está na raiz de muitas das injustiças notórias que caracterizam a indústria de tecnologia moderna, incluindo a falência moral de empregadores que lucram com a violência militar e policial, o sexismo galopante e a discriminação racial que assola a indústria, além da hiperexploração de trabalhadores em praticamente todos os níveis.
O reconhecimento dessa desigualdade gera potencial para a solidariedade ser formada entre os diferentes estratos de trabalhadores em toda a indústria que compartilham um interesse comum na organização, apesar de enfrentarem condições radicalmente diferentes. Embora existam muitos desafios na organização desse terreno comum, também há muitas possibilidades. Os recursos e o apoio de sindicatos como o Communication Workers of America (Trabalhadores de Comunicação da América, em português) e o Office and Professional Employees International Union [Sindicato Internacional de Empregados de Escritórios e Especialistas, em português] podem certamente ajudar novas iniciativas de organização na indústria de tecnologia.
Ben Tarnoff
Eu gostaria de fazer um comentário na esteira do que você trouxe sobre profissionalização, que pode nos dar uma maneira de concluir. Você traçou uma distinção entre “ocupações de ‘especialistas’ mais tradicionais, como médicos e advogados” e “engenheiros e outros trabalhadores ‘técnicos’”. Isso nos leva à especificidade da tecnologia.
Podemos falar sobre as camadas médias em geral, mas esta é uma categoria ampla com enorme diferenciação interna. Os processos e práticas de classe variam amplamente dentro dela. E para entender os contextos distintos em que as classes acontecem, é útil olhar para a história – temos que entender como as ocupações foram constituídas e as lutas que moldaram suas formações, a fim de compreender suas mecânicas de classe particulares.
Nesse sentido, o mais importante a saber sobre tecnologia é que os programadores de computador nunca se profissionalizaram totalmente. Os programadores surgiram em grande número pela primeira vez nas décadas de 1950 e 1960. Essas foram as décadas em que os computadores estavam se tornando comuns, migrando de laboratórios militares para escritórios corporativos. Como resultado, a demanda por programadores disparou – e os homens chegaram. Antes, programação era feita principalmente por mulheres. Era considerado um trabalho mecânico, pouco criativo e mal pago. Com a popularização da computação, as mulheres foram expulsas e a programação tornou-se uma ocupação predominantemente masculina, agora redefinida como criativa, intelectual e prestigiosa.
No entanto, mesmo com o aumento do status e da remuneração associados à programação, os programadores nunca se tornaram profissionais adequados como os médicos, professores e advogados. As razões são complexas e exploradas detalhadamente no excelente livro de Nathan Ensmenger, The Computer Boys Take Over [Os Garotos do Computador Assumem]. Mas o ponto principal é que o tipo de instituição que implementa e supervisiona a profissionalização nunca se materializou para a programação: não há associação profissional e nenhum código legal que defina o que você precisa saber e fazer para ser considerado um programador.
É claro que existem departamentos de ciência da computação, e muitos programadores estudam ciência da computação na faculdade. Mas um diploma de ciência da computação não é realmente uma credencial profissional da mesma forma que um diploma de direito; como um colega me disse uma vez, é um pouco como estudar arquitetura e depois trabalhar como carpinteiro. Também existem muitos programadores que são autodidatas. Mas eu diria que todos os programadores são, pelo menos parcialmente, autodidatas: o autodidatismo é uma grande parte do trabalho.
A razão de tudo isso ser relevante para a dinâmica de classe dentro da tecnologia é que a ausência de profissionalização criou uma ambiguidade duradoura sobre o que é exatamente um programador. O programador é um especialista? Um empreendedor? Um artesão? Um operário? Essas não são meras questões teóricas; são consequências reais para a luta de classes, questões que são de fato colocadas e respondidas por meio da atividade da luta de classes.
Desde o início, a classe de proprietários da tecnologia foi ambivalente quanto à profissionalização – os programadores poderiam se tornar mais fáceis de gerenciar, mas também poderia promover um senso de coesão ocupacional que encorajaria reivindicações por maior autonomia e até sindicalização. Se fossem ambivalentes quanto à ideia dos programadores como especialistas, entretanto, os executivos de tecnologia estavam absolutamente comprometidos em garantir que os programadores não se vissem como trabalhadores.
