1 de dezembro de 2018

Sobre as origens do marxismo animalista

Relendo Ted Benton e os Manuscritos Econômicos Filosóficos de 1844

Nos estudos humanos-animais e nos estudos animais críticos, o tratamento mais influente do marxismo animalista e do animalismo marxista foi desenvolvido por Ted Benton com base em sua interpretação da obra de Karl Marx. Este artigo se concentra minuciosamente no argumento de Benton e nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de Marx de 1844 (ou Manuscritos de Paris), refutando as alegações de Benton ponto por ponto e desafiando vigorosamente a ideia de que o trabalho de Marx era de orientação especista.

Christian Stache



Tradução / Na área de estudos humanos-animais (human-animal studies) e estudos críticos dos animais (critical animal studies), o pensamento mais influente do marxismo animalista e do animalismo marxista foi desenvolvido por Ted Benton, com base em sua interpretação do trabalho de Karl Marx. 

Benton é Professor Emérito de Sociologia na Universidade de Essex, Inglaterra, e um intelectual orgânico dos chamados novos movimentos sociais, particularmente do movimento ecológico. Teoricamente, se apresenta como um dos "ecossocialistas de primeira fase", que "procurou destacar as supostas falhas ecológicas de Marx, e procedeu buscando acrescentar a teoria ecológica ao marxismo (ou em alguns casos, inserir o marxismo na teoria ecológica) como parte de um processo de ecologização do marxismo." [1]

Benton fazia parte de um grupo de estudiosos que buscavam construir pontes, ainda que por vezes frágeis, entre marxistas e ecologistas. No final dos anos 1980 e ao longo dos anos 1990, também se tornou pioneiro na promoção de uma aproximação mútua entre marxistas e defensores de direitos e liberdades animais [2]. Por exemplo, Benton iniciou um simpósio para discutir direito animal a partir de uma perspectiva eco-marxista chamado Animal Wrongs and Rights.

Sua contribuição introdutória, a palestra e o debate do simpósio, foram posteriormente publicados no jornal ecossocialista Capitalism Nature Socialism [3]. Nele, o esforço teórico central de Benton foi o de desenvolver uma posição de direito animal dentro de uma estrutura "marxista vaga" [4]. Isto incluía defender a ideia de atribuir direitos morais e legais aos animais enquanto, ao mesmo tempo, criticava as abordagens que tinham por fundamento o Direito, particularmente as de Tom Regan, com base em críticas marxistas, feministas e outras críticas aos direitos burgueses [5]. Infelizmente, até hoje, tentativas de estabelecer diálogo entre ecossocialistas e militantes da causa animal têm sido a exceção e não a regra.

Em 1993, Benton publicou seu principal trabalho sobre animais e justiça social, Natural Relations: Ecology, Animal Rights and Social Justice (Relações Naturais: Ecologia, Direitos Animais e Justiça Social, numa tradução livre, sem publicação em português) [6]. Desde então, seu livro tem servido de referência em se tratando de Marx e animais. Benton se tornou o marxista número um entre estudiosos das relações humano-animal. Em Natural Relations, o autor publicou uma versão revisada de seu ensaio Humanism = Speciesism: Marx on Humans and Animals (Humanismo = Especismo, Marx sobre Humanos e Animais, em tradução livre, em breve publicado nessa coluna), que apareceu originalmente em 1988 na Radicall Philosophy, a cujo grupo editorial Benton pertencia [7]. Renomeado Marx on Humans and Animals: Humanism or Naturalism, o ensaio ganhou particular destaque em contraste a um contexto de um discurso relativamente fraco sobre marxismo e libertação animal nas últimas décadas [8]. O texto lançou a leitura e recepção animalista das obras de Marx dominantes até os dias de hoje. Na obra, Benton analisa como Marx retrata a relação homem-animal nos Manuscritos Econômicos Filosóficos de 1844, doravante denominados Manuscritos de Paris ou simplesmente Manuscritos [9].

Embora os argumentos ecossocialistas mais gerais de Benton tenham sido criticados, uma discussão aprofundada de suas posições sobre os animais e suas acusações levantadas contra o jovem Marx necessita ainda ser feita [10]. Estudiosos adotaram amplamente as principais interpretações e resultados de Benton - ou os compartilharam - embora não concordem com tudo que é exposto pelo autor [11]. No entanto, apenas uma minoria de pensadores levantou objeções fundamentais, embora não rigorosamente fundamentadas [12]. Outros autores, como Bradley J. Macdonald, têm sido ambivalentes em relação às interpretações de Benton [13].

Neste ensaio, tento demonstrar como a leitura que Benton faz dos Manuscritos de Paris com relação à diferenciação homem-animal é fundamentalmente falha. Em contradição com as teses centrais de Benton, Marx não faz uso da espécie, nem de um dualismo homem-animal para estabelecer o conceito de estranhamento (estrangement), nem fundamenta sua crítica ao capitalismo em tal distinção ideológica. Além disso, é infundado acusar o esboço de Marx do desenvolvimento histórico e, particularmente, da emancipação (e de uma sociedade comunista) de ser um relato prometeico e produtivista da dominação humana da natureza. Assim, contrastando com o que pensava Benton, argumento que não há razão para considerar o jovem Marx um narcisista antropocêntrico ou para lê-lo como uma continuação da filosofia ocidental tradicional.

O segundo objetivo deste artigo é oferecer uma interpretação alternativa dos Manuscritos de Paris no que diz respeito aos animais e, em particular, à diferenciação humano-animal. Nesse sentido, as chaves para compreender este trabalho específico de Marx são: (a) vê-lo em termos de uma compreensão dialética da relação entre humanos e animais; e (b) explorar a conexão entre os escritos de Marx a esse respeito e como essas mesmas questões se manifestaram em sua crítica madura da economia política. A estreita relação entre os primeiros escritos de Marx e os mais maduros no que diz respeito ao status dos animais é evidente, apesar da terminologia filosófica que Marx adotou de Feuerbach e Hegel, ainda retida nos Manuscritos de Paris.

Para concluir essa introdução, argumento que não há dois Marx diferentes nos Manuscritos de Paris - um mal humanista e um bom naturalista - como Benton supõe, mas um único Marx.

Interpretação de Benton dos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844

Em seu capítulo Marx on Humans and Animals: Humanism or Naturalism, Benton detecta, aparentemente, grandes problemas nos Manuscritos de Paris, que considera "a avaliação de Marx acerca da natureza humana" e "o mais profundo e intrigante de seus escritos".

Primeiro, Benton está convencido de que os "conceitos de organização central dos manuscritos de Marx - ser da espécie [ou ser genérico] (species-being) e estranhamento (estrangement) - são desenvolvidos em termos de uma oposição fundamental entre natureza humana e animal" [15]. O estranhamento, ou alienação, se baseia em uma forma capitalista de trabalho que reduz o ser humano à condição de animal e, portanto, impede o ser humano de realizar seu potencial histórico e social como espécie.

Em segundo lugar, Marx supõe que este ser da espécie é exclusivamente humano. Para Marx, sugere Benton, outros animais "são caracterizados por uma certa inalterabilidade em seu modo de vida", transformando a natureza apenas "de acordo com um 'padrão' definido, característico de sua espécie; sua atividade é orientada para o atendimento de suas necessidades individuais (também fixas, e características de cada espécie) e as de sua prole".  "Em contraste", continua, "os seres humanos agem sobre o mundo externo de forma livre, consciente e socialmente coordenada " [16]. De fato, seguindo o pensamento de Benton, Marx apresenta seres humanos como seres capazes de organizar e coordenar todo tipo de trabalho. No entanto, o ponto de Benton é que o trabalho estranhado empurra os humanos para a condição dos animais, na medida em que seu trabalho é reduzido ao mesmo tipo de trabalho realizado pela produção animal. Em um regime de trabalho estranhado, os humanos trabalham como os animais, apenas satisfazendo suas necessidades mais básicas.

Assim, Benton assume que "ao fundamentar sua crítica ética sobre o modo de produção capitalista", Marx tem por base "uma oposição absoluta e universal, não uma provisória, e historicamente transcendente, entre o humano e o animal" como um regime de trabalho de propriedade privada [17].

Além disso, Benton argumenta que o jovem Marx concebe a emancipação humana como um progresso por meio do constante aumento do domínio da natureza em benefício dos seres humanos, que, desta forma, cumprem sua missão enquanto ser da espécie. O "processo histórico de desenvolvimento, peculiar à espécie humana, consiste em um aumento de nossos poderes transformadores vis-à-vis à natureza, equivalente a uma 'humanização' sem resíduos da mesma" [18]. Se o que está errado com estas sociedades capitalistas, como argumenta Benton, "é que o ser humano está reduzido à condição de animal; então a superação do capitalismo, ao restaurar a humanidade para [o] humano, restaura, de maneira simultânea, a diferenciação entre o humano e o animal" [19].

