9 de maio de 2020

Dia da Vitória - uma alegria com lágrimas nos olhos

Embaixador da Rússia no Brasil escreve sobre os 75 anos da rendição da Alemanha nazista e o legado da guerra para o povo russo

Sergey Akopov

O Globo

Instalação em homenagem ao Dia da Vitória em Moscou. Além da estrela vermelha, a inscrição "Moscou Cidade-Herói" Foto: Dimitar Dilkoff / AFP

Neste dia 9 de maio, a Rússia e os outros países da antiga União Soviética comemoram o Dia da Vitória na Grande Guerra Patriótica de 1941-1945. É assim que em todo o espaço pós-soviético se chama o período da Segunda Guerra Mundial, quando nosso país travou uma luta sem igual pela sua sobrevivência contra a Alemanha nazista na Frente Oriental europeia.

Para o nosso povo, e para mim, a vitória, sem dúvida, representa um grande sucesso do todo o mundo civilizado na defesa da sua liberdade. Mas não só isso. Como diz a famosa canção russa, é uma “alegria com lágrimas nos olhos”. Naquela guerra o mundo perdeu mais de 70 milhões de pessoas, entre as quais 27 milhões eram cidadãos soviéticos. Estes números gelam-nos o sangue nas veias. Os países que participaram da guerra sacrificaram uma parte significativa de uma geração inteira, as pessoas mais corajosas e ativas, muitas das quais poderiam se tornar cientistas, artistas, escritores e contribuir no desenvolvimento do mundo pós-guerra. Mas nunca voltaram. E a alegria da vitória, para mim, não consegue se sobrepor a esta trágica perda.

Dimensões

É impossível subestimar o significado da vitória na Segunda Guerra Mundial. Na verdade, ela tem muitas dimensões. Primeiramente, uma dimensão pessoal. Para mim, tal como para a maioria absoluta dos cidadãos da Rússia e dos países da antiga União Soviética, a vitória faz parte da história da família, sendo uma coisa muito íntima e preciosa. Todas as famílias do nosso país, de uma maneira ou de outra, foram atingidas pela guerra e contribuíram para a vitória. Quase cada família, e a minha também, tem os seus heróis.

Este fenômeno se manifesta muito na grande popularidade da ação civil “Regimento Imortal”, que se tornou numa boa tradição. Todos os anos, em maio, a ação é realizada não só em Moscou, mas em muitos outros países do mundo, inclusive no Brasil, reunindo centenas de milhares de pessoas, que levam placas com fotografias dos heróis de suas famílias e contam suas histórias. Este ano, devido à situação grave da pandemia, temos de nos adaptar e realizar este evento pela internet, mas isso nos permite ver ainda mais como importante é este legado histórico para as pessoas de todo o mundo.

Outra dimensão da vitória é a dimensão nacional. Para o nosso país, a guerra foi um grande desafio e teste, que levou a mudanças profundas na mentalidade do povo. A União Soviética saiu da guerra como uma nação vencedora. Apesar do enorme sacrifício, perdas demográficas e danos econômicos, o país provou, antes de mais nada, para si mesmo, que juntos podemos fazer quase tudo. Foi um grande fator unificador, que assegurou também a rápida recuperação pós-guerra e as realizações posteriores do país.

Afinal, a vitória teve um importante significado internacional. Para nós, profissionais das Relações Internacionais, na verdade foi este evento que definiu toda a vida diplomática da segunda metade do século 20 e continua influenciando a politica internacional de hoje. Em primeiro lugar, devemos lembrar que um dos maiores frutos da vitória dos Aliados foi a criação da ONU, a organização cujo objetivo principal é impedir um novo conflito global que ameace a própria existência da humanidade. Até hoje, apesar de certos problemas e criticas, a ONU tem desempenhado esse papel primordial, e, estou convencido, continuará assim.

Desde a vitória, que de uma vez por todas mudou o curso da história da humanidade e deu luz à nova ordem mundial que existe até hoje em dia, já se passaram 75 anos. Contudo, as lições da guerra permanecem extremamente relevantes e não podem ser esquecidas.

Sobre o autor

Sergey Akopov é embaixador da Federação Russa no Brasil.

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