Sigmund Freud frequentemente lamentava o fato de a maioria de seus pacientes pertencer às classes superiores. Mas quando os socialistas tornaram Viena "Vermelha" após a Primeira Guerra Mundial, os neuróticos ricos e pobres ganharam acesso a tratamento gratuito e novos métodos experimentais.
Phillip Henry
Sigmund Freud lamentava com frequência o fato de que a maioria dos seus pacientes pertencia às classes abastadas. |
Tradução / Em setembro de 1918, nos últimos dias da Grande Guerra, Sigmund Freud estabeleceu uma nova missão para o movimento da psicanálise. Em sua fala ao primeiro congresso psicanalítico desde o começo da guerra, Freud reconheceu os impedimentos que restringiam seu trabalho terapêutico. Limitados pelas “necessidades de nossas existências” ao tratar as “classes abastadas”, os psicanalistas não podiam “fazer nada pelas camadas sociais mais amplas, que sofrem de neuroses extremamente graves”. No entanto, tais limitações precisavam ser superadas.
Freud argumentou que as neuroses eram uma ameaça à saúde da nação tanto quanto a tuberculose – e também pouco podiam ser deixadas “ao cuidado impotente de membros individuais da comunidade”. Voltando seu olhar para a situação iminente pós-guerra, Freud previu com segurança que a “consciência da sociedade vai despertar” para o direito do “homem pobre” a um tratamento para sua mente. Quando isso acontecesse, novas instituições, compostas por médicos analiticamente treinados, seriam fundadas, oferecendo tratamento gratuito às grandes massas. Por mais distante e “fantástica” que essa perspectiva parecesse em meio à devastação da guerra, Freud insistia que “mais dia menos dia… vamos chegar a este ponto”.
Nas décadas anteriores à Primeira Guerra Mundial, a terapia analítica e o privilégio burguês andavam de mãos dadas – cristalizando uma imagem que persiste até hoje da psicanálise como instrumento de preservação das classes alta e média alta. Em 1895, Freud observou que seus pacientes pertenciam a “uma classe social educada e letrada”, acrescentando uma década mais tarde que a terapia analítica era idealmente adequada para indivíduos “valiosos” que possuíam “um certo nível de educação e um caráter bastante confiável”.
Além disso, o progresso técnico pouco fez para alimentar as esperanças de sua aplicação mais ampla: quanto mais os princípios de sua prática eram refinados, mais árdua e demorada se tornava a terapia analítica. O resultado foi uma postura de aceitação resignada que beirava a capitulação. “Pobres e socialmente impotentes, e compelidos a ganhar nosso sustento com nossas atividades médicas”, escreveu Freud em 1917, “nem mesmo estamos em posição de estender nossos esforços a pessoas sem recursos... Nossa terapia consome muito tempo e é muito trabalhosa para que isso seja possível.”
No entanto, no congresso apenas um ano depois, Freud ressoou uma nota radicalmente diferente – colocando a psicanálise em um caminho de reinvenção experimental, agora a serviço da justiça social. “Nunca nos orgulhamos da integridade e finalidade de nosso conhecimento e capacidade”, ele insistiu; em vez disso, “[nós] estamos tão prontos agora quanto estávamos antes… [para] aprender coisas novas e alterar nossos métodos de quaisquer maneiras que possam melhorá-los.” Para os jovens analistas que se inspiraram nessas palavras, o desafio central e definidor do freudismo entre guerras seria criar uma psicanálise para as massas. De seus esforços para expandir as possibilidades da terapia analítica, um novo movimento psicanalítico emergiria – aquele cujo destino estava intimamente ligado ao da social-democracia.
Estados de bem-estar no pós-guerra
Freud estava longe de ser o único a imaginar um futuro mais progressista no final da guerra. Na Europa Central, a guerra total empurrou as sociedades combatentes à beira do colapso moral e físico. Os governos estavam se desintegrando sob pressão e a derrota militar minou fatalmente a legitimidade das monarquias estabelecidas. Mas com o colapso do antigo, também surgiram esforços notavelmente ousados para imaginar e criar o novo.