Como a dominação da natureza implica dominação de animais, Benton conclui que a visão de Marx de emancipação em seus primeiros escritos, não é apenas antropocêntrica, mas também "um fantástico narcisismo de espécie" [20]. A este respeito, "a tentativa de Marx (...) de fornecer um relato da natureza humana em termos de uma profunda oposição entre o humano e o animal está de acordo com a corrente dominante da ocidental filosofia moderna" [21].

Levando em consideração esta interpretação bastante resumida dos Manuscritos de Paris, é surpreendente que Benton argumente também que "há ambiguidades e tensões fundamentais na posição filosófica geral do início de Marx" [22]. Na verdade, o sociólogo britânico supõe que "mesmo em seus dias pré-darwinianos", Marx não só sustenta um discurso humanista, mas um naturalista também [23], ambos "coexistem em uma tensão não resolvida" [24]. Em outras palavras, segundo Benton, há um jovem humanista Marx que constrói seu argumento sobre um dualismo humano-animal e, ao mesmo tempo, um jovem naturalista Marx que superou o dualismo e que está comprometido com a continuidade "humano/animal" [25]. Este Marx naturalista, sugere Benton, finalmente vem à tona com a leitura, muito apreciada, e com a compreensão dos pensamentos de Darwin contidos no livro A Origem das Espécies, depois de 1859 [26]. Portanto, Benton considera os Manuscritos de Paris como "um discurso instável e evidentemente transitório", "rasgado por contradições internas" [27].

Antes de discutir o argumento de Benton, gostaria de fazer algumas observações preliminares. Primeiro, os Manuscritos escritos por Marx em Paris, entre maio e agosto de 1844, aos vinte e seis anos de idade, não são um todo integral. Consistem de trechos, cadernos e esboços, mas nem todo o texto sobreviveu. Na verdade, estabeleceu-se que o texto normalmente conhecido como Manuscritos de Paris faz parte de um corpo mais amplo de textos escritos por Marx, baseados em pesquisas conduzidas por ele na cidade de mesmo nome. Esta coleção, publicada somente após a morte do autor, era originalmente composta de diferentes trechos da literatura econômica dominante naqueles dias, como os trabalhos de John Stuart Mill, Adam Smith, David Ricardo, Friedrich List, John Ramsay McCulloch e Jean-Baptiste Say [28]. Estes trechos, no entanto, não foram integrados aos Manuscritos como o conhecemos [29]. A obra foi publicada pela primeira vez em 1932, em sua língua original, o alemão. Nesse primeiro momento, duas versões diferentes foram publicadas: uma pelos social-democratas Siegfried Landshut e Jacob-Peter Mayer e outra pelos editores soviéticos do primeiro Marx-Engels-Gesamtausgabe (MEGA). O conteúdo dos Manuscritos de Paris é uma mistura de termos e análises filosóficas e políticas econômicas, que carecem de uma linha coerente de argumentação. Não obstante, tornou-se uma das séries de textos mais influentes no debate marxista, especialmente após a II Guerra Mundial [30].

Em segundo lugar, os manuscritos foram escritos em uma época em que Marx estava mudando da filosofia em sua forma materialista antropológica, para a economia política baseada em uma estrutura teórica construída sobre o materialismo histórico e sócio-prático. Neste contexto particular, Benton está certo ao afirmar que se pode encontrar "um discurso instável e evidentemente transitório" neste trabalho [31]. No entanto, isto não é verdade para a interpretação de Marx das relações homem-natureza e homem-animal.

Terceiro, os Manuscritos de Paris foram escritos antes de Darwin e Alfred Russel Wallace publicarem suas descobertas sobre a evolução. É nesta constelação histórica que as formulações de Marx sobre a diferença e as semelhanças entre humanos e animais precisam ser lidas.

O Nascimento da Economia Política Materialista Histórica

A avaliação básica de Benton de que Marx faz uso de um certo dualismo homem-animal como um "dispositivo central" em sua crítica do trabalho estranhado [alienado] e do capitalismo só faz sentido se aceitarmos duas suposições principais [32]. Primeiro, que os Manuscritos de Paris são uma obra filosófica com uma "antropologia filosófica " [33]. Segundo, que o argumento de Marx é baseado em uma "ontologia" filosófica ou, pelo menos, que seus pensamentos são construídos sobre uma "base ontológica" [34].

Inquestionavelmente, pode-se encontrar muitos dos pensamentos político-econômicos de Marx embrulhados em terminologia filosófica. Há crítica à filosofia de Hegel e referências ao campo do pensamento filosófico mesmo nas partes explicitamente político-econômicas dos Manuscritos. Marx também faz uso de vários conceitos emprestados do materialismo antropológico de Feuerbach, mas, claramente, imbui os termos filosóficos de um novo significado. Benton reconhece essa questão, como no caso do termo ser da espécie (ser genérico) [35]. No entanto, negligencia tais ideias em sua leitura geral dos Manuscritos de Paris, interpretando-os, exclusivamente, como discurso filosófico sobre a "natureza humana" e uma "crítica ética ao modo de vida capitalista" [36]. Influenciado pelos Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie [Esboços da Crítica de Economia Política] de Engels, Marx descreve e analisa um assunto político-econômico e não um assunto basicamente filosófico, embora empregue noções que são, de fato, insuficientes ou parcialmente subdesenvolvidas [37]. Embora a maioria das notas de Marx digam respeito, principalmente, às questões econômicas, os Manuscritos de Paris podem ser considerados uma das primeiras expressões de seu interesse nascente em economia política. De modo geral, isto é impreciso na interpretação de Benton sobre o conceito de Marx acerca da diferenciação entre homem-animal [38].

De acordo com a leitura dos Manuscritos de Paris, Marx tenta conceituar as relações contemporâneas específicas entre seres humanos, por um lado, e o ser humano em relação à natureza, i.e., à organização capitalista do trabalho social [39]. Em contraste com a análise realizada n´O Capital, os focos aqui são, predominantemente, as relações sociais e as relações entre o ser humano e a natureza - tal como aparecem na esfera da produção [40]. Em seu tratamento do capitalismo nos Manuscritos, a questão da relação do mercado e os seres humanos é ausente, embora Marx expresse, embrionariamente, a forma trabalho no modo de produção capitalista (força de trabalho) [41]. Benton não percebe, ou não reconhece plenamente, que Marx dá os primeiros e decisivos passos em direção ao materialismo histórico, por meio da economia política e sua crítica à filosofia hegeliana [42]. Marx toma distância de qualquer suposição de “condição primordial fictícia” no momento em que historiciza o ser humano e o meio ambiente, realizando a crítica da naturalização da economia política ao demonstrar sua criação meramente humana [43]. É com este pano de fundo que a diferenciação feita por Marx  entre humanos-animais precisa ser entendida.

Para ilustrar, tome o exemplo de Marx diante da retórica feuerbachiana, chamando o trabalho social de "a essência do próprio trabalho atual" e rastreando a miséria dos trabalhadores na sociedade contemporânea até a exploração do trabalho humano sob o capitalismo [44]. Apesar da terminologia, "essência", Marx não refere-se a uma característica trans-histórica do trabalho humano, esperada a partir de uma leitura filosófica, sim à forma específica de trabalho que existe em um tempo e lugar específicos na história social. Outro exemplo da abordagem histórico-materialista e político-econômica de Marx nos Manuscritos de Paris é sua diferenciação entre propriedade fundiária feudal e propriedade capitalista. Ele percebe que, com a transição do feudalismo para o capitalismo, a terra em si, antes coletiva, torna-se mercadoria, propriedade que tornada privativa. De modo que "o casamento de conveniência" tomou  o lugar do “casamento de honra com a terra". Devido a esta mudança histórica, o próprio solo inaugura "o status de valor comercial, assim como o homem" [45]. Marx não apenas considera filosoficamente essa nova forma de propriedade da terra, mas aponta, também, para os resultados potencialmente alarmantes das relações - historicamente particulares - de propriedade capitalista para o homem e para a natureza. Diante de tais observações, é reducionista e negligente analisar a relação homem-animal nos Manuscritos de Paris predominantemente por meio das lentes da filosofia hegeliana e feuerbachiana.

