Nelson Marconi
Folha de S.Paulo
A terceira opção, ainda que necessite de mudanças na legislação, é a mais razoável agora. Em troca dos títulos que recebe, o Banco Central entregaria moeda ao Tesouro Nacional. Isso é o que chamamos de financiar o gasto público através da “emissão” de moeda.
A operação de venda de títulos do Tesouro Nacional junto ao Banco Central gera uma dívida um pouco diferente, porque se dá entre dois entes governamentais e, portanto, o acerto pode ser feito ao longo do tempo e quando houver oportunidade para tal. Assim estão fazendo países como os EUA e a Inglaterra. Parece estranho? Tempos anormais exigem soluções anormais.
Impressão de cédulas na Casa da Moeda do Brasil (CMB), no Rio de Janeiro. Fernando Frazão/Folhapress |
O Brasil vem passando por uma crise de saúde pública que tem graves implicações na economia em função do alastramento da pandemia de Covid-19. Além das mortes indesejadas, o PIB do país deverá sofrer a maior queda de sua história neste ano. Nesse momento, faz-se necessário que o governo brasileiro eleve substancialmente as despesas para garantir a renda dos menos favorecidos, expandir os serviços de saúde pública e ajudar as empresas a atravessar esse período.
Corre uma discussão entre os economistas sobre a forma de financiar esse necessário gasto adicional. Teoricamente, seriam três possibilidades: aumento de impostos, venda de títulos do Tesouro Nacional (o caixa do governo) aos bancos, empresas e pessoas físicas (o chamado mercado) ou venda de títulos do Tesouro ao Banco Central.
Corre uma discussão entre os economistas sobre a forma de financiar esse necessário gasto adicional. Teoricamente, seriam três possibilidades: aumento de impostos, venda de títulos do Tesouro Nacional (o caixa do governo) aos bancos, empresas e pessoas físicas (o chamado mercado) ou venda de títulos do Tesouro ao Banco Central.
As duas primeiras são as formas usuais de financiamento das despesas públicas, enquanto a terceira não está autorizada pela atual legislação e nem pela PEC do orçamento de guerra. Aumentar impostos para financiar despesas adicionais não parece ser uma solução de curto prazo, embora seja essencial a médio prazo elevar a tributação apenas sobre os mais ricos para que deem sua contribuição ao país neste cenário. Por sua vez, vender títulos junto ao mercado aumenta nossa dívida e a conta a pagar no futuro junto a todos que financiam o governo.
A terceira opção, ainda que necessite de mudanças na legislação, é a mais razoável agora. Em troca dos títulos que recebe, o Banco Central entregaria moeda ao Tesouro Nacional. Isso é o que chamamos de financiar o gasto público através da “emissão” de moeda.
A operação de venda de títulos do Tesouro Nacional junto ao Banco Central gera uma dívida um pouco diferente, porque se dá entre dois entes governamentais e, portanto, o acerto pode ser feito ao longo do tempo e quando houver oportunidade para tal. Assim estão fazendo países como os EUA e a Inglaterra. Parece estranho? Tempos anormais exigem soluções anormais.
Ainda segundo alguns economistas, essa medida poderia gerar um aumento da inflação porque elevaria a quantidade de moeda em circulação e implicaria redução da taxa de juros maior que a desejada pelo governo nesse momento. Então vejamos. O fato de existir mais moeda em circulação não implica necessariamente aumento dos preços. Uma inflação crescente decorre da existência de demanda superior à oferta em uma economia. Em uma combalida como a nossa, esse aumento do gasto público financiado pela colocação de moeda em circulação não pressionará os preços, apenas ajudará a remediar um cenário tenebroso para a população e o funcionamento de nossa economia. E a taxa de juros, neste momento, tem que cair; pelo mesmo motivo, não há razão para pensar que sua queda gerará mais inflação. É bom que isso fique claro: o que pressiona a inflação é o excesso de demanda ou a escassez de oferta; a moeda só ajuda nesse processo, pois facilita as transações.
Por que então o Tesouro não usa permanentemente esse mecanismo de financiamento através do Banco Central? Porque se a economia estiver operando normalmente, o Banco Central precisa regular o nível de atividade por meio do controle da taxa de juros e, assim, influir sobre a inflação. Se ele colocar muita moeda em circulação, perde esse controle. Por isso, vamos devagar com o andor —mas, neste momento de crise, o financiamento dos gastos públicos por meio da expansão monetária parece a melhor opção.
Sobre o autor
Professor da Eaesp-FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo - Fundação Getulio Vargas) e pesquisador visitante na Universidade de Harvard (EUA); foi coordenador do programa de governo do candidato à Presidência da República Ciro Gomes (PDT) em 2018
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