27 de setembro de 2021

O Partido Comunista acaba de ganhar as eleições na segunda maior cidade da Áustria

Nas eleições de domingo em Graz, Áustria, o Partido Comunista conquistou a vitória pela primeira vez na história. A Jacobin falou com um de seus candidatos vencedores sobre como o partido construiu uma “fortaleza vermelha” na cidade.

Uma entrevista com
Robert Krotzer


A cidade de Graz. (Isiwal / Wikimedia Commons)

Tradução / Se as experiências sociais da "Viena Vermelha" há muito associaram a Áustria aos pontos altos históricos da social-democracia, nas últimas décadas esta república alpina tornou-se, em vez disso, um laboratório para o populismo de direita. Mas em Graz - a segunda maior cidade do país depois de Viena - existe uma alternativa à tendência reacionária. Nas eleições deste domingo, o Partido Comunista da Áustria (KPÖ) assegurou uma vitória sem precedentes, conquistando 29 por cento dos votos. Com a derrota do conservador Partido Popular Austríaco (ÖVP), espera-se agora que a comunista Elke Kahr se torne presidente da câmara.

O sucesso notável do KPÖ nesta cidade - em contraste com a sua presença marginal na política nacional - deve-se a anos de envolvimento comunitário enraizado numa firme política de classe. O seu progresso não teria sido possível sem ativistas dedicados como Robert Krotzer, de 34 anos de idade, que foi o segundo na lista do KPÖ nesta eleição. Em 2017, ele tornou-se a pessoa mais jovem de sempre a ser eleita para o Senado da cidade de Graz, desde então está a liderar o Departamento de Saúde e de Cuidados no Departamento de Serviços Sociais.

Antes da votação de domingo, Krotzer falou com Adam Baltner, da Jacobin, sobre como o KPÖ construiu esta improvável "fortaleza vermelha".

Nas eleições nacionais da Áustria, o KPÖ consegue normalmente cerca de 1 por cento dos votos. Em Graz, porém - a capital do estado da Estíria - o partido sai-se consideravelmente melhor, com cerca de 20% desde o início dos anos 2000. Porque é que o KPÖ é tão bem sucedido em Graz, em particular?

Isto tem a ver com uma orientação política que remonta ao início dos anos 1990 - uma época de profunda crise para o movimento comunista. Nessa altura, um dos lemas do KPÖ na Estíria era "Um partido útil para a vida quotidiana e para os grandes objetivos do movimento operário". De acordo com esta máxima, o partido prosseguiu uma orientação política muito concreta, especialmente para os inquilinos.

Em particular, [o ex-político do KPÖ e presidente do partido em Graz] Ernest Kaltenegger fez aqui um trabalho tremendo, ganhou uma reputação muito positiva entre a população. Kaltenegger esteve sempre presente para ajudar os outros e para dar ouvidos aos seus problemas. Ainda hoje as pessoas contam histórias sobre ele, incluindo ir arranjar coisas nos seus apartamentos. Mas ele também politizou a questão da habitação.

No início dos anos 1990, muitos promotores tentaram esvaziar prédios inteiros de inquilinos, por vezes com métodos extremamente draconianos, como a remoção de janelas das entradas dos edifícios em janeiro, alegando que os estavam a tirar para serem reparados. Em 1991, foi criada uma linha direta de emergência para inquilinos como primeiro ponto de contacto para pessoas que tinham problemas com os seus senhorios. Foi também criado um aconselhamento jurídico para "vítimas de especuladores" - como eram então chamados - por iniciativa de Kaltenegger. A partir desta combinação de ajuda muito concreta e apoio jurídico, o KPÖ foi capaz de ganhar protagonismo.

Anos depois, seguiu-se uma grande campanha contra os elevados preços das rendas na habitação pública. Na altura, mesmo em habitações públicas, não era raro as pessoas pagarem até 55 por cento dos seus rendimentos em renda de casa. Assim, o KPÖ apresentou uma lei na Câmara Municipal estipulando que ninguém que vivesse em habitação pública teria de pagar mais de um terço do seu rendimento em renda. Como tantas outras propostas do KPÖ, foi rejeitada por todos aos outros partidos. Posteriormente, o KPÖ reuniu assinaturas, em especial em habitações públicas e em conjunto com inquilinos. O partido apresentou então à Câmara Municipal uma "Petição de acordo com a Lei Popular da Estíria" contendo dezassete mil assinaturas e reintroduziu o projeto de lei. Desta vez, foi aprovada por unanimidade.