Trabalho Estranhado, Ser da Espécie [Ser Genérico] e a Crítica do Capitalismo

O conceito de trabalho estranhado é o argumento central dos Manuscritos de Paris e é, portanto, também o foco deste ensaio. A intenção de Marx fora determinar a forma específica do trabalho humano sob o capitalismo, com a intenção de explicitar como as leis da economia política "surgem da própria natureza da propriedade privada" [46]. Marx sente essa necessidade uma vez que os estudiosos burgueses da economia política mostraram-se incapazes de explicar adequadamente a "propriedade privada" e as "leis" pelas quais a mesma é regida, uma vez que as consideravam, sem maiores questionamentos, como fatos naturais [47].

Em seus Manuscritos de Paris, quando argumenta acerca do trabalho estranhado, Marx elabora a separação entre o trabalho humano alienado e o trabalho animal, bem como diferenças e semelhanças entre o ser da espécie humano e as características das espécies de outros animais. Em consequência, os Manuscritos contém as mais importantes declarações sobre o conceito de ser da espécie [ser genérico], o estranhamento e a crítica do capitalismo que Benton utiliza para fundamentar suas premissas acerca do dualismo marxiano entre humano-animal.

Como é sabido, Marx esboça o estranhamento baseado nas relações sociais capitalistas, a alienação dos trabalhadores em relação ao produto resultado de seu trabalho, a produção, o ser da espécie, a natureza, a sociedade e outros seres humanos [48], sem referir-se diretamente aos animais não-humanos. Marx analisa o estranhamento dos trabalhadores em relação ao resultado de seu trabalho descrevendo que, sob condições capitalistas, os produtos advindos deste trabalho não pertencem aos produtores, mas sim a uma outra pessoa. Não obstante, Marx faz uma analogia à produção animal de modo a explicar o estranhamento enquanto um processo de produção humano. Ele ressalta que trabalho sob condições de existência da propriedade privada é "trabalho forçado", porque o processo de trabalho é "de outra pessoa (...) não lhe pertence (...) nele [neste trabalho], ele [o trabalhador] pertence não a si mesmo, mas a outro" [49].

Assim, no processo de produção, o trabalhador "só se sente livremente ativo em suas funções animais - tais como comer, beber, procriar, ou ao menos quando se encontra dentro de sua residência, em meio a seus adornos pessoais, etc.; até em suas funções mais humanas ele sente a si mesmo como nada além de um animal. O que é animal se torna humano e o que é humano se torna animal". Marx reconhece imediatamente que "comer, beber, procriar, etc., também são funções genuinamente humanas; mas que, tomadas abstratamente, separadas da esfera de todas outras atividades humanas e transformadas em fins únicos e últimos, são funções meramente animais" [50].

O que Marx explica aqui é que trabalhadores humanos, sob o capitalismo, não determinam seu trabalho ou o processo de produção em que ele se reproduz. Esses trabalhadores são apenas capazes de controlar certos tipos de produtos e processos de produção que compartilham com os animais (comer, beber, etc.) e que não estão - diretamente - inclusos no processo de produção capitalista de mercadorias. Estas "funções" remanescentes são exteriorizadas das relações socioeconômicas especificamente humanas e são banidas para a esfera do consumo, portanto, para a esfera da sociedade relativamente independente da economia [51]. Assim, Marx não reduz os seres humanos a animais genéricos,  tampouco reduz os animais. Ele nem mesmo avalia animais ou seres humanos. Se há uma redução do trabalhador humano ao estado animal ou do processo de trabalho humano a um processo de animalização, como Benton sugere, isso é resultado das relações capitalistas de produção, não das suposições de Marx. Em vez disso, Marx esboça a brecha no continuum de diferentes formas de processos de produção humana devido à qual os humanos não podem produzir de acordo com suas capacidades e oportunidades.

Com base nisso, Marx analisa outra forma de estranhamento, a terceira considerada nos Manuscritos, qual seja, a alienação do homem em relação às outras espécies e à natureza. Com isso, ele expande seu argumento. Primeiramente, Marx diz que: "o homem é um ser genérico [ser da espécie]" [52]. O ser da espécie humano é baseado em uma uniformidade entre humanos e animais. Ambos têm uma vida da espécie: "A vida da espécie, tanto no homem quanto nos animais, consiste basicamente no fato de que o homem (como o animal) vive da natureza". Os seres humanos vivem dos produtos da natureza, "quer eles apareçam sob a forma de alimento, aquecimento, roupas, uma habitação, etc". Portanto, Marx afirma:

"A natureza é o corpo inorgânico do homem - isto é, na medida em que ela mesma não é o corpo humano em si. O homem vive na natureza - a natureza é seu corpo [inorgânico], com a qual o ser humano deve permanecer em contínuo intercâmbio para não morrer. Que a vida física e espiritual do homem esteja ligada à natureza significa simplesmente que a natureza está ligada a si mesma, pois o homem é parte da natureza." [53]

Como o "caráter inteiro de uma espécie", isto é, o caráter de toda a espécie "está contido na característica de sua atividade vital", existem diferenças entre as espécies e seus caracteres. As espécies se desenvolvem devido aos "padrões" de atividades de vida, ou seja, de seus processos de trabalho [54]. Em outras palavras: Marx percebe que existem várias atividades de vida na natureza que levaram, e levam, a diferenças entre as espécies. A diferença entre animais e humanos dentro de sua unidade natural (tendo em vista que ambos são seres naturais que devem entrar em processo metabólico com o resto da natureza) é que os seres humanos desenvolveram sua própria forma específica de caráter de espécie por meio de seu trabalho social, praticado enquanto espécie humana.

Marx assume que "a atividade livre e consciente é o que constitui o caráter da espécie humana", enquanto que "o animal é imediatamente um com sua atividade vital, não se distinguindo dela. Ele é sua atividade vital". Um animal "produz", diz Marx, mas apenas "o que precisa imediatamente para si mesmo ou para sua prole". Os animais produzem unilateralmente, enquanto o homem produz universalmente" [55]. O homem faz de "toda a natureza" seu "corpo inorgânico" [56]. Finalmente, Marx supõe:

"Um animal produz somente a ele mesmo, enquanto o homem reproduz a natureza como um todo. Um animal forma objetos somente de acordo com o padrão e a necessidade da espécie a que pertence, enquanto o homem sabe produzir de acordo com o padrão de cada espécie, e sabe aplicar em todos os lugares o padrão inerente ao objeto." [57]

Para condensar sua diferenciação entre os processos de trabalho animal e humano, Marx afirma que "a atividade da vida consciente dos seres humanos distingue imediatamente o homem da atividade da vida animal" [58].

É indiscutível que Marx exagera a diferença entre humanos e animais no que diz respeito aos processos de trabalho das respectivas espécies ou às relações espécie-natureza. À luz dos insights biológicos em geral e do conhecimento científico etológico em particular, gerado desde 1844, é óbvio que os animais não trabalham inconscientemente ou produzem apenas o que necessitam imediatamente [59]. Além disso, os humanos - mesmo hoje - não são capazes de aplicar "em toda parte o padrão inerente ao objeto" e não estão aptos a reproduzir "toda a natureza". A classe capitalista, no entanto, parece empenhar-se pelo controle total da natureza, e o está impondo de acordo com a necessidade do capital na apaixonada caça pelo lucro (e alguns pós-modernistas parecem sonhar com a mesma coisa quando declaram que a natureza é o verdadeiro inimigo da sociedade).

É importante, no entanto, que nenhuma dessas críticas justifique a alegação de Benton de um dualismo marxiano entre homem-animal. Não é objetivo de Marx, em termos epistemológicos, minimizar as capacidades animais ou sua atividade vital, nem procurar exagerar as capacidades humanas e sua atividade vital a fim de definir humanos e animais. Seus objetivos são muito diferentes.

Em primeiro lugar, Marx quer salientar que o trabalho estranhado sob o capitalismo foi criado socialmente. Ele explica que este trabalho é construído sob certas relações sociais humanas, ressaltando que o trabalho humano não precisa ser organizado desta forma. Marx ainda não compreende totalmente o significado do trabalho social humano sob o modo de produção capitalista porque está concentrado na esfera da produção. Por outro lado, antecipa o fato de que os animais (assim como a natureza em geral) não participam da construção e reprodução das relações sociais capitalistas e, portanto, não têm as mesmas possibilidades que os humanos possuem para adaptar sua coabitação e sua atividade de vida social [60].

