24 de dezembro de 2018

A luta de classes no Polo Norte

O que está por trás da sangrenta ascensão do Papai Noel? Três destacados líderes sindicais élficos nos oferecem uma análise de classe em torno da "economia da