Augusto Aras é uma espécie de termômetro da crise política
Fábio Kerche
Fábio Kerche
O presidente Jair Bolsonaro conversa com o procurador-geral da República, Augusto Aras. Lucio Tavora/Xinhua |
Na terra arrasada em que se dá a disputa política atual, com parlamentares neófitos, evangélicos e militares conduzindo as articulações entre Executivo e Legislativo, eis que surge um jogador habilidoso: Augusto Aras, o procurador-geral da República.
Seu primeiro movimento foi perceber que Jair Bolsonaro iria ignorar os três nomes indicados pelos procuradores federais para escolher o seu novo chefe. A tradição de observar a lista constituída por meio de eleição pelos procuradores federais foi inaugurada por Lula, mantida por Dilma e parcialmente aceita por Temer, que escolheu a segunda mais votada. A prática incentivou o chefe do Ministério Público, buscando sua recondução, a observar mais atentamente os desejos de seus colegas do que os do chefe do Executivo. Exatamente o contrário do que fazia o chamado engavetador-geral da República na época de FHC, fiel protetor do ex-presidente.
Aras adaptou o discurso, adotando posições bem ao gosto dos conservadores e, correndo por fora, não participou do processo eleitoral do Ministério Público Federal. A bem-sucedida estratégia foi coroada com a indicação de Bolsonaro. O atual PGR sabe, portanto, que para ser reconduzido ao cargo no próximo ano ele deve agradar ao presidente —e não aos seus colegas.
Mas a atual crise política coloca ao PGR uma questão: continuará o presidente no cargo até o próximo ano? Se Aras proteger demais Bolsonaro, e este cair, ele corre o risco de ser associado ao presidente e não ser reconduzido. Se o presidente conseguir terminar seu mandato e Aras tiver ido para cima do ex-capitão, ele muito provavelmente não será indicado novamente. Esse é o cenário de incerteza que norteia a atuação do PGR nas últimas semanas, marcada pela dubiedade.
O inquérito sobre as manifestações antidemocráticas que contaram com a participação de Bolsonaro é um bom exemplo das habilidades do PGR. Seu pedido ao STF foi para investigar a organização dos eventos, e não a participação nos atos. Ou seja, atendia ao clamor de diversos segmentos da sociedade de que o Ministério Público teria que fazer em face das afrontas à democracia, ao mesmo tempo que protegia um presidente que compactuou com os pedidos de AI-5 e de fechamento do STF e do Congresso.
Movimento semelhante se deu no pedido de abertura de inquérito para investigar as acusações de Sergio Moro ao sair do Ministério da Justiça. O ex-juiz da Lava Jato, que ficou 16 meses no governo, acusou o presidente de tentar interferir indevidamente na PF. Aras, mais uma vez, buscando se equilibrar em duas canoas, pediu a apuração de eventuais crimes de Bolsonaro, mas também de Moro.
Muitas das acusações ao presidente, se comprovadas, levariam também o ex-ministro a ser implicado em crimes de prevaricação ou contravenção penal. Mesmo o requerimento de que o vídeo de uma reunião ministerial seja usado no inquérito pode servir aos dois lados da disputa político-jurídica. Há os que dizem que daí poderá se constituir prova cabal da interferência de Bolsonaro. Para outros, ao contrário, o vídeo pode evidenciar atividade política regular e legítima do presidente, buscando algum grau de ingerência numa instituição da estrutura do Poder Executivo.
E o PGR ainda guarda outra carta na manga: finalizado o inquérito, é ele quem decidirá se leva adiante a acusação —caso em que precisa, ainda, da aprovação da Câmara—ou a arquiva. Ou seja, Aras tem tempo para acompanhar os rumos da crise política sem que ninguém possa acusá-lo de impedir as apurações contra o chefe de governo.
Aras, portanto, segue como o último homem de Bolsonaro. Se ele atuar de forma agressiva contra o presidente, como faziam os PGRs escolhidos pelas listas tríplices, haverá um forte sinal de que percebeu que Bolsonaro não se segurará por muito tempo no cargo. Se ele o proteger, mantendo a tradição do engavetador-geral da República, há um indicador de que Bolsonaro ainda tem força para se manter na Presidência. Aras é uma espécie de termômetro da crise política: fiquem de olho nele.
E o PGR ainda guarda outra carta na manga: finalizado o inquérito, é ele quem decidirá se leva adiante a acusação —caso em que precisa, ainda, da aprovação da Câmara—ou a arquiva. Ou seja, Aras tem tempo para acompanhar os rumos da crise política sem que ninguém possa acusá-lo de impedir as apurações contra o chefe de governo.
Aras, portanto, segue como o último homem de Bolsonaro. Se ele atuar de forma agressiva contra o presidente, como faziam os PGRs escolhidos pelas listas tríplices, haverá um forte sinal de que percebeu que Bolsonaro não se segurará por muito tempo no cargo. Se ele o proteger, mantendo a tradição do engavetador-geral da República, há um indicador de que Bolsonaro ainda tem força para se manter na Presidência. Aras é uma espécie de termômetro da crise política: fiquem de olho nele.
Sobre os autores
Fábio Kerche
Doutor em ciência política pela USP e professor dos programas de pós-graduação da UniRio e do Iesp/Uerj; é autor de 'Virtude e Limites: autonomia e atribuições do Ministério Público no Brasil' (Edusp).
Doutor em ciência política pela USP e professor dos programas de pós-graduação da UniRio e do Iesp/Uerj; é autor de 'Virtude e Limites: autonomia e atribuições do Ministério Público no Brasil' (Edusp).
Marjorie Marona
Professora e doutora em ciência política pela UFMG; é uma das organizadoras de 'Justiça no Brasil: as margens da democracia' (Arraes, 2018).
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