Em segundo lugar, entendendo que o trabalho estranhado é uma forma contingente, temporária, de trabalho humano, sendo necessário demonstrar como exatamente este trabalho estranha-se em uma constelação histórica e social específica, neste caso o capitalismo. Por esta razão, Marx procura demonstrar como os humanos são alienados em relação ao ser genérico, que serve para distingui-los do caráter da espécie e, portanto, da vida da espécie e de outras espécies animais. Os seres humanos são alienados acerca do ser genérico porque, sob o capitalismo, essa questão é reduzida a um mero meio de existência individual. Devido à forma capitalista de trabalho social, os humanos não podem viver à altura de suas múltiplas capacidades práticas, sociais, espirituais-intelectuais, morais, artísticas e outras enquanto um coletivo. Pior ainda, a maioria dos humanos tem que suprimir necessidades, negligenciar habilidades e negar relações racionais com outros humanos, animais e natureza. Portanto, os humanos também são alienados em relação a seus corpos, sua natureza externa e seu aspecto espiritual [61].

Em terceiro lugar, Marx delineia o potencial social histórico que o ser humano possui em comparação a outros animais na atual paisagem histórico-natural. Isto é especialmente importante do ponto de vista de uma sociedade livre, ou seja, comunista. Os humanos têm a capacidade especial de mudar sua práxis social em um escopo e qualidade que lhes permite livrar-se dos constrangimentos de suas relações político-econômicas, ou seja, das relações de trabalho capitalistas. Essa argumentação não busca negar o potencial de desenvolvimento dos animais, como sugere Benton [62]. Nos Manuscritos de Paris, mais de uma década antes de Darwin publicar suas principais obras, Marx reconhece explicitamente a história da natureza, que inclui os animais, como um processo de auto-geração. Ele entende esta visão como "a única refutação prática da teoria da criação" [63].

Assim, o que Marx faz é o que todos militantes dos direitos e da libertação animal sabem, instintivamente ou conscientemente, desde o início de sua militância: que os animais não pretendem e não são, de maneira prática, capazes de estabelecer relações que produzam trabalho estranhado no sentido capitalista. Eles não são capazes de reconciliar a natureza com a sociedade, da mesma maneira que não podem destruir a Terra e seu ecossistema global. Até agora, isto tem sido um privilégio humano da classe capitalista [64]. Assim, o trabalho capitalista estranhado ou a propriedade privada só podem ser explicados pelo trabalho social humano - não pelas relações estabelecidas por qualquer outra espécie. Marx tem se concentra no trabalho humano e nas relações sociais humanas, e não no trabalho de outras espécies, vez que assim pode enfrentar o problema específico do trabalho estranhado dentro do capitalismo.

Marx afirma que “o homem é diretamente um ser natural” e, como tal, “é uma criatura sofredora, condicionada e limitada, como os animais e as plantas” e “um ser natural ativo” [65]. No entanto, um ser humano não é apenas um ser natural, também é um ser da espécie [66]. "[Por] meio do trabalho humano", os homens criam a si mesmos, suas relações sociais e sua relação com a natureza, de modo que a história humana evolui como parte da história natural [67]. Isso significa que os humanos separam-se, por meio de sua forma de trabalho social específica da natureza em geral - e das espécies animais e suas formas de trabalho em particular. Esta é a substância política, econômica, histórico-materialista do conceito de espécie presente nos Manuscritos de Paris.

Em suma, a crítica inicial de Marx ao modo de produção capitalista, que tem por base sua análise do trabalho estranhado, não nasce a partir de um dualismo humano-animal. Em vez disso, Marx usa a analogia animal para apontar o caráter de estranhamento do trabalho ao homem. Ele mapeia o caráter historicamente específico do estranhamento - particularmente do processo de trabalho e do ser da espécie - nas relações sociais capitalistas. Finalmente, mostra que as capacidades e possibilidades humanas, especialmente para se reconciliar com outros humanos e a natureza (incluindo animais), são restringidas pelo estranhamento capitalista em relação ao trabalho. Ao fazer isso, Marx reconhece que os animais também têm suas atividades de vida historicamente específicas. No entanto, com o passar do tempo, essas atividades de vida assumiram formas diferentes das humanas.

História e comunismo como equalização do humanismo e naturalismo

Nos Manuscritos de Paris, Marx delineia, em traços largos, o que deve ser feito para a superação do trabalho estranhado e do capitalismo - em seu nível estrutural -, bem como para que sejamos capazes de uma realização plena enquanto ser da espécie. Como o filósofo italiano Marco Maurizi argumenta com razão, Benton interpreta Marx de forma unilateral e sugere que sua concepção sobre a História está relacionada a um aumento da dominação humana sobre a natureza, sendo o comunismo o ponto culminante da história humana, no qual a subsunção da natureza pelo homem estaria completa [70]. Ao subsumir totalmente a natureza, Benton, em sua interpretação de Marx, assume que a diferença estabelecida entre homem-animal estaria invertida pelo trabalho estranhado e seria restaurada a seu próprio estado dualista [com o início do comunismo].

Como dito anteriormente, Marx afirma inequivocamente que humanos criam a si mesmos mediante seu trabalho [71]. Ele obtém esta noção de Hegel, mas utiliza o conceito tendo-o deslocado seu idealismo inicial [72]. Uma vez que o trabalho implica em comunhão com a natureza, a relação desta para com o homem é parte da autogênese humana e uma condição transhistórica de existência. A dependência dos seres humanos em relação à natureza é, portanto, inegável para o jovem Marx. A produção humana "não pode criar nada sem a natureza, sem o sensorial mundo externo. A natureza é o material por meio do qual o trabalho humano se realiza, se ativa, é o meio a partir do qual e por meio do qual [o homem] produz" [73].

O desenvolvimento da comunhão homem-natureza ao longo da história deve ser considerado de duas maneiras. Segundo Marx, a história humana, sua relação com a natureza e a libertação do trabalho estranhado implicam no que Benton chamou de "humanização da natureza" [74]. Os seres humanos se apropriam da natureza, com a finalidade de desenvolver uma força produtiva capaz de impor sua vontade sob as forças naturais, na tentativa de sobrevivência. Muito já foi construído e muito se espera construir por meio de novas forças produtivas sociais, individuais e tecnológicas - e com a ajuda da natureza - uma nova organização do trabalho que permita, em primeiro lugar, passar menos tempo produzindo as viandas necessárias e, em segundo lugar, produzir com respeito ao ecossistema e sem o uso de animais [75: Não estou defendendo que o problema da exploração animal ou da destruição da natureza seja resolvido por novas tecnologias. Ambos são, em primeiro lugar, problemas de relações sociais capitalistas e, portanto, só podem ser resolvidos adequadamente por meio da mudança dessas relações sociais].

Mas não é aqui que termina a história de Marx. A história humana, como concebida nos Manuscritos de Paris, não pode ser reduzida à dominação humana da natureza ou ao desenvolvimento de forças produtivas como fins em si mesmas. A subsunção da natureza não é retratada como o caminho real para o comunismo, como sugere Benton. Muito menos Marx conceitua a sociedade humana comunista como uma sociedade que se apropria incondicionalmente da natureza para a necessidade e autorrealização. Pelo contrário, Marx descreve repetidamente uma possível dupla mudança na transição do capitalismo para o comunismo. Por um lado, há uma mudança nas relações humanas de trabalho estranhado e propriedade privada para a livre associação de trabalho e gestão coletiva por parte dos produtores. Por outro lado, esta mudança social inclui uma mudança fundamental na relação entre o homem e a natureza, incluindo aí animais, abrindo a possibilidade de produzir com respeito ao ecossistema e outras espécies. Não é apenas a humanização da natureza, mas também a naturalização do homem que deve ser realizada no caminho para o comunismo. Assim:

"O comunismo, como transcendência positiva da propriedade privada enquanto auto estranhamento e, portanto, como apropriação real da essência humana pelo e para o homem; o comunismo, portanto, como o completo retorno do homem a si mesmo tal qual ser social (i.e., humano) - um retorno realizado conscientemente, abraçando toda a riqueza do desenvolvimento adquirido até então. Este comunismo, como naturalismo plenamente desenvolvido, é igual ao humanismo, e como humanismo plenamente desenvolvido é igual ao naturalismo; essa é a verdadeira resolução do conflito entre o homem e a natureza e entre o homem e o homem [76]."

O estabelecimento do comunismo é, portanto, um processo dialético no qual tanto a sociedade humana, quanto a natureza, entram em convergência, complementando-se. A "emancipação social da propriedade privada", liderada pelo trabalho, não implica apenas a abolição da propriedade na natureza, exemplificada por Marx em relação ao solo e à propriedade fundiária [77]. Também compreende o estabelecimento de uma relação homem-natureza "agora sob base racional" e o restabelecimento "dos laços íntimos do homem com a terra, uma vez que a terra deixa de ser uma mercadoria" [78].