Em meio a uma onda democrática que iria estourar e quebrar nas revoluções do pós-guerra, varrendo as monarquias dos Habsburgo e Hohenzollern, muitos especialistas buscaram formas igualitárias de longo alcance de intervenção estatal para restaurar a estabilidade social. Em propostas de recuperação que serviram de modelo para uma nova ordem social, os social-democratas e seus aliados lançaram as bases imaginativas dos estados de bem-estar democráticos do pós-guerra.
As alianças políticas pessoais de Freud residiam no liberalismo (“Eu continuo sendo um liberal da velha escola”, ele escreveria em 1930). No entanto, seu discurso de 1918 alinhou a psicanálise com o espírito democratizante e igualitário da época. Tanto como programa econômico quanto político, o liberalismo emergiu da guerra profundamente desacreditado, seus valores tímidos substituídos por novos imaginários totalizantes e coletivistas. A convulsão social exacerbou a crise ideológica. À medida que as privações materiais reduziam seu padrão de vida e a inflação galopante consumia suas economias, muitos burgueses foram dominados pelo que o amigo e seguidor de Freud, Sándor Ferenczi, chamou de medo de “nossa proletarização iminente”.
“Toda a energia de uma pessoa”, Freud escreveu a seu discípulo Karl Abraham, “é dedicada a manter o seu nível econômico”. As bases da ideologia liberal desmoronaram com as bases da segurança material burguesa, forçando Freud a olhar além de sua própria classe para garantir a sobrevivência de sua profissão. A própria viabilidade da prática clínica parecia estar em questão. Como as novas repúblicas democráticas da Áustria e da Alemanha, o futuro da psicanálise parecia estar com as massas.
Mas a guerra também criou uma urgente necessidade de intervenção psicoterapêutica em massa. Desde o início, a guerra havia produzido uma verdadeira epidemia de distúrbios nervosos nos exércitos. À medida que o espectro do colapso total (militar e social) se tornava mais ameaçador no último ano da guerra, começaram a circular relatórios sobre a aplicação bem-sucedida de formas modificadas de psicanálise no tratamento das neuroses de guerra.
Para o psiquiatra alemão Ernst Simmel, uma técnica analítico-catártica simplificada, combinando hipnose com associações livres, lhe permitiu resolver os sintomas dos neuróticos de guerra em um simples punhado de sessões. Convidado a apresentar seu trabalho diante do congresso psicanalítico de 1918 – um evento patrocinado e assistido por autoridades civis e militares intensamente interessadas – Simmel afirmou que seu método resumido e combinado poderia um dia ser implementado no que ele chamou de “clínica mental do futuro”. Com a aplicação em massa da terapia analítica na guerra, um novo horizonte de possibilidades se abriu, um que falava diretamente às necessidades urgentes da sociedade em um momento de dissolução.
A “Viena Vermelha”
Seis semanas após o congresso, a guerra chegou ao fim. As terríveis condições levaram Freud a lamentar amargamente (e ironicamente) a Ferenczi que “aa psicanálise começar a interessar o mundo mais por causa das neuroses de guerra do que por causa do fim da guerra.” Na verdade, porém, a psicanálise estava prestes a experimentar uma expansão profunda, um renascimento dramático, à medida que uma geração mais jovem se infiltrava em suas fileiras no pós-guerra.
Para esses novos convertidos, escreve a historiadora Elizabeth Ann Danto, a psicanálise era um “desafio aos códigos políticos convencionais, uma missão social mais do que uma disciplina médica”. Enquanto os membros mais radicais dessa nova geração viam na psicanálise um programa para a emancipação da convenção burguesa, suas aspirações radicais – como mostra Danto e o historiador Eli Zaretsky – foram colocadas como pano de fundo de um amplo consenso social democrata que unia a profissão. Independentemente, todos os psicanalistas compartilhavam um profundo compromisso com a missão social que Freud delineou em 1918.
O espírito socialmente progressista da psicanálise no início da guerra foi capturado em dois experimentos educacionais notáveis que foram fundados nos arredores de Viena em 1919. No primeiro deles – um orfanato organizado pelo jovem socialista Siegfried Bernfeld para várias centenas de órfãos judeus refugiados – a psicanálise foi abraçada como uma base indispensável para a “nova educação” que ele e seus colegas professores buscavam realizar. “Se não tivéssemos encontrado um guia na teoria freudiana das pulsões, teríamos permanecido totalmente no escuro”, ele escreveu. Animados por um coletivismo antiburguês, as aspirações educacionais do orfanato contrastavam marcadamente com a outra experiência do pós-guerra na “pedagogia de massas” dirigida por August Aichhorn, um educador que, como Bernfeld, ingressou no treinamento psicanalítico depois da guerra.