As eleições seguintes em 1998 marcaram o primeiro grande avanço do KPÖ nas urnas com 7,9% dos votos. A Kaltenegger foi atribuído o Departamento de Habitação pelos partidos no poder, que esperavam que ele falhasse neste papel. Mas as coisas correram de forma diferente. De facto, ele conseguiu fazer boa parte do que se propôs, como assegurar que cada unidade habitacional pública tivesse o seu próprio lavabo e casa de banho. E depois, nas eleições de 2003, o partido alcançou 20,8 por cento.

Tudo isto mostra que a política de esquerda requer resistência e trabalho de base. Mostra também que os parlamentares podem usar a pressão extra-parlamentar para fazer avançar coisas que de outra forma não seriam possíveis devido às relações de forças existentes.

Acabou de abordar não só a forma como o KPÖ construiu apoio em Graz, mas também como influenciou a política da cidade a partir do seu papel como partido de oposição. Que outros exemplos existem disso?

Um dos feitos mais duradouros do KPÖ aconteceu em 2004, quando impediu a privatização do parque imobiliário público de Graz. Na altura, o [conservador] ÖVP, o SPÖ [Partido Social Democrata da Áustria], e de facto todos os outros partidos da Câmara Municipal concordaram com a privatização. Infelizmente, por essa altura, um governo "vermelho-vermelho" em Berlim [uma coligação entre o Partido Social Democrata da Alemanha e o antecessor do Die Linke] privatizou apartamentos que eram propriedade do município.

Apesar de ainda sermos um pequeno partido na altura, conseguimos reunir mais de dez mil assinaturas para a nossa petição contra a privatização, que de acordo com a lei da Estíria é o número necessário para um referendo oficial organizado pela cidade. Nas urnas, cerca de 96 por cento votaram contra a venda das unidades habitacionais. Até hoje, todos os partidos não se arriscam a pôr em causa a habitação pública - a questão da privatização nunca voltou a emergir.

Apesar de nunca termos sido um dos partidos da coligação no poder, temos tido pelouros no executivo da cidade desde 1998. Isto deve-se ao sistema de representação proporcional, que atribui lugares no Senado da cidade com base nas percentagens de voto dos partidos. Atualmente, a nossa presidente do partido, Elke Kahr, lidera o Departamento de Estradas e o Departamento de Planeamento dos Transportes, e eu sou responsável pela Saúde e Cuidados. Tivemos êxitos em ambas estas áreas - apesar das difíceis condições dos últimos quatro anos e meio sob o governo de coligação de direita entre o ÖVP e o FPÖ [Partido da Liberdade da Áustria, extrema-direita].

Construímos novas ciclovias e melhorámos os transportes públicos, expandindo a rede de elétricos e criando novas linhas de autocarros. E introduzimos o chamado Modelo Graz de Cuidados, segundo o qual os idosos dependentes de cuidados recebem subsídios da cidade para que possam ser atendidos em casa e não tenham de se mudar para lares de idosos.

Quando foi nomeado responsável pela Saúde e Cuidados em 2017, ninguém estava à espera que chegasse a crise da covid-19. Como foi capaz de utilizar o seu cargo para enfrentar a crise a nível local?

O Departamento de Saúde de Graz é um departamento relativamente pequeno mas, no entanto, importante. Em comparação com Viena, que é simultaneamente uma cidade e o seu próprio estado, Graz é apenas uma cidade. Por este motivo, ao contrário do nosso homólogo vienense, faltam-nos certas responsabilidades, tais como a administração de associações hospitalares. Ao assumir o departamento, as pessoas nos círculos do Partido da Juventude [organização juvenil do ÖVP] conservador diziam: "Krotzer vai ficar com o Departamento de Saúde porque, assim como assim, lá não pode causar estragos". Isto mostra bem a seriedade com que o ÖVP trata as questões de saúde e de cuidados. Em comparação, elas sempre foram de importância crucial para nós no KPÖ.