Não se trata de uma restauração de uma "natureza humana" original no sentido filosófico, nem de um chamado primitivista para "voltar à natureza". A naturalização dos seres humanos significa que, pela primeira vez na história, seria possível controlar racionalmente e coletivamente nossas próprias relações uns com os outros, bem como com nossa relação com a natureza. Estabelecendo assim, relações entre si, nas quais todos homens são tratados como seres sociais e naturais e não como classes antagônicas. Ao dar esse passo, o potencial, tanto individual, quanto social, podem ser plenamente desenvolvidos, colocando a prática em acordo com a natureza e outros animais. O modo social de produção dos seres humanos não será mais um impedimento autodeterminado. Ao invés disso, promoverá um desenvolvimento individual, social e natural múltiplo e a espécie humana será realizada de forma significativa pela primeira vez. A dissolução das relações capitalistas sociais e entre o homem e a natureza cria também a oportunidade para o reconhecimento e integração de outros não-humanos, baseando-se em verdadeiros pontos socialmente comuns. Isso é possível porque não haveria mais mediação por relações socialmente construídas que abstraem diferentes qualidades da natureza [79]. Assim, o comunismo não implica a restauração de uma divisão homem-animal, que presumivelmente foi virada de cabeça para baixo pelo trabalho estranhado, como insinua Benton [80]. De acordo com o jovem Marx, uma sociedade comunista "é a completa unidade do homem e o meio natural - a verdadeira ressurreição da natureza - o naturalismo concretizado no homem e o humanismo consumado da natureza" [81].

A Diferenciação Dialética Humano-Animal e as Primeiras Abordagens de Classe de Marx

Nos Manuscritos de Paris, a diferenciação dialética entre homem-animal que Marx propõe fundamenta-se em seu conceito de trabalho estranhado, ser da espécie [ser genérico], bem como em sua crítica ao capitalismo, sua concepção de história e a relação homem-animal que se estabelece quanto ao comunismo. 

Em contraste com a tradição filosófica ocidental, que tem por base a dualidade humano-animal, Marx estabelece implicitamente, em seu texto, as bases para um conceito histórico-materialista, sócio-prático da relação estabelecida entre homem-animal. Questões que são explicitamente delineadas n´A Ideologia Alemã, reaparecendo no primeiro volume d ́O Capital [82]. Este conceito marxiano permite não apenas deixar para trás os dualismos filosóficos, mas resolver a controvérsia acerca da continuidade/diferença entre humanos-animais em bases sócio-práticas, sócio-relacionais e histórico-materialistas.

Tradicionalmente, duas correntes predominam no debate relativo à diferenciação homem-animal, a primeira, que Benton chama de posição humanista e a segunda, nomeada posição naturalista - muito embora existam outros termos para descrever os mesmos fenômenos [83]. Ambos pontos de vista priorizam diferenças/semelhanças entre animais-humanos. Representantes da posição humanista reconhecem as continuidades e semelhanças biológicas e sociais, no entanto, privilegiam uma ou mais diferenças que tornam-se decisivas no estabelecimento da relação humanos-animais. Jacques Derrida, por exemplo, argumenta que "filósofos e teóricos, de Aristóteles a Lacan" consideram animais como incapazes de uma resposta racional [84]. Defensores da posição naturalista estão convencidos de que, apesar de todas diferenças - que não deixam de ser reconhecidas por esta corrente -, os pontos em comum entre humanos-animais são decisivos.

O próprio Benton apoia este argumento. Para ele, o bom Marx humanista, que aparece nos Manuscritos de Paris, é aquele que apresenta a base conjunta entre animais e humanos, oferecendo uma "visão naturalista, mas ainda assim não reducionista, da natureza humana" [85]. Contrastando com o Marx mal humanista que, presumivelmente, fundamenta sua teoria em um dualismo homem-animal, bem como humaniza a natureza. Para Benton, o importante é que a diferenciação e a elaboração de "nossas características específicas" tenham por base "um reconhecimento inicial do núcleo comum de 'ser natural' que compartilhamos com outros seres vivos" [86].

Embora simpático ao gradualismo proposto por Benton (como uma estratégia discursiva contra o estabelecimento de diferenças idealistas e arbitrárias), tal argumentação continua sendo reducionista ao não permitir uma conceitualização das diferenças qualitativas entre animais-humanos. Se tais diferenças não existissem, não seríamos capazes de refletir sobre a face estrutural do capitalismo que afeta a maioria dos seres humanos, animais e natureza. Não poderíamos agir com base na percepção de que essa face tem suas raízes em nossas relações sócio-práticas, ou ao menos lutar por uma sociedade comunista. 

Apesar disso, as diferenças entre humanos e animais não são absolutas. Não há uma demarcação clara entre os seres humanos e outros animais. Esta diferença homem-animal não é uma construção filosófica ou epistemológica. Ao contrário, é uma diferença estabelecida dialeticamente e que tem se desenvolvido com a práxis sócio-natural dos humanos e de outros animais ao longo da história, sempre distinta no tempo e no espaço [87].

Essa diferença é dialética porque a distinção entre o ser humano e todas outras espécies é sócio-natural de uma práxis histórica, que ocorre em determinada unidade sócio-natural comum/compartilhada. Darwin indica que podemos encontrar formas de cada traço humano em outras espécies - entre essas formas, talvez uma das mais importantes politicamente -, seja a capacidade de sofrer [88]. Embora sejam criaturas naturais, os humanos organizam seu trabalho social a fim de utilizar cada espécie de maneira específica [species-specific], abrindo caminho para um desenvolvimento relativamente independente, diferente das formas específicas de desenvolvimento das outras espécies. Neste processo, os humanos adquiriram capacidades individuais e coletivas, levando a uma maior extensão e intensificação de seu desenvolvimento. Se quisermos entender outras espécies, temos que entendê-las e conceitualizá-las de acordo com sua relativa especificidade sócio-natural, bem como de acordo com seus próprios caminhos de desenvolvimento histórico. O que não pode ser feito utilizando-se de padrões de metragem humanos, que classificam a ausência de determinado traço [humano] como uma deficiência.

De fato, Marx, em sua juventude, nota uma característica especial presente na sociedade humana, sob o capitalismo, em relação aos outros animais e à natureza. Assim, ele conclui que sob o modo de produção capitalista, "o trabalho e o produto do trabalho pertencem [à pessoa] para cujo trabalho é realizado, bem como em cujo benefício o produto do trabalho é fornecido" [89]. De fato, Marx observa que “a relação do trabalhador com o trabalho cria a relação deste último com o capitalista (ou do que quer que se decida chamar o detentor do trabalho).” [90]. Nos Manuscritos de Paris, Marx chega a uma percepção semelhante, observando que “o caráter da propriedade privada é expresso pelo trabalho, pelo capital e pelas relações entre ambos" [91].

Marx entende que o capital e a mão-de-obra têm posições diferentes em relação aos meios de produção, ao processo de trabalho e aos seus produtos. Diante do modo de produção em que vivemos, a natureza e os animais são entendidos, pelos capitalistas, como meios de produção que podem ser utilizados como dádivas. Portanto, capitalistas e trabalhadores mantêm posições distintas em relação à natureza, seja ela a matéria inorgânica, como carvão ou petróleo, ou seres vivos e capazes de sofrer como porcos, vacas ou galinhas. Não há relação humana com a natureza ou com animais, que não seja - antes de mais nada - mediada pela propriedade privada. Pelo contrário, sob as relações sociais capitalistas, a classe detentora dos meios de produção determina a relação com os demais animais. Assim, para que uma mudança ocorra, urge que a relação social estabelecida com os animais torne-se um objeto de luta de classes a partir dos de baixo [92].

Contra a Interpretação Dualista de Benton Acerca do Humanismo e do Naturalismo em Marx

A análise de Benton conclui, como anteriormente mencionado, existir dois diferentes Marx nos Manuscritos de Paris: um Marx humanista que estabelece o dualismo homem-animal e beneficia o domínio da natureza pelos seres humanos. E um segundo Marx, naturalista, que destaca a diferença gradativa entre humanos e animais, defendendo a reconciliação entre natureza e sociedade humana. Para Benton, esta distinção faz com que o texto de Marx seja rasgado de "contradições internas", "ambiguidades" e "tensões" [93], o que, portanto, caracteriza os Manuscritos como um texto de "discurso instável e evidentemente transitório", no qual estão presentes "discursos de humanismo e naturalismo” que “coexistem em tensão não resolvida uns com os outros" [94].