O instituto de bem-estar educacional de Aichhorn para jovens delinquentes refletia sua sensibilidade política mais tradicional, que aspirava não transcender, mas sim restaurar a família nuclear. No entanto, como o experimento de Bernfeld, o de Aichhorn respirou o espírito progressista da nova era, tanto em seu etos anti-autoritário quanto em seu compromisso com o bem-estar social. Descrevendo a assistência psicopedagógica prestada por seu instituto financiado pelo Estado, Aichhorn argumentou que se antes, tal apoio “originou-se de uma sensibilidade caritativa e foi um ato voluntário”, hoje era “um dever, um reconhecimento do direito que a sociedade tem com o indivíduo”. Longe de serem definidos como contra o Estado, os direitos do indivíduo, para Aichhorn, eram inseparáveis de um maior grau da intervenção estatal.
O momento pós-guerra foi social-democrata, e o movimento psicanalítico foi levado junto com a corrente progressista da época. Em nenhum lugar o poder desta corrente era mais evidente na Europa Central do que em Viena, onde, em 1920, o Partido dos Trabalhadores Sociais-Democratas (SDAP) assumiu o controle da política municipal do conservador e antissemita Partido Social Cristão, a força dominante na política nacional.
A Viena Vermelha, como veio a ser conhecida, foi a peça central de uma estratégia política que visava a superação pacífica do capitalismo por meio da luta democrática e da elevação cultural das massas. Projetado como uma antecipação da futura utopia socialista, um município social democrata foi uma conquista ao mesmo tempo material e ideológica. Em seus enormes complexos de apartamentos alugados (“Palácios do Povo”), sua rede de clínicas de saúde e aconselhamento de baixo custo e suas incontáveis iniciativas educacionais progressistas, a Viena Vermelha combinou melhorias concretas na vida dos trabalhadores com o objetivo de produzir uma nova humanidade socializada e solidária.
A proximidade com essa cultura política da social-democracia teria um efeito notavelmente galvanizador para o movimento psicanalítico, ajudando a inspirar o que a analista Helene Deutsch chamou de “revolucionários” da segunda geração. No entanto, para alguns freudianos, Berlim proporcionou um ambiente mais agradável para combinar a psicanálise e a política radical. Para o analista socialista Otto Fenichel, que emigrou de Viena para Berlim em 1920, os analistas mais jovens eram “crianças travessas”, desafiando as críticas de seus colegas conservadores mais velhos. A distância de Freud e da velha guarda em Viena, escreveu seu amigo Wilhelm Reich, proporcionou uma atmosfera na qual analistas mais rebeldes sentiam que podiam “respirar mais livremente”.
Uma atração ainda maior, no entanto, foi a criação do primeiro programa de treinamento psicanalítico formalizado em Berlim, oferecendo o que o historiador George Makari chama de “a educação mais rigorosa e estruturada em psicanálise no mundo”. O Instituto Psicanalítico de Berlim foi fundado em 1920. A peça central tanto do programa de alcance social quanto para o programa de treinamento do novo instituto foi a primeira clínica psicanalítica ambulatorial a oferecer tratamentos gratuitos ou de baixo custo aos desprivilegiados.
A Policlínica de Berlim foi a primeira, mas outras sociedades foram rápidas em seguir seu exemplo. Entre as guerras, relata o escritor Christopher Turner, pelo menos uma dúzia de clínicas semelhantes seriam fundadas em todo o movimento psicanalítico internacional. Em 1922, com a assistência do SDAP, Viena abriu o seu próprio – o Ambulatorium. “Por fim”, escreve Danto, “todos os analistas trataram gratuitamente pelo menos um quinto de seus pacientes, um costume tácito compartilhado até pelos médicos mais talentosos de Viena”.
