9 de maio de 2020

O governo deveria emitir mais moeda para enfrentar a crise econômica? Sim

Mais moeda em circulação não implica, necessariamente, aumento de preços

Nelson Marconi

Folha de S.Paulo

Impressão de cédulas na Casa da Moeda do Brasil (CMB), no Rio de Janeiro. Fernando Frazão/Folhapress

O Brasil vem passando por uma crise de saúde pública que tem graves implicações na economia em função do alastramento da pandemia de Covid-19. Além das mortes indesejadas, o PIB do país deverá sofrer a maior queda de sua história neste ano. Nesse momento, faz-se necessário que o governo brasileiro eleve substancialmente as despesas para garantir a renda dos menos favorecidos, expandir os serviços de saúde pública e ajudar as empresas a atravessar esse período.

Corre uma discussão entre os economistas sobre a forma de financiar esse necessário gasto adicional. Teoricamente, seriam três possibilidades: aumento de impostos, venda de títulos do Tesouro Nacional (o caixa do governo) aos bancos, empresas e pessoas físicas (o chamado mercado) ou venda de títulos do Tesouro ao Banco Central.

As duas primeiras são as formas usuais de financiamento das despesas públicas, enquanto a terceira não está autorizada pela atual legislação e nem pela PEC do orçamento de guerra. Aumentar impostos para financiar despesas adicionais não parece ser uma solução de curto prazo, embora seja essencial a médio prazo elevar a tributação apenas sobre os mais ricos para que deem sua contribuição ao país neste cenário. Por sua vez, vender títulos junto ao mercado aumenta nossa dívida e a conta a pagar no futuro junto a todos que financiam o governo.

A terceira opção, ainda que necessite de mudanças na legislação, é a mais razoável agora. Em troca dos títulos que recebe, o Banco Central entregaria moeda ao Tesouro Nacional. Isso é o que chamamos de financiar o gasto público através da “emissão” de moeda.

A operação de venda de títulos do Tesouro Nacional junto ao Banco Central gera uma dívida um pouco diferente, porque se dá entre dois entes governamentais e, portanto, o acerto pode ser feito ao longo do tempo e quando houver oportunidade para tal. Assim estão fazendo países como os EUA e a Inglaterra. Parece estranho? Tempos anormais exigem soluções anormais.

Ainda segundo alguns economistas, essa medida poderia gerar um aumento da inflação porque elevaria a quantidade de moeda em circulação e implicaria redução da taxa de juros maior que a desejada pelo governo nesse momento. Então vejamos. O fato de existir mais moeda em circulação não implica necessariamente aumento dos preços. Uma inflação crescente decorre da existência de demanda superior à oferta em uma economia. Em uma combalida como a nossa, esse aumento do gasto público financiado pela colocação de moeda em circulação não pressionará os preços, apenas ajudará a remediar um cenário tenebroso para a população e o funcionamento de nossa economia. E a taxa de juros, neste momento, tem que cair; pelo mesmo motivo, não há razão para pensar que sua queda gerará mais inflação. É bom que isso fique claro: o que pressiona a inflação é o excesso de demanda ou a escassez de oferta; a moeda só ajuda nesse processo, pois facilita as transações.

Por que então o Tesouro não usa permanentemente esse mecanismo de financiamento através do Banco Central? Porque se a economia estiver operando normalmente, o Banco Central precisa regular o nível de atividade por meio do controle da taxa de juros e, assim, influir sobre a inflação. Se ele colocar muita moeda em circulação, perde esse controle. Por isso, vamos devagar com o andor —mas, neste momento de crise, o financiamento dos gastos públicos por meio da expansão monetária parece a melhor opção.

Sobre o autor

Professor da Eaesp-FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo - Fundação Getulio Vargas) e pesquisador visitante na Universidade de Harvard (EUA); foi coordenador do programa de governo do candidato à Presidência da República Ciro Gomes (PDT) em 2018

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