Não devemos negar as obscuridades, termos ambíguos ou exageros presentes nos Manuscritos - seria surpreendente se eles não existissem, tendo em vista que esses escritos faziam parte do processo de auto-esclarecimento de Marx no início de sua obra [95]. Em sua essência, no entanto, Marx não é obscuro, ambíguo, tenso ou contraditório no que diz respeito à diferenciação estabelecida entre homem-animal. Quase desde o início de seu trabalho, e mesmo em tempos pré-darwinianos, Marx conceitua  seres humanos, animais e as relações que estabelecem entre si de uma forma histórico-materialista, sócio-prática e dialética; tratando a diferenciação humano-animal da mesma forma que começa a tratar o resto das questões político-econômicas. Tal posição abre caminho para uma nova compreensão da relação humano-animal. Mesmo que Marx não tenha elaborado o assunto em detalhes, desenvolveu as bases para a abordagem mais avançada capaz de lidar com este problema, especialmente considerando a precoce diferenciação de classe que estabelece, bem como o restante de sua obra.

A diferenciação homem-animal, no entanto, não é o tema principal dos Manuscritos de Paris, quanto a isso não há dúvidas. Marx utiliza essa distinção para explorar o conceito da forma de trabalho estranhado capitalista que fora construído pela ação humana em relações historicamente específicas; indicando que estas podem ser superadas apenas pelo próprio ser humano - mais especificamente, pela classe trabalhadora -  que, desmanchando as relações sociais capitalistas, estabelece novas relações: comunistas. É por conta desta argumentação que Marx enfatiza as diferenças entre humanos e animais.

Os dois Marx opostos, que Benton reivindica nos Manuscritos de Paris não são o resultado do pensamento e da escrita marxiana, mas, exclusivamente, da leitura antropológico-filosófica de Benton destes primeiros cadernos. Enquanto Benton está preso a busca de uma "base ontológica" estável para um relato sobre a "natureza humana" [96]. Marx, ao contrário, dedicou-se a uma análise das relações socioeconômicas historicamente contingentes, mas temporariamente estáveis, que impedem um desenvolvimento pleno e múltiplo, capaz de reconciliar seres humanos, animais e natureza.

Além disso, durante a leitura dos Manuscritos, Benton segmenta as declarações de Marx acerca das diferenças e semelhanças entre humanos e natureza (incluindo animais), superestimando as diferenças enquanto subestima as semelhanças. Por exemplo, Benton concentra-se na diferença que se estabelece entre características da espécie humana e características de espécies de outros animais, deixando de notar que Marx reconhece o fato de que os seres humanos não são os únicos animais com características de espécie determinadas pela atividade da vida social, ou seja, pelo trabalho social. Além disso, enquanto Benton está obcecado em provar que Marx apenas atribui um padrão fixo de atividade de vida às espécies animais, erra ao deixar de constatar que Marx reconhece diferentes padrões de atividade de vida entre as espécies animais [97]. 

Benton também faz uma má interpretação das diferenças e dos pontos em comum entre as espécies, julgando estas questões como contraditórias, ao invés de entendê-las como dois pólos de um processo histórico materialista e dialético. Isto é particularmente perceptível em suas interpretações do desenvolvimento comunista e de seu pensamento acerca da relação homem-natureza na história apenas enquanto "humanização da natureza" - omitindo a naturalização do ser humano. Ora, é o próprio Benton, portanto, quem estabelece um falso dualismo entre "humanismo" e "naturalismo".

Nos últimos anos, a leitura de Benton de um Marx naturalista, mesmo como um contrapeso a um Marx humanista, quase se perdeu em discursos sobre o animalismo marxista ou o marxismo animalista [98]. A interpretação de Benton dos Manuscritos de Paris como produto de uma filosofia humanista do jovem Marx - baseada dualismo humano-animal - prevaleceu e foi aceita como a leitura legítima de um dos textos mais influentes na história da teoria social crítica do século XIX. O próprio Benton tem mantido sua interpretação desde o final dos anos 80, caracterizando o Marx dos Manuscritos como predominantemente humanista e antropocêntrico - um especista narcisista.

Nenhum novo estudo trouxe uma diferente consideração sobre o tema - nem mesmo o ressurgimento do marxismo após a recente crise [de 2008/2009], nem as fraquezas das teorias liberais e pós-modernistas pró-animais, ou mesmo as poderosas ferramentas teóricas que Marx nos deixou para conceituar o tratamento de outras espécies sofredoras sob o capitalismo. O discurso sobre o marxismo e os animais, e vice-versa, foi reduzido e dominado pela leitura equivocada de Benton, obstruindo uma investigação mais profunda sobre o legado de Marx para uma teoria social crítica de exploração e libertação animal. 

Devemos nos livrar desses obstáculos teóricos para desenvolver uma teoria social adequada capaz de analisar a atual miséria dos seres humanos, animais e natureza, e liderar a luta por uma sociedade sem exploração e com justiça para todos. Como disse Marx em outro de seus primeiros escritos, citando Thomas Müntzer: "As criaturas também devem tornar-se livres" [99].

Notas

[1] John Bellamy Foster e Paul Burkett, Marx and the Earth: An Anti-Critique (Leiden / Boston: Brill, 2016), vii, 3. Em minha opinião, existem outras semelhanças que unem os ecossocialistas da primeira fase, como sua ênfase em o papel dos movimentos sociais como as principais forças de mudança ao diminuir a importância da classe trabalhadora como sujeito revolucionário, bem como a acentuação de novas estratégias reformistas na demarcação de uma ruptura revolucionária com o domínio da classe capitalista.

[2] Ver Ted Benton, introdução a Natural Relations: Ecology, Animal Rights and Social Justice (Londres / Nova York: Verso, 1993), 1-22; Ted Benton, "Marxism and the Moral Status of Animals", Society and Animals 11, no. 1 (2003): 73–79; Ted Benton, “Animal Rights and Social Relations,” em Strangers to Nature: Animal Lives and Human Ethics, ed. Gregory R. Smulewicz-Zucker (Plymouth: Lexington, 2012), 141–56; Ted Benton, "Tierrechte: Ein ökosozialistischer Ansatz", em Tierethik, ed. Friederike Schmitz (Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2014), 478-511; Ted Benton e Simon Redfearn, “The Politics of Animal Rights — Where is the Left ?,” New Left Review 215 (1996): 43-58.

[3] Ted Benton et al., “Symposium: Animal Wrongs and Rights,” Capitalism Nature Socialism 3, no. 2 (1992): 79-127.

[4] Benton, introdução às Natural Relations, 5.

[5] Ver Ted Benton, Natural Relations, 99-223; Ted Benton, “Direitos e Justiça em um Planeta Compartilhado: Mais Direitos ou Novas Relações?,” Theoretical Criminology 2, no. 2 (1998): 162–70; Benton, "Marxism and the Moral Status of Animals", 76-77, Benton, "Animal Rights and Social Relations," 147-51; Benton, "Tierrechte: Ein ökosozialistischer Ansatz," 497. Embora eu não concorde com a conclusão de Benton de sustentar um conceito filosófico e baseado na necessidade dos direitos animais, sua crítica ao conceito burguês e liberal de direitos com respeito aos animais é seu principal legado e deve ser preservado em uma teoria social crítica da exploração e libertação animal. Para a avaliação do próprio Benton de sua filosofia de direitos e crítica dos direitos liberais, consulte Ted Benton, "Conclusion: Philosophy, Materialism, and Nature — Comments and Reflections," em Nature, Social Relations and Human Needs: Essays in Honor of Ted Benton, ed. Sandra Moog and Rob Stones (Nova York: Palgrave Macmillan, 2009), 208-43.

[6] Benton, Natural Relations. Para uma visão geral do trabalho impressionante e extenso de Benton entre 1974 e 2008, que obviamente inclui mais tópicos do que seus escritos ecossocialistas e pró-animais, consulte Sandra Moog e Rob Stones, eds., Nature, Social Relations and Human Needs: Essays in Honor of Ted Benton (Nova York: Palgrave Macmillan, 2009), 244–51. Para uma introdução instrutiva ao trabalho e pensamento de Benton, consulte Sandra Moog e Rob Stones, "Introdução: Teias intrincadas - Natureza, Relações Sociais e Necessidades Humanas nos Escritos de Ted Benton", em Nature, Social Relations and Human Needs: Essays in Honor of Ted Benton, ed. Sandra Moog e Rob Stones (Nova York: Palgrave Macmillan, 2009), 1-46.

[7] Ted Benton, “Humanism = Speciesism: Marx on Humans and Animals,” Radical Philosophy 50 (1988): 4-18.