Imensamente popular entre o público em geral, as novas clínicas adotaram uma abordagem mais funcionalista ao tratamento – evidente, observa Danto, no contraste impressionante entre a simplicidade sem adornos dos consultórios policlínicos, projetados pelo arquiteto de Freud, filho de Ernst Simmel, e o ornamentalismo luxuoso do escritório do psicanalista na Berggasse nº 19. “Um posto avançado, sofisticado porém modesto, para uma campanha militar contra os distúrbios nervosos.” Para Turner, a Policlínica privilegiou o conhecimento prático e a eficiência na restauração do bem-estar mental.
Além da prática liberal
Por mais inovadoras e ambiciosas que fossem, as novas clínicas ambulatoriais lutaram para lidar com o influxo (“não sabíamos como lidar com isso”, relembrou Reich). Apesar dessas limitações, que deixaram Reich convencido da futilidade de tratar os problemas coletivos por meio da terapia individual, a luta para desenvolver uma “terapia para as massas” daria origem a uma nova psicanálise.
O próprio trabalho de Reich com pacientes indigentes no Ambulatorium de Viena é um dos testemunhos mais marcantes dessa transformação. Trabalhando com casos severos – psicóticos borderlines –, Reich diferenciaria os “bons sintomas burgueses” nos estudos de Freud antes da guerra de histéricos reprimidos e neuróticos obsessivos e os distúrbios mais profundos dos de “caráter impulsivo” que ele tratou. Em contraste com os sintomas “circunscritos” dos neuróticos burgueses, para Reich os “neuróticos do caráter” das classes baixas eram oprimidos por seus distúrbios.
Ecoando Aichhorn, Reich insistiu que a causa fundamental dos distúrbios caracterológicos que ele enfrentou foi a maior exposição infantil de seus pacientes à miséria material e a um ambiente social brutal. Com a ênfase deslocada para o ambiente, as neuroses assumiram uma nova roupagem. Tendo sido anteriormente consideradas expressões de individualidade única, com base na história de vida pessoal do paciente, elas passaram a figurar cada vez mais no pensamento psicanalítico como reflexos impessoais de patologias sociais e políticas mais amplas.
O trabalho de Simmel com neuróticos de guerra sinalizou o surgimento dessa nova perspectiva. Mas, à medida que mais analistas olhavam para além das margens protegidas da esfera familiar burguesa – na verdade, quando essa esfera começou a desmoronar – a importância etiológica das forças do ambiente passou a figurar de forma mais proeminente no pensamento psicanalítico. (O surgimento contemporâneo da teoria social psicanalítica atesta a mesma tentativa de lidar com uma sociedade volátil e ameaçadora.). O escopo da psicanálise estava se ampliando – e novos assuntos e tipos de sofrimento estavam cada vez mais excluindo a norma do burguês neurótico adulto (histérico ou obsessivo). As clínicas gratuitas foram um importante espaço para essa redefinição, mas em um momento de expansão e diversificação profissional, estavam longe de ser únicos.
O trabalho terapêutico e educacional de Anna Freud com crianças foi um desses momentos. Colaboradora próxima de Aichhorn e Bernfeld, Anna Freud desenvolveu uma abordagem distinta para o tratamento de distúrbios infantis de meados da década de 1920 em diante. Contra a escola mais conservadora de psicanálise infantil que floresceu em Londres em torno da figura de Melanie Klein, Freud e seus seguidores insistiram na importância dos fatores sociais na compreensão clínica e no tratamento das neuroses infantis.
Inspirada pelas reformas educacionais e de bem-estar social na Viena Vermelha, que se esforçou para estabelecer regimes mais racionais e empáticos de cuidado infantil e instrução primária, Anna Freud insistiu que o ambiente da criança era a solução, bem como a causa de seu sofrimento. “Facilitamos a tarefa de adaptação da criança”, escreveu, “à medida que nos esforçamos para ajustar o ambiente ao seu redor”. Como o trabalho experimental de Anna Freud com crianças indicou – junto com as inovações técnicas de Reich, Ferenczi e Simmel (este último diretor de uma clínica de internação para casos graves que durou pouco) – as políticas terapêuticas da psicanálise seguiam seu fluxo.
