25 de fevereiro de 2021

Não faz sentido atrelar auxílio emergencial à discussão de medidas fiscais compensatórias

É melhor deixar para depois revisão de pisos sociais, que devem garantir aumento de gasto real por habitante (na saúde) e por aluno (na educação)

Nelson Barbosa



A concessão de novo auxílio emergencial, tida como desnecessária por nossa equipe de ideologia econômica há apenas dois meses, se tornou a nova prioridade de política econômica.

Mais uma vez o Congresso corre para forçar o governo a transferir renda aos mais pobres. Mais uma vez alguns políticos e economistas exigem o fim dos pisos de gasto com saúde e educação como contrapartida. Acabar com o piso de gasto social é um erro por dois motivos.

Primeiro, o auxílio emergencial é, adivinhe: emergencial! Não faz sentido condicionar a ajuda imprescindível à população em risco de cair na miséria à aprovação de medidas compensatórias.

Sou favorável a medidas compensatórias, principalmente de aumento da tributação sobre os mais ricos, mas agora a prioridade é (mais uma vez) atender rapidamente a quem precisa renda para não morrer de fome.

Dado que a discussão de medidas compensatórias atrasará o processo legislativo, é melhor deixar isso para depois. A falha neste caso foi do governo e do comando anterior do Congresso, que simplesmente se negaram a debater o tema com calma no final do ano passado.

Segundo, quando chegar o momento de discutir compensação pelo aumento do gasto, não devemos eliminar nem integrar os pisos da saúde e da educação.

O SUS já precisava de recursos adicionais antes da pandemia. Agora precisará de mais ainda. Na educação, o gasto real por estudante já vem caindo desde 2015 e, portanto, não devemos cortar mais o orçamento do ensino público.

Os gastos com educação e saúde públicas precisam ter pisos de gasto, diferenciados, do contrário os programas tendem a se canibalizar e serem corroídos por demandas políticas de curto prazo.

Porém, ter piso de gasto não implica ter receita vinculada, isto é, despesa atrelada a um percentual fixo da arrecadação de impostos ou do PIB.

Quando chegar o momento adequado, o ideal é modificar os pisos da saúde e educação, garantindo aumento gasto real por habitante (na saúde) e por aluno (na educação).

Até qual valor? Até o patamar de gasto compatível com os serviços que população deseja do Estado e os tributos que a população está disposta a pagar por estes serviços.

No caso de hoje, mantenho a sugestão que fiz em 2014: devemos manter o piso de gasto social, mas corrigindo o valor pela soma da inflação com o crescimento da população e uma meta de crescimento real da despesa per capita ou por aluno.

A garantia de correção pela inflação mais crescimento da população ou número de estudantes deve ser permanente. Já a meta de crescimento real do gasto per capita deve ter prazo, para garantir avaliação periódica e transparente do custo e benefício dos programas.

Agora a pausa de sempre: se é para ser assim, por que o PT não fez quando foi governo? Por que nem todos no PT concordavam com esta proposta e, quando quem defendia esta proposta iria finalmente iniciar a discussão, em 2016, houve... deixa para lá.

Voltando, o importante agora é esclarecer, à sociedade e aos nossos parlamentares, que há alternativas mais racionais e adequadas ao Brasil do que o teto Temer ou o “quebra-piso” Guedes.

É possível desvincular gasto da receita sem eliminar piso de gasto. Também é possível ter piso de gasto que evite redução da cobertura da educação e da saúde pública, atrelando o crescimento real do gasto a metas de melhoria do atendimento à população.

Mas tudo isso é para depois da aprovação do auxílio emergencial. Achei que nunca mais precisaríamos dizer isso: mas quem tem fome tem pressa. O resto vem depois.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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