[8] Ted Benton, "Marx on Humans and Animals: Humanism or Naturalism," in Natural Relations: Ecology, Animal Rights and Social Justice (Londres / Nova York: Verso, 1993), 23-57. O ensaio foi reimpresso várias vezes em diferentes versões. Após a publicação original em 1988, foi reimpresso pelo menos duas vezes, uma vez em Sean Sayers e Peter Osborne, eds., Socialism, Feminism and Philosophy: A Radical Philosophy Reader (Londres / Nova York: Routledge, 1990), e mais uma vez em John Sanbonmatsu, ed., Critical Theory and Animal Liberation (Plymouth: Rowman & Littlefield Publishers, 2011). A versão revisada foi publicada pela primeira vez em 1993 como o primeiro capítulo das Relações Naturais de Benton. Essa versão também foi reimpressa pelo menos uma vez em Rhoda Wilkie e David Inglis, eds., Animals and Society: Critical Concepts in the Social Sciences (Londres / Nova York: Routledge, 2002). No presente ensaio, refiro-me a esta versão revisada e republicada de 1993, que em certa medida difere do original, embora mantendo os principais argumentos.

[9] Karl Marx e Frederick Engels, Collected Works, vol. 3 (Nova York: International Publishers, 1975), 229-348.

[10] Para críticas válidas da interpretação ecossocialista de Benton da obra de Marx, consulte Paul Burkett, "A Critique of Neo-Malthusian Marxism: Society, Nature, and Population," Historical Materialism 2, no. 1 (1998): 118–42; Paul Burkett, Marx and Nature: A Red and Green Perspective (Nova York: St. Martin’s, 1999), 38–47, 105–106, 147–258; John Bellamy Foster, "Paul Burkett’s Marx and Nature Fifteen Years After," Monthly Review 66, no. 7 (2014); Foster e Burkett, Marx e a Terra.

[11] Ver Renzo Llorente, “Reflexões sobre as Perspectivas de um Marxismo Não-Especista”, em Teoria Crítica e Libertação Animal, ed. John Sanbonmatsu (Plymouth: Rowman & Littlefield, 2011), 121–135; Mary Murray, "The Underdog in History: Serfdom, Slavery and Species in the Creation and Development of Capitalism", em Theorizing Animals: Re-thinking Humanimal Relations, ed. Nik Taylor e Tania Signal (Leiden / Boston: Brill, 2011), 99–100; Birgit Mütherich, Die Problematik der Mensch-Tier-Beziehung in der Soziologie: Weber, Marx und die Frankfurter Schule (Münster: Lit Verlag, 2004), 104-5; Corinne Painter, "Animais Não-Humanos Dentro do Capitalismo Contemporâneo: Uma Conta Marxista da Libertação dos Animais Não-Humanos", Capital & Class 40, no. 2 (2016): 328; Katherine Perlo, “Marxism and the Underdog,” Society & Animals 10, no. 3 (2002): 304-5; John Sanbonmatsu, introdução à Teoria Crítica e Libertação Animal (Plymouth: Rowman & Littlefield, 2011), 17; David Sztybel, “Marxism and Animal Rights,” Ethics and Environment 2, no. 2 (1997); Bob Torres, Making A Killing: The Political Economy of Animal Rights (Oakland / Edimburgo / West Virginia: AK, 2007), 37, 77.

[12] Ryan Gunderson, “Marx’s Comments on Animal Welfare,” Rethinking Marxism 23, no. 4 (2011): 544; Marco Maurizi, “Critical Theory and Animal Liberation,” Apes From Utopia: Critical Theory and Animal Liberation blog, 2011, Lawrence Wilde, “‘The creatures, too, must become free’: Marx and the Animal/Human Distinction,” Capital & Class 24, no. 3 (2000): 37-53.

[13] Bradley J. Macdonald, "Marx and the Human / Animal Dialectic", em Political Theory and the Animal / Human Relationship, ed. Judith Grant e Vincent G. Jungkunz (Nova York: SUNY Press, 2016), 26-30. Enquanto Gunderson rejeita a acusação de que Marx usa um dualismo humano-animal, Macdonald e Wilde a aceitam (Gunderson, "Marx’s Comments on Animal Welfare", 544). Macdonald aceita isso como uma herança do humanismo e do esclarecimento e Wilde como parte de um presumido "essencialismo" em Marx (Macdonald, "Marx e a Dialética Humana / Animal," 26, 37; Wilde, "'As criaturas, também, devem se tornar livres, '”38-39). Os três autores concordam que a diferenciação de Marx entre humanos e animais não é dirigida contra os animais e não apóia a exploração animal. Sztybel compartilha da crença de Benton de que Marx usa uma diferenciação humano-animal humanista e, entre outras coisas, também concorda que a visão de Marx da natureza é instrumental. No entanto, ele também reconhece afirmações contraditórias nesta interpretação. A periodização de Sztybel das declarações de Marx é quase idêntica à de Benton, assim como sua leitura filosófica dos Manuscritos.

[14] Benton, “Conclusion: Philosophy, Materialism, and Nature - Comments and Reflections,” 26, 230.

[15] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 23. 

[16] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 32. 

[17] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 25. 

[18] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 32. 

[19] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 26. 

[20] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 32. 

[21] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 33. 

[22] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 24. 

[23] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 45. 

[24] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 23.

[25] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 52f. 

[26] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 35, 43. 

[27] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 35. Benton tem sustentado esta linha básica de argumentação contra o jovem Marx desde 1988, e pelo menos até 2009. Veja Benton, Conclusion: Philosophy, Materialism, and Nature - Comments and Reflections,  229-43. 

[28] Veja Stefan Kraft e Karl Reitter, “Vorwort”, em Der junge Marx. Philosophische Schriften (Wien: Promedia, 2007), 19. 

[29] Ver Jürgen Rojahn, Marxismus — Marx — Geschichtswissenschaft: Der Fall der sogennanten‘ Ökonomisch-philosophischen Manuskripte aus dem Jahre 1844 ’,” International Review of Social History 28, no. 1 (1983): 2-49; Marcello Musto, Marx in Paris: Manuskripte und Exzerpthefte aus dem Jahr 1844, Beiträge zur Marx-Engels-Forschung (2007), 178-94. 

[30] Para a gênese dos Manuscritos e uma visão geral instrutiva e breve da recepção e debate emergentes sobre o texto, ver Rojahn, Marxismus — Marx — Geschichtswissenschaft, 3-13. 

[31] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 35.

[32]  Benton, "Marx on Humans and Animals", 25. [33] Benton, “Conclusion: Philosophy, Materialism, and Nature—Comments and Reflections,” 229. 

[34] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 25. 

[35] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 26. 

[36] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 23, 26. 

[37] Karl Marx e Frederick Engels, Collected Works, vol. 3 (Nova York: International Publishers, 1975), 231-32, 270, 418-43. Marx, por exemplo, usa o termo trabalho, embora com o significado de força de trabalho. Neste momento, ele não faz distinção entre trabalho abstrato e concreto e omite a dialética entre as relações de propriedade capitalista e o trabalho alheio como condição prévia e resultado um do outro, uma vez que concebe a propriedade privada somente como resultado do trabalho alheio. 

[38] Ver a própria dica de Marx em A Contribution to the Critique of Political Economy, parte I em Karl Marx e Frederick Engels, Collected Works, vol. 29 (New York: International Publishers, 1987), 283; Kraft and Reitter, "Vorwort," 8, 14-15. A interpretação anterior de Benton dos Manuscritos de Paris e seus tópicos político-econômicos como feuerbachiano e hegeliano, suas repetidas dicas para o contraste entre o jovem e o velho Marx e a adoção, por Benton, da periodização de Althusser do desenvolvimento teórico dentro das obras de Marx sugerem que o autor compartilha o paradigma de Althusser da quebra epistemológica de Marx (Ted Benton, The Rise and Fall of Structural Marxism: Althusser e sua influência [Nova Iorque: Macmillan, 1984]; Benton, "Marx on Humans and Animals," 24, 35). Entretanto, o julgamento de Benton sobre os Manuscritos de Paris como o "mais profundo [...] dos escritos de Marx" parece falar contra a interpretação de que Benton é um althusseriano endurecido com relação aos primeiros escritos de Marx (Benton, "Conclusion: Filosofia, Materialismo, e Natureza - Comentários e Reflexões", 230). Benton não faz nenhum comentário explícito sobre o assunto nas duas versões de seu artigo aqui discutido. 

[39] Ver Marx e Engels, Collected Works, vol. 3, 279. Concordo com estudiosos, como Kohei Saito, sobre os Manuscritos de Paris. Segundo Kohei, apesar de todas as diferenças entre o jovem e o velho Marx, uma continuidade em seus trabalhos no que diz respeito à análise do trabalho social, mesmo que possa ser chamada de continuação por meio do desenvolvimento, uma vez que os conceitos científicos mudaram em parte em seus significados e termos. Ver Kohei Saito, o Ecosocialismo de Karl Marx: Capitalismo, natureza e a crítica inacabada da economia política (Nova Iorque: Monthly Review Press, 2017), 27-61. 