Projetada para um sujeito burguês independente, a terapia analítica clássica era uma prática liberal, que limitava a autoridade do analista a fim de preservar a autonomia e a individualidade do paciente. No entanto, foi liberal também nas exclusões que impôs. Destinada apenas a pacientes com um certo grau de interdependência pessoal, literatos e com segurança material, aqueles cujos distúrbios eram mais profundos e que careciam de recursos privilegiados estavam, com raras exceções, inteiramente fora de seu alcance.
No entanto, o entre guerras testemunhou uma série de tentativas ambiciosas de romper os limites construtivos impostos à terapia analítica por seus princípios liberais. Em seu discurso de 1918, Freud havia especulado que (por razões de eficiência) o “ouro puro da análise” poderia ter que ser suplementado pelo “cobre da sugestão direta” e até mesmo pela influência hipnótica nas novas clínicas gratuitas. Embora Freud rapidamente tenha recuado para a ortopraxia analítica (“provavelmente continuarei fazendo análises ‘clássicas”’, disse a um decepcionado Ferenczi), outros analistas seguiram em frente. Enquanto o imperativo de alcançar os estratos sociais mais amplos impeliu os freudianos a experimentar o desenvolvimento de métodos mais eficientes, as diferentes ordens de sofrimento e tipos de sujeito que eles encontraram exigiam um repensar dos meios e fins da terapia analítica.
“Se um neurótico adulto veio ao seu consultório para pedir um tratamento”, Anna Freud escreveu em 1927, “e um exame mais minucioso prova que é tão impulsivo, pouco desenvolvido intelectualmente e profundamente dependente de seu ambiente quanto os meus pacientes infantis, você provavelmente diria que ‘a análise freudiana é um método excelente, mas não foi projetada para essa pessoa”’. Concebidas (como as reformas na Viena Vermelha) para um assunto mais vulnerável e dependente do que a análise liberal clássica, as novas técnicas desenvolvidas ofereceram aos pacientes um maior grau de apoio emocional e orientação pedagógica.
Ainda assim, eles também eram, em muitos casos, abertamente normativos e disciplinares, voltados para o realinhamento de sujeitos desviados das normas sociais (muitas vezes por meio da reconstrução de um superego socialmente adaptado no modelo do próprio analista). A psicanálise clássica, ao contrário, objetivava apenas capacitar o paciente a escolher como resolver os conflitos subjacentes trazendo as forças em conflito à consciência. Os métodos pós-clássicos concebidos pelos reformadores, no entanto, visavam salvaguardar tanto o ego frágil de um ambiente social patogênico quanto a própria sociedade das forças poderosas da psique.
Como os críticos apontaram, havia um perigo nisso – o perigo de que (esquecendo as lições do inconsciente) a psicanálise pudesse se degenerar em um método pedagógico para adaptar os indivíduos à sociedade. Em um marcante contraste com seus críticos kleinianos e lacanianos, a psicanálise centro-europeia progressista que foi além dos limites da prática analítica liberal estava igualmente comprometida em alterar o ambiente social para atender às necessidades do indivíduo.
Em seu aspecto duplo, refletia os paradoxos da cultural política social democrata que emergiu na Viena Vermelha, onde o cultivo do apoio às vítimas da violência social se juntou ao paternalismo benevolente. Em um nível mais profundo, as revisões contemporâneas da psicanálise internalizaram o contrato social pós-liberal do estado de bem-estar social democrata, um contrato no qual os direitos ampliados do indivíduo eram baseados no poder ampliado do Estado sobre a sociedade.
Abertura em direção à liberdade
O próprio trabalho de Reich com pacientes indigentes no Ambulatorium de Viena é um dos testemunhos mais marcantes dessa transformação. Trabalhando com casos severos – psicóticos borderlines –, Reich diferenciaria os “bons sintomas burgueses” nos estudos de Freud antes da guerra de histéricos reprimidos e neuróticos obsessivos e os distúrbios mais profundos dos de “caráter impulsivo” que ele tratou. Em contraste com os sintomas “circunscritos” dos neuróticos burgueses, para Reich os “neuróticos do caráter” das classes baixas eram oprimidos por seus distúrbios.