Várias técnicas de gestão foram desenvolvidas para evitar o surgimento dessa identidade. Essas técnicas continuam até hoje: um ambiente de trabalho informal, uma cultura de trabalho baseada em equipe e relativamente horizontal, participação acionária, generosas amenidades no escritório. Não se trata apenas de manter os funcionários felizes; as técnicas funcionam para ocultar as divisões de classe, confundindo os limites entre a direção e os operários. São tentativas de ocupar o terreno vazio deixado pela ausência de profissionalização, cultivando uma identidade que beneficia a classe proprietária.
Este é precisamente o terreno que os organizadores de colarinho branco estão contestando. A insistência deles de que os trabalhadores de tecnologia são trabalhadores é um argumento não apenas sobre como os funcionários dessas empresas devem ver sua posição estrutural dentro do local de trabalho. É também uma discussão sobre onde está localizada sua verdadeira fonte de poder.
Seu poder não vem de alguma parceria imaginária com a direção – tal parceria não existe de fato, como fica evidente ao menor grau de contestação. Tampouco advém de sua influência social como especialistas, pois as instituições necessárias para gerar essa influência nunca foram construídas. Seu poder vem de sua influência sobre os espaços onde o lucro é feito. Como trabalhadores, impulsionam o processo produtivo; como trabalhadores, eles podem interromper esse processo.
Aaron Petcoff
Nesse sentido, acho que o movimento dos trabalhadores de tecnologia validou dois pontos: um, que mesmo os trabalhadores de colarinho branco tecnicamente qualificados têm uma causa comum com os trabalhadores de outras ocupações contra seus empregadores; e dois, que é possível organizar esses trabalhadores no chão de fábrica. Demonstrar esses fatos na prática foi um primeiro passo crucial, pois apresenta uma alternativa real ao simples fato de contar com as vantagens individuais que advêm de ter habilidades técnicas “especialistas”.
Mas parece que agora estamos chegando ao fim da fase inicial do movimento dos trabalhadores de tecnologia. Portanto, a grande questão é o que virá a seguir.
Um artigo recente de Carmen Molinari em Organizing.work aponta para os tipos de conversas que devemos ter. Nele, ela argumenta que um hiperfoco na organização em torno de questões éticas em tecnologia restringe o potencial para movimentos crescentes no local de trabalho. Eu concordo plenamente com esse argumento, mas independentemente de como alguém se sinta sobre isso, acho que estamos em um momento em que precisamos discutir como podemos efetivamente estender nosso movimento e aprofundar seu alcance além do núcleo inicial de ativistas e organizadores. Isso exigirá pensar cuidadosamente sobre quais questões e queixas são mais profundamente sentidas entre as pessoas nas diferentes ocupações e setores da indústria.
O rápido crescimento deste movimento talvez tenha tornado difícil avaliar cuidadosamente o que aconteceu e o que está por vir. Muita experiência foi adquirida entre trabalhadores e organizadores em apenas alguns anos, mas há pouco espaço para compartilhar o que foi aprendido. Será essencial desenvolver um meio para compartilhar essas lições e experiências e de colocar os trabalhadores em contato uns com os outros entre as redes e organizações díspares que foram estabelecidas. O projeto de pesquisa Collective Action in Tech [Ação Coletiva em Tecnologia, em português] anunciou recentemente uma iniciativa editorial nesse sentido e fez uma chamada para contribuições.
Embora haja muito trabalho pela frente, há um potencial empolgante no futuro do movimento dos trabalhadores de tecnologia. Já foi demonstrado que a indústria não é “inorganizável” e que os trabalhadores em todos os níveis podem ser organizados para gerar poder e dar a si próprios uma voz coletiva no trabalho. Estender esses sucessos iniciais é especialmente importante, uma vez que os trabalhadores de tecnologia são a linha de frente mais forte contra a ameaça representada pelas grandes empresas de tecnologia.
Sobre os autores
É aqui que considero útil a teoria das localizações contraditórias de classes de Erik Olin Wright. Wright propôs que a condição de classe das camadas médias é uma mistura de elementos proletários e burgueses (ou pequeno-burgueses).
Considere um engenheiro de software em uma grande empresa de tecnologia, como o Google. Por um lado, é provável que usufruam de um alto salário e de um grau significativo de autonomia no local de trabalho. Também é provável que tenham um poder substancial no mercado de trabalho, o que significa que geralmente podem encontrar outro emprego sem muitos problemas. Além disso, eles podem deter um patrimônio considerável na empresa através de remuneração por participação acionária.