A política de saúde urbana em relação à crise da covid significa, acima de tudo, rastrear os contactos, ou seguir e quebrar cadeias de infeção. Esta é, evidentemente, uma tarefa enorme para qualquer agência de saúde pública. Em Fevereiro de 2020, o Gabinete Graz de Epidemiologia consistia precisamente em dois funcionários a tempo inteiro e um a tempo parcial. Em Novembro de 2020, tínhamos duzentas pessoas a trabalhar no local.

Contudo, não cumprimos apenas os nossos deveres administrativos. Trabalhando com organizações de migrantes e idosos, bem como com instituições de assistência social, iniciámos uma corrente de telefonemas em Março de 2020, a fim de divulgar informação e de descobrir o que as pessoas sabiam e precisavam na altura. Apoiámo-los então de formas concretas, como por exemplo ligando-os a serviços de compras ou fornecendo-lhes vales de mercearia.

Os governos nacional e estatal fizeram inúmeras promessas de que disponibilizariam testes rápidos de antigénios ao público, mas no Outono de 2020 acabámos por pagá-los do nosso próprio bolso e enviá-los para lares de idosos, prestadores de cuidados de saúde ao domicílio e instituições de assistência social. A fim de levar a vacina à população, também realizámos campanhas especiais de vacinação - como para os vendedores do jornal de rua Megafon e na mesquita de Graz, nas igrejas, nas bibliotecas, e em diferentes partes da cidade. Tudo isto está de acordo com o nosso objetivo de sermos um partido útil para o dia a dia das pessoas.

A cobertura eleitoral foi dominada pela especulação sobre quais os partidos que irão juntar-se à coligação do governo municipal. Na sua opinião, quais são as questões decisivas?

Só muito raramente os eleitores me levantaram a questão de potenciais coligações. Em vez disso, as conversas nas bancas de rua tendem a ser sobre como as pessoas têm recebido ajuda da nossa parte de formas muito concretas. E isso é absolutamente uma grande vantagem que nós temos enquanto KPÖ.

Todos os anos, milhares de pessoas visitam Elke [Kahr] e eu próprio no nosso horário de expediente. Lá, vemos como melhor os podemos ajudar, seja fornecendo-lhes aconselhamento jurídico, ajudando-os a preencher pedidos, ou dando-lhes apoio financeiro directo - os representantes do KPÖ no Senado da cidade e do Parlamento da Estíria doam voluntariamente dois terços dos seus salários a pessoas necessitadas.

Para nós, isto não é, de forma alguma, caridade. Pelo contrário, é uma forma de política orientada em torno de um princípio socialista-comunista básico que remonta à Comuna de Paris. Penso que é difícil falar genuinamente com empatia com alguém que trabalha a tempo inteiro por 1.200 euros por mês, quando se ganha três, quatro, cinco vezes mais do que isso. Afinal de contas, como disse Marx: O ser determina a consciência.

Para além do fracasso da política social [da coligação governamental de direita], eu sublinharia a rápida expansão urbana como outra das principais questões. Em Graz, os planos de construção são aprovados e os espaços verdes cedidos de forma extremamente frívola porque o presidente da câmara do ÖVP Siegfried Nagl [que se demitiu este domingo] é bastante próximo dos investidores. Muitas pessoas ficam extremamente perturbadas com isto. Não foram poucos os que me disseram, a propósito do frenesim de construção dos últimos anos: "Toda a minha vida nunca votei em nenhum partido a não ser no ÖVP, mas já chega".

O programa do KPÖ na Estíria destaca a herança de Marx, Engels, e Lenine. Devido a este compromisso aberto com uma política radical, o conservador ÖVP tem vindo a denegrir-vos ao longo dos anos - aparentemente sem muito sucesso. Como lidam com os insultos anticomunistas?