Ecoando Aichhorn, Reich insistiu que a causa fundamental dos distúrbios caracterológicos que ele enfrentou foi a maior exposição infantil de seus pacientes à miséria material e a um ambiente social brutal. Com a ênfase deslocada para o ambiente, as neuroses assumiram uma nova roupagem. Tendo sido anteriormente consideradas expressões de individualidade única, com base na história de vida pessoal do paciente, elas passaram a figurar cada vez mais no pensamento psicanalítico como reflexos impessoais de patologias sociais e políticas mais amplas.
O trabalho de Simmel com neuróticos de guerra sinalizou o surgimento dessa nova perspectiva. Mas, à medida que mais analistas olhavam para além das margens protegidas da esfera familiar burguesa – na verdade, quando essa esfera começou a desmoronar – a importância etiológica das forças do ambiente passou a figurar de forma mais proeminente no pensamento psicanalítico. (O surgimento contemporâneo da teoria social psicanalítica atesta a mesma tentativa de lidar com uma sociedade volátil e ameaçadora.). O escopo da psicanálise estava se ampliando – e novos assuntos e tipos de sofrimento estavam cada vez mais excluindo a norma do burguês neurótico adulto (histérico ou obsessivo). As clínicas gratuitas foram um importante espaço para essa redefinição, mas em um momento de expansão e diversificação profissional, estavam longe de ser únicos.
O trabalho terapêutico e educacional de Anna Freud com crianças foi um desses momentos. Colaboradora próxima de Aichhorn e Bernfeld, Anna Freud desenvolveu uma abordagem distinta para o tratamento de distúrbios infantis de meados da década de 1920 em diante. Contra a escola mais conservadora de psicanálise infantil que floresceu em Londres em torno da figura de Melanie Klein, Freud e seus seguidores insistiram na importância dos fatores sociais na compreensão clínica e no tratamento das neuroses infantis.
Inspirada pelas reformas educacionais e de bem-estar social na Viena Vermelha, que se esforçou para estabelecer regimes mais racionais e empáticos de cuidado infantil e instrução primária, Anna Freud insistiu que o ambiente da criança era a solução, bem como a causa de seu sofrimento. “Facilitamos a tarefa de adaptação da criança”, escreveu, “à medida que nos esforçamos para ajustar o ambiente ao seu redor”. Como o trabalho experimental de Anna Freud com crianças indicou – junto com as inovações técnicas de Reich, Ferenczi e Simmel (este último diretor de uma clínica de internação para casos graves que durou pouco) – as políticas terapêuticas da psicanálise seguiam seu fluxo.
Projetada para um sujeito burguês independente, a terapia analítica clássica era uma prática liberal, que limitava a autoridade do analista a fim de preservar a autonomia e a individualidade do paciente. No entanto, foi liberal também nas exclusões que impôs. Destinada apenas a pacientes com um certo grau de interdependência pessoal, literatos e com segurança material, aqueles cujos distúrbios eram mais profundos e que careciam de recursos privilegiados estavam, com raras exceções, inteiramente fora de seu alcance.
No entanto, o entre guerras testemunhou uma série de tentativas ambiciosas de romper os limites construtivos impostos à terapia analítica por seus princípios liberais. Em seu discurso de 1918, Freud havia especulado que (por razões de eficiência) o “ouro puro da análise” poderia ter que ser suplementado pelo “cobre da sugestão direta” e até mesmo pela influência hipnótica nas novas clínicas gratuitas. Embora Freud rapidamente tenha recuado para a ortopraxia analítica (“provavelmente continuarei fazendo análises ‘clássicas”’, disse a um decepcionado Ferenczi), outros analistas seguiram em frente. Enquanto o imperativo de alcançar os estratos sociais mais amplos impeliu os freudianos a experimentar o desenvolvimento de métodos mais eficientes, as diferentes ordens de sofrimento e tipos de sujeito que eles encontraram exigiam um repensar dos meios e fins da terapia analítica.
“Se um neurótico adulto veio ao seu consultório para pedir um tratamento”, Anna Freud escreveu em 1927, “e um exame mais minucioso prova que é tão impulsivo, pouco desenvolvido intelectualmente e profundamente dependente de seu ambiente quanto os meus pacientes infantis, você provavelmente diria que ‘a análise freudiana é um método excelente, mas não foi projetada para essa pessoa”’. Concebidas (como as reformas na Viena Vermelha) para um assunto mais vulnerável e dependente do que a análise liberal clássica, as novas técnicas desenvolvidas ofereceram aos pacientes um maior grau de apoio emocional e orientação pedagógica.