[40] Karl Marx and Frederick Engels, Collected Works, vol. 35–37, (New York: International Publishers, 1996–98). 

[41] Ver nota [37] para a observação sobre o entendimento, ainda não desenvolvido, de Marx sobre a diferença entre trabalho e força de trabalho. 

[42] Musto, “Marx in Paris,” 191–92. 

[43] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 271. 

[44] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 241. 

[45] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 267. 

[46] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 271, 280–285. 

[47] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 270.

[48] Embora Marx use frequentemente a noção de humano no capítulo sobre trabalho estranhado, a lógica interna de seu argumento (trabalho alienado explica a propriedade privada e suas leis), o uso frequente de humano e trabalhador como sinônimos e a conclusão que Marx tira de sua análise do trabalho alienado, sugere - fortemente - que Marx considera uma forma específica de trabalho como alienante e não o trabalho humano como tal. Além disso, depois que Marx delineia as diferentes formas de trabalho estranhado, conclui que a relação foi considerada "apenas do ponto de vista do trabalhador" (Marx e Engels, Collected Works, vol. 3, 279). 

[49] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 274. 

[50] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 275.

[51] Aqui, Marx lembra indiretamente ao leitor a separação entre privado (economia) e público (política), e entre economia e sociedade, que ele já aponta em sua Crítica da Filosofia de Direito de Hegel (Karl Marx e Frederick Engels, Collected Works, vol. 3 [Nova York: International Publishers, 1975], 3-129). 

[52] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 275. 

[53] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 275. 

[54] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 276. 

[55] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 276. 

[56] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 275. 

[57] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 277. 

[58] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 276. 

[59] Estes exageros diminuem e uma diferenciação mais refinada toma seu lugar no decorrer das pesquisas de Marx e Engels. Engels, por exemplo, escreve em Dialética da Natureza: "Escusado será dizer que não nos ocorreria discutir a capacidade dos animais de agir de forma planejada e premeditada" (Karl Marx e Frederick Engels, Collected Works, vol. 25 [Nova York: International Publishers, 1987], 460). 

[60] Em verdade, os animais nem sequer são capazes de participar das relações sociais capitalistas de produção ou circulação. Entre outras coisas, é por isso que a emancipação burguesa dos animais, sua integração política econômica nas formações capitalistas e seu reconhecimento político é muito mais difícil (provavelmente impossível) do que para alguns dos seres humanos mais oprimidos da sociedade. 

[61] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 277. 

[62] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 28–40. 

[63] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 305. 

[64] Levo em consideração ambas as possibilidades (libertação e destruição) aqui para enfatizar que, ao contrário do que Benton sugere, a normatividade do potencial sócio-histórico dos humanos não desempenha um papel para a diferenciação de Marx entre a atividade da vida animal e humana (Benton, "Marx on Humans and Animals", 40). Além disso, nem a libertação nem a destruição são concebidas como projetos de espécies nos Manuscritos de Paris ou em minha leitura. Ao contrário, são projetos de certas classes dentro de modos historicamente específicos de formação social. 

[65] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 336. 

[66] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 337. 

[67] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 305–6, 337.

[70] Maurizi, “Critical Theory and Animal Liberation.” 

[71] Veja “Marx and Engels, Collected Works”, vol. 3, 305. 

[72] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 332–42. 

[73] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 273. 

[74] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 30. 

[75] Não estou defendendo que o problema da exploração animal ou da destruição da natureza seja resolvido por novas tecnologias. Ambos são, em primeiro lugar, problemas de relações sociais capitalistas e, portanto, só podem ser resolvidos adequadamente através da mudança dessas relações sociais. 

[76] Marx e Engels, Collected Works, vol. 3, 296. Benton parece negar a mudança qualitativa, isto é, revolucionária, do capitalismo para o socialismo ou comunismo, já que ele considera que os "potenciais históricos das espécies" necessários são, "para dizer o mínimo, altamente especulativos". (Benton, "Marx on Humans and Animals", 40) 

[77] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 268, 280. 

[78] Marx e Engels, Collected Works, vol. 3, 268. Isto é consistente com a análise de Marx sobre o trabalho estranhado e a relação homem-natureza no capitalismo, uma vez que os humanos estão distantes da natureza por suas relações sociais alienantes. Assim, se as relações sociais são reformuladas, a relação com a natureza também é reformulada. 

[79] Para os processos de como as relações sociais capitalistas abstraem natureza e animais, ver Christian Stache, Kapitalismus und Naturzerstörung. Zur kritischen Theorie des gesellschaftlichen Naturverhältnisses (Opladen/Berlin/Toronto: Budrich UniPress, 2017), 409-534. 

[80] Benton, "Marx on Humans and Animals," 25. 

[81] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 298.

[82] Karl Marx e Frederick Engels, Collected Works, vol. 5 (Nova York: International Publishers, 1976), 31; Marx e Engels, Collected Works, vol. 35, 186-87. De acordo com a continuidade desta diferenciação dialética entre humanos-animais na obra de Marx, as cargas de antropocentrismo e especismo também são multiplicadas com referência a outros escritos de Marx mencionados. Os ataques são lançados principalmente com menos conhecimento ou reconhecimento da abordagem histórico-materialista de Marx do que no caso de Benton. Ver, por exemplo, Aiyana Rosen e Sven Wirth, "Über die Rolle der Kategorie 'Arbeit' in den Grenzziehungspraxen des Mensch-Tier-Dualismus", em Tiere Bilder Ökonomien. Aktuelle Forschungsfragen der Human-Animal Studies, ed. Chimaira-Arbeitskreis für Human-Animal Studies (Bielefeld: transcript Verlag, 2013), 17-42; Klaus Petrus, "Arbeit," in Lexikon der Mensch-Tier-Beziehungen, ed. Arianna Ferrari e Klaus Petrus (Bielefeld: transcript Verlag, 2015), 39. 

[83] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 23. 

[84] Jacques Derrida, The Animal That Therefore I Am (New York: Fordham University Press, 2008), 52. 

[85] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 45. 

[86] Benton, “Marx on Humans and Animals,” 47. 

[87] Tal concepção de diferença na unidade difere fundamentalmente daquelas propostas, por exemplo, por Lawrence Wilde que considera o argumento de Marx afirmativamente como uma forma de essencialismo (Wilde, "'As criaturas também devem se tornar livres'", 72-73). 

[88] Em The Descent of Man, Darwin escreve: "[Vimos] que as capacidades mentais dos animais superiores não diferem em espécie, embora muito em grau, das capacidades correspondentes do homem (...) a diferença entre o homem e os animais superiores, grande como é, certamente é de grau e não de espécie". Ele vai ainda mais longe, escrevendo que "[nós] vimos que os sentidos e intuições, as várias emoções e faculdades, tais como amor, memória, atenção, curiosidade, imitação, razão, etc., das quais o homem se vangloria, podem ser encontrados em estado incipiente, ou mesmo às vezes em estado bem desenvolvido, nos animais inferiores". 

[89] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 278. 

[90] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 279. 

[91] Marx and Engels, Collected Works, vol. 3, 289. 

[92] Esta observação é análoga àquela levantada no debate sobre as raízes do aquecimento climático, na qual se argumenta que o homem como tal, ou como um coletivo antropológico, não causou os altos níveis de concentração de CO2 na atmosfera, mas o capital, particularmente o "capital fóssil", causou. Ver Andreas Malm, Fossil Capital: The Rise of Steam Power and the Roots of Global Warming (Londres/Nova Iorque: Verso, 2016). As implicações teóricas e políticas de maior alcance desta visão não podem ser elaboradas aqui. Entretanto, gostaria de mencionar pelo menos que a teoria social crítica tem que ser estendida para analisar a relação capital-animal como a causa raiz da exploração e morte de animais no sistema-mundo capitalista de hoje. Este capital animal deve ser explicado em clara distinção dos conceitos pós-modernos do termo, tais como os desenhos em Nicole Shukin, Animal Capital: Rendering Life in Biopolitical Times (Minneapolis/London: University of Minnesota Press, 2009).

Christian Stache obteve seu PhD em história social e econômica pela Universidade de Hamburgo, Alemanha. Ele é o autor de Kapitalismus und Naturzerstörung: Zur kritischen Theorie des gesellschaftlichen Naturverhältnisses (Budrich UniPress, 2017). Seus campos de trabalho são o marxismo, a ecologia e os estudos humanos-animais críticos. Ele gostaria de agradecer a Christin Bernhold, Brett Clark, John Bellamy Foster, May Gygli, Michael Sommer e Ruben Zweig por seus comentários sobre versões anteriores deste artigo.

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