Na Primavera deste ano, emitimos um comunicado de imprensa em comemoração do sexagésimo aniversário do primeiro voo espacial tripulado. Naturalmente, a primeira pessoa no espaço foi o cosmonauta soviético Yuri Gagarin. O ÖVP tentou criar uma armadilha, apresentando uma moção urgente à câmara municipal exigindo aos partidos que se distanciassem de todas as ideologias totalitárias, incluindo o comunismo soviético. Todos os outros partidos, incluindo o SPÖ e os Verdes, votaram a favor desta moção. O ÖVP expressou então a sua indignação pelo facto de termos recusado.

A nossa resposta acabou por ser bastante ponderada. Conhecemos o ÖVP há tempo suficiente para compreender o que eles querem alcançar com iniciativas deste tipo. A nossa vereadora Elke Heinrichs fez um discurso detalhando extensivamente que o KPÖ sempre foi a principal força de resistência contra o fascismo na Áustria e - em contraste com os outros partidos que existem desde o período pós-guerra - nunca teve camaradas com passados fascistas. Por outras palavras, quando se trata de questões de distanciamento, o ÖVP deve pôr a sua própria casa em ordem.

Claro que há muitos aspetos da história do socialismo realmente existente que nós, enquanto comunistas e marxistas, temos de discutir. Mas não temos de o fazer a mando do ÖVP, e especialmente através da lente com que eles veem a história.

Este comportamento anticomunista do ÖVP nunca foi um tópico de discussão em nenhuma das nossas bancas de rua. Penso que provavelmente passou em grande parte despercebido pela população em geral, porque muitas pessoas já têm uma ligação muito concreta com o KPÖ - ou conhecem um de nós, ou nos veem na rua, ou sabem que somos a razão pela qual a linha direta dos inquilinos existe. Estas coisas são muito mais importantes para as pessoas.

Até agora, o sucesso do KPÖ em Graz não foi reproduzido noutras cidades da Áustria. Mas pensa que um movimento político nacional ou mesmo internacional pode ser construído através da política municipal?

Naturalmente, não pregamos o socialismo numa só cidade ou algo parecido com uma transição municipal para o socialismo. Mas em geral, estou convencido de que a política de esquerda precisa de ser desenvolvida a partir de baixo. E isso significa estabelecer raízes ao nível do município, ou mesmo do chão de fábrica, e estar em contacto constante com as pessoas. É importante estarmos envolvidos em áreas onde se possa mostrar concretamente que se é uma força útil. E os partidos dos trabalhadores podem aprender muito com este tipo de envolvimento.

Nas últimas décadas, a Esquerda pode ter negligenciado um pouco esta percepção. As pessoas pensaram que temos os textos sofisticados, temos os volumes de Marx e Engels e Lenine, e com estes poderemos lidar com o mundo. Mas só através de uma troca constante com as pessoas é que se pode descobrir onde estão os verdadeiros problemas. Se você e os seus camaradas quiserem trabalhar em conjunto para mudar e melhorar as condições das pessoas, este conhecimento é central.

Há vários exemplos de políticas bem sucedidas de esquerda a nível municipal ou de chão de fábrica - por exemplo, no Alentejo em Portugal, onde há comunidades que têm sido administradas pelo Partido Comunista Português desde a Revolução dos Cravos de 1974, ou pela [organização sindical comunista] PAME na Grécia.

Um novo desenvolvimento interessante é o sucesso do Partido dos Trabalhadores(link is external) da Bélgica. Com base nas suas raízes de longa data na organização nas fábricas, este partido conseguiu tornar-se uma força na política municipal antes de dar o grande salto para a cena nacional em 2019. Este feito é realmente bastante impressionante. Mas também foi desenvolvido em pequena escala. Certamente não teria sido possível sem as raízes locais.

Sobre o autor

Robert Krotzer é um membro do Partido Comunista no Senado da cidade de Graz, onde ele é responsável pelo Departamento de Saúde e Divisão de Cuidados de Graz do Departamento de Serviços Sociais.

Sobre o entrevistador

Adam Baltner é professor e tradutor em Viena, Áustria. Ele é editor do mosaik-blog.at.

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