André Singer
As tentativas de predizer como será, de fato, o mandato de Jair Bolsonaro esbarram na imprevisibilidade programada que o próprio alimenta.
Reforma da Previdência? Há declarações para todos os gostos. Mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém? Ninguém informa quando ocorrerá, o que na prática significa suspender o projeto, sem descartá-lo.
Se alguma ambiguidade é constitutiva da política, pois atende à imperiosa necessidade de construir alianças entre diferentes, o caso do futuro governo parece ser mais da ordem do duplo confusionismo. Um que emana da descoordenação e outro que visa confundir opositores. O problema é que o segundo “justifica” o primeiro e encobre deficiências.
Vencida a eleição com uma plataforma vaga e contraditória —popular e ultraliberal, nacionalista e entreguista, fundamentalista e modernizante—, o presidente eleito agora será obrigado a tomar decisões.
Cada uma delas implicará contentar uns e descontentar outros dos aliados que subiram à arca vencedora. Nada indica, até aqui, que o mandatário disponha de um plano de voo por entre os obstáculos.
O campo das aposentadorias, por ser o item número um da agenda imposta pelo mercado, condensa a incerteza bolsonariana. Se cedesse às pressões máximas da ala mercadista de sua base, Bolsonaro abriria, de imediato, três frentes de conflito. Teria que se haver com o Congresso, com os trabalhadores organizados (sindicatos) e com os militares, funcionários públicos, afinal.
Pior. Uma vez deflagrada a batalha, os fronts tenderiam a se unificar. À medida que perdesse popularidade por conta da retirada de direitos, o presidente veria encorpadas as bancadas hostis na Câmara, local sensível aos humores do eleitorado. Os deputados já estão de olho nas eleições municipais de 2020 e percebem que os candidatos a prefeito terão que prestar explicações nas ruas.
O fatiamento do problema, conforme balão de ensaio lançado terça (4), tem a vantagem de isolar as fontes de resistência. Porém, o primeiro atingido seria o funcionalismo do Estado, o que poria em pé de guerra —passe o trocadilho— as Forças Armadas, sustentáculo fundamental do bolsonarismo. Não espanta que, diante do tamanho da encrenca, o escolhido em 28 de outubro tergiverse.
Mas o mesmo teor de perigo se espalha por todo o terreno governamental. Proteção do ambiente? Se efetivar as propostas mais destrutivas, Jair Messias levantará contra si uma boa ala da sociedade, aí incluídas empresas de porte que possuem investimentos ecológicos, segundo me conta um amigo.
Governar é complicado. Quando falta um bom mapa do percurso, então, pode se tornar inviável.
Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.
Pior. Uma vez deflagrada a batalha, os fronts tenderiam a se unificar. À medida que perdesse popularidade por conta da retirada de direitos, o presidente veria encorpadas as bancadas hostis na Câmara, local sensível aos humores do eleitorado. Os deputados já estão de olho nas eleições municipais de 2020 e percebem que os candidatos a prefeito terão que prestar explicações nas ruas.
O fatiamento do problema, conforme balão de ensaio lançado terça (4), tem a vantagem de isolar as fontes de resistência. Porém, o primeiro atingido seria o funcionalismo do Estado, o que poria em pé de guerra —passe o trocadilho— as Forças Armadas, sustentáculo fundamental do bolsonarismo. Não espanta que, diante do tamanho da encrenca, o escolhido em 28 de outubro tergiverse.
Mas o mesmo teor de perigo se espalha por todo o terreno governamental. Proteção do ambiente? Se efetivar as propostas mais destrutivas, Jair Messias levantará contra si uma boa ala da sociedade, aí incluídas empresas de porte que possuem investimentos ecológicos, segundo me conta um amigo.
Governar é complicado. Quando falta um bom mapa do percurso, então, pode se tornar inviável.
Sobre o autor
Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.
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