Ainda assim, eles também eram, em muitos casos, abertamente normativos e disciplinares, voltados para o realinhamento de sujeitos desviados das normas sociais (muitas vezes por meio da reconstrução de um superego socialmente adaptado no modelo do próprio analista). A psicanálise clássica, ao contrário, objetivava apenas capacitar o paciente a escolher como resolver os conflitos subjacentes trazendo as forças em conflito à consciência. Os métodos pós-clássicos concebidos pelos reformadores, no entanto, visavam salvaguardar tanto o ego frágil de um ambiente social patogênico quanto a própria sociedade das forças poderosas da psique.
Como os críticos apontaram, havia um perigo nisso – o perigo de que (esquecendo as lições do inconsciente) a psicanálise pudesse se degenerar em um método pedagógico para adaptar os indivíduos à sociedade. Em um marcante contraste com seus críticos kleinianos e lacanianos, a psicanálise centro-europeia progressista que foi além dos limites da prática analítica liberal estava igualmente comprometida em alterar o ambiente social para atender às necessidades do indivíduo.
Em seu aspecto duplo, refletia os paradoxos da cultural política social democrata que emergiu na Viena Vermelha, onde o cultivo do apoio às vítimas da violência social se juntou ao paternalismo benevolente. Em um nível mais profundo, as revisões contemporâneas da psicanálise internalizaram o contrato social pós-liberal do estado de bem-estar social democrata, um contrato no qual os direitos ampliados do indivíduo eram baseados no poder ampliado do Estado sobre a sociedade.
Abertura em direção à liberdade
A psicanálise deu uma guinada para a esquerda no início da guerra, mas os freudianos nem sempre foram recebidos com um abraço de boas-vindas na Viena Vermelha. Enquanto um punhado de vínculos “promissores”, nas lembranças de Anna Freud, se desenvolveram entre o município socialista e o movimento psicanalítico, eles permaneceram apenas isso – “promissores”. A liderança socialista da Viena Vermelha estava dividida entre ver a psicanálise como um recurso valioso em sua luta para criar uma vida melhor para as pessoas e uma responsabilidade política por conta de sua ênfase perturbadora na sexualidade. (O famoso pessimismo cultural de Freud também reforçou o ceticismo de muitos socialistas.). Ao trabalharem nas instituições da Viena Vermelha, os social-democratas geralmente optavam por psicólogos individuais adlerianos – fornecedores de uma psicologia unidimensional e teimosamente otimista de conformidade social – preterindo seus rivais, os freudianos. O que a social-democracia falhou em fornecer em apoio material, entretanto, ela mais do que compensou no reino do espírito.
Com a destruição das democracias na Alemanha e na Áustria – e a proibição dos partidos social-democratas pelo nazismo e o austrofascismo no início dos anos 1930 – a cultura progressista da psicanálise do entre guerras também se desvaneceu. O fato de ter sido destruído pela irracionalidade da sociedade que pretendia tratar foi profundamente castigador e delusório. No início da Guerra Fria, uma psicanálise mais cautelosa e conservadora dominaria a Associação Psicanalítica Internacional.
No entanto, a luta para criar uma psicanálise para as massas foi um experimento com lições valiosas para o presente. Nutridos pela social-democracia, os psicanalistas começaram a pensar em seu trabalho prático e terapêutico além das limitações do liberalismo. Para olhar a questão de uma maneira um pouco diferente, eles começaram a ver no socialismo a única possibilidade de alcance dos direitos pessoais e da liberdade individual que o liberalismo ao mesmo tempo defendeu e excluiu.
Foi nas novas clínicas gratuitas, escreveu Simmel, que a pessoa sem privilégios desfrutou primeiro do “direito e da possibilidade de suportar a profundidade de sua vida mental inconsciente em uma conversa livre e descomplicada”. Uma demanda impossível mesmo dentro do horizonte progressista do período entre guerras, “o direito do homem pobre” ao tratamento de sua mente foi, no entanto, um portal para imaginar um futuro melhor.
Sobre o autor
Phillip Henry é pós-doutorando em Shenzhen, China. Atualmente, ele está escrevendo a história da psicanálise entre as guerras.
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