Esses são os elementos burgueses (ou pequeno-burgueses) em sua posição de classe. A direção muitas vezes dá grande ênfase a esses elementos para fomentar um senso de identificação entre funcionários e executivos – é por isso que, de acordo com a trecho do New York Times que você citou, muitos desses trabalhadores “vêem seus chefes como colegas amigáveis”. Além disso, esses elementos, conforme interpretados pelas lentes das estruturas dominantes da indústria, como a “Ideologia Californiana”, têm tradicionalmente encorajado esses trabalhadores a se verem como empreendedores e (futuros) proprietários em vez de trabalhadores.
Mas a dimensão burguesa da experiência de classe deste estrato existe ao lado e em tensão com uma dimensão proletária. Mesmo no caso relativamente privilegiado do engenheiro de software do Google, encontramos elementos proletários. Especialmente a exclusão do processo de tomada de decisão real – ou seja, as decisões de investimento e produção da empresa. O poder de determinar o que a empresa produz, como e para quem é feito é detido pela direção. Nesse sentido, o engenheiro de software do Google é um trabalhador como qualquer outro.
Claro que isso sempre foi assim. Mas só começou a ser percebido de forma mais aguda no período após a eleição de Donald Trump em 2016. Preocupações sobre a disposição dos executivos de construir ferramentas para ajudar a implementar a agenda do novo governo – particularmente em torno da imigração e do chamado “registro muçulmano” – alimentaram um novo clima de urgência moral em torno da capacidade da tecnologia de causar danos. À medida que os trabalhadores começaram a tentar mitigar esses danos, reivindicando mais controle sobre o que suas empresas estavam construindo – organizando-se contra contratos com o Pentágono e a Immigrations and Customs Enforcement (ICE) [Imigração e Fiscalização Alfandegária], por exemplo – eles encontraram resistência da direção e descobriram que eram, na maior parte do tempo, trabalhadores.
Na formulação de Wright, aqueles que habitam uma localização contraditória de classe são puxados em duas direções. Eles podem se concentrar nas maneiras como são burgueses e se identificar com a classe capitalista; ou podem se concentrar nas formas como são proletários e formar alianças com a classe trabalhadora. O que vimos nos últimos anos é que vários trabalhadores de tecnologia de colarinho branco colocaram em primeiro plano os elementos proletários de sua experiência de classe, por meio do processo de engajamento na ação coletiva no local de trabalho. Eles passaram a se ver como trabalhadores. Eles falam a linguagem da classe e utilizam as técnicas de organização do trabalho. Através da luta, eles empurraram sua posição contraditória de classe para um alinhamento mais proletário.
Aaron Petcoff
Eu concordo que a maioria dos trabalhadores de colarinho branco “técnicos” provavelmente estão localizados em uma posição contraditória de classe. Embora eu não ache que devamos exagerar quaisquer elementos “burgueses” em particular (a grande maioria das ações ou opções de ações dadas aos trabalhadores de qualquer empresa de tecnologia, fora as de um grande empregador, não costumam significar muito, se é que significam alguma coisa), nossa experiência é inquestionavelmente distinta e relativamente privilegiada. Mas essas vantagens são extremamente limitadas pelo poder dos empregadores, que têm interesses de classe distintos dos trabalhadores “técnicos” e dos não técnicos de qualquer estrato.
Os trabalhadores técnicos são capazes de aproveitar as condições de um mercado de trabalho escasso em sua vantagem, para garantir empregos com salários, benefícios e condições geralmente mais altos. Isso reduz a urgência e o apelo de estratégias mais coletivas para buscar ganhos materiais e segurança. Ao mesmo tempo, porém, sem poder formal em nosso local de trabalho, permanecemos subordinados à autoridade de nossos empregadores.
Esse dilema não é exclusivo dos trabalhadores de tecnologia modernos. Esta tem sido a experiência geral dos engenheiros e trabalhadores “técnicos” desde o crescimento da indústria moderna. Ao contrário das ocupações de “especialistas” mais tradicionais, como médicos e advogados, engenheiros e outros técnicos são uma ocupação de massa, sujeita à mesma autoridade do empregador que qualquer outro trabalhador. Além disso, os técnicos também não têm a capacidade de controlar a concorrência no mercado de trabalho por meio de credenciamento.
Várias condições e experiências puxam os técnicos entre os pólos do “profissional independente”, de um lado, e do trabalhador explorado, do outro. No passado, engenheiros e outros técnicos foram capazes de encontrar uma causa comum com o movimento trabalhista e ver a negociação coletiva e a ação de greve militante como consistentes com seus interesses, especialmente quando confrontados com maior incerteza material.
Durante a Grande Depressão, engenheiros e outros técnicos uniram-se a sindicatos em grande número. Após a Segunda Guerra Mundial, aproximadamente 10% dos engenheiros americanos foram sindicalizados. Mas na década de 1960, a filiação de engenheiros aos sindicatos diminuiu drasticamente, à medida que as perspectivas econômicas melhoraram para os não sindicalizados e o movimento sindical em geral começou seu longo período de recuo.
Como você apontou, o avanço contemporâneo da ação coletiva entre os trabalhadores de tecnologia de colarinho branco revelou a desigualdade de poder no local de trabalho. Essa desigualdade está na raiz de muitas das injustiças notórias que caracterizam a indústria de tecnologia moderna, incluindo a falência moral de empregadores que lucram com a violência militar e policial, o sexismo galopante e a discriminação racial que assola a indústria, além da hiperexploração de trabalhadores em praticamente todos os níveis.
O reconhecimento dessa desigualdade gera potencial para a solidariedade ser formada entre os diferentes estratos de trabalhadores em toda a indústria que compartilham um interesse comum na organização, apesar de enfrentarem condições radicalmente diferentes. Embora existam muitos desafios na organização desse terreno comum, também há muitas possibilidades. Os recursos e o apoio de sindicatos como o Communication Workers of America (Trabalhadores de Comunicação da América, em português) e o Office and Professional Employees International Union [Sindicato Internacional de Empregados de Escritórios e Especialistas, em português] podem certamente ajudar novas iniciativas de organização na indústria de tecnologia.
Ben Tarnoff
Eu gostaria de fazer um comentário na esteira do que você trouxe sobre profissionalização, que pode nos dar uma maneira de concluir. Você traçou uma distinção entre “ocupações de ‘especialistas’ mais tradicionais, como médicos e advogados” e “engenheiros e outros trabalhadores ‘técnicos’”. Isso nos leva à especificidade da tecnologia.
Podemos falar sobre as camadas médias em geral, mas esta é uma categoria ampla com enorme diferenciação interna. Os processos e práticas de classe variam amplamente dentro dela. E para entender os contextos distintos em que as classes acontecem, é útil olhar para a história – temos que entender como as ocupações foram constituídas e as lutas que moldaram suas formações, a fim de compreender suas mecânicas de classe particulares.
Nesse sentido, o mais importante a saber sobre tecnologia é que os programadores de computador nunca se profissionalizaram totalmente. Os programadores surgiram em grande número pela primeira vez nas décadas de 1950 e 1960. Essas foram as décadas em que os computadores estavam se tornando comuns, migrando de laboratórios militares para escritórios corporativos. Como resultado, a demanda por programadores disparou – e os homens chegaram. Antes, programação era feita principalmente por mulheres. Era considerado um trabalho mecânico, pouco criativo e mal pago. Com a popularização da computação, as mulheres foram expulsas e a programação tornou-se uma ocupação predominantemente masculina, agora redefinida como criativa, intelectual e prestigiosa.
No entanto, mesmo com o aumento do status e da remuneração associados à programação, os programadores nunca se tornaram profissionais adequados como os médicos, professores e advogados. As razões são complexas e exploradas detalhadamente no excelente livro de Nathan Ensmenger, The Computer Boys Take Over [Os Garotos do Computador Assumem]. Mas o ponto principal é que o tipo de instituição que implementa e supervisiona a profissionalização nunca se materializou para a programação: não há associação profissional e nenhum código legal que defina o que você precisa saber e fazer para ser considerado um programador.
É claro que existem departamentos de ciência da computação, e muitos programadores estudam ciência da computação na faculdade. Mas um diploma de ciência da computação não é realmente uma credencial profissional da mesma forma que um diploma de direito; como um colega me disse uma vez, é um pouco como estudar arquitetura e depois trabalhar como carpinteiro. Também existem muitos programadores que são autodidatas. Mas eu diria que todos os programadores são, pelo menos parcialmente, autodidatas: o autodidatismo é uma grande parte do trabalho.
A razão de tudo isso ser relevante para a dinâmica de classe dentro da tecnologia é que a ausência de profissionalização criou uma ambiguidade duradoura sobre o que é exatamente um programador. O programador é um especialista? Um empreendedor? Um artesão? Um operário? Essas não são meras questões teóricas; são consequências reais para a luta de classes, questões que são de fato colocadas e respondidas por meio da atividade da luta de classes.
Desde o início, a classe de proprietários da tecnologia foi ambivalente quanto à profissionalização – os programadores poderiam se tornar mais fáceis de gerenciar, mas também poderia promover um senso de coesão ocupacional que encorajaria reivindicações por maior autonomia e até sindicalização. Se fossem ambivalentes quanto à ideia dos programadores como especialistas, entretanto, os executivos de tecnologia estavam absolutamente comprometidos em garantir que os programadores não se vissem como trabalhadores.
Várias técnicas de gestão foram desenvolvidas para evitar o surgimento dessa identidade. Essas técnicas continuam até hoje: um ambiente de trabalho informal, uma cultura de trabalho baseada em equipe e relativamente horizontal, participação acionária, generosas amenidades no escritório. Não se trata apenas de manter os funcionários felizes; as técnicas funcionam para ocultar as divisões de classe, confundindo os limites entre a direção e os operários. São tentativas de ocupar o terreno vazio deixado pela ausência de profissionalização, cultivando uma identidade que beneficia a classe proprietária.
Este é precisamente o terreno que os organizadores de colarinho branco estão contestando. A insistência deles de que os trabalhadores de tecnologia são trabalhadores é um argumento não apenas sobre como os funcionários dessas empresas devem ver sua posição estrutural dentro do local de trabalho. É também uma discussão sobre onde está localizada sua verdadeira fonte de poder.
Seu poder não vem de alguma parceria imaginária com a direção – tal parceria não existe de fato, como fica evidente ao menor grau de contestação. Tampouco advém de sua influência social como especialistas, pois as instituições necessárias para gerar essa influência nunca foram construídas. Seu poder vem de sua influência sobre os espaços onde o lucro é feito. Como trabalhadores, impulsionam o processo produtivo; como trabalhadores, eles podem interromper esse processo.
Aaron Petcoff
Nesse sentido, acho que o movimento dos trabalhadores de tecnologia validou dois pontos: um, que mesmo os trabalhadores de colarinho branco tecnicamente qualificados têm uma causa comum com os trabalhadores de outras ocupações contra seus empregadores; e dois, que é possível organizar esses trabalhadores no chão de fábrica. Demonstrar esses fatos na prática foi um primeiro passo crucial, pois apresenta uma alternativa real ao simples fato de contar com as vantagens individuais que advêm de ter habilidades técnicas “especialistas”.
Mas parece que agora estamos chegando ao fim da fase inicial do movimento dos trabalhadores de tecnologia. Portanto, a grande questão é o que virá a seguir.
Um artigo recente de Carmen Molinari em Organizing.work aponta para os tipos de conversas que devemos ter. Nele, ela argumenta que um hiperfoco na organização em torno de questões éticas em tecnologia restringe o potencial para movimentos crescentes no local de trabalho. Eu concordo plenamente com esse argumento, mas independentemente de como alguém se sinta sobre isso, acho que estamos em um momento em que precisamos discutir como podemos efetivamente estender nosso movimento e aprofundar seu alcance além do núcleo inicial de ativistas e organizadores. Isso exigirá pensar cuidadosamente sobre quais questões e queixas são mais profundamente sentidas entre as pessoas nas diferentes ocupações e setores da indústria.
O rápido crescimento deste movimento talvez tenha tornado difícil avaliar cuidadosamente o que aconteceu e o que está por vir. Muita experiência foi adquirida entre trabalhadores e organizadores em apenas alguns anos, mas há pouco espaço para compartilhar o que foi aprendido. Será essencial desenvolver um meio para compartilhar essas lições e experiências e de colocar os trabalhadores em contato uns com os outros entre as redes e organizações díspares que foram estabelecidas. O projeto de pesquisa Collective Action in Tech [Ação Coletiva em Tecnologia, em português] anunciou recentemente uma iniciativa editorial nesse sentido e fez uma chamada para contribuições.
Embora haja muito trabalho pela frente, há um potencial empolgante no futuro do movimento dos trabalhadores de tecnologia. Já foi demonstrado que a indústria não é “inorganizável” e que os trabalhadores em todos os níveis podem ser organizados para gerar poder e dar a si próprios uma voz coletiva no trabalho. Estender esses sucessos iniciais é especialmente importante, uma vez que os trabalhadores de tecnologia são a linha de frente mais forte contra a ameaça representada pelas grandes empresas de tecnologia.
Sobre os autores
Aaron Petcoff é um ativista socialista que vive no Brooklyn.
Ben Tarnoff é fundador e editor da revista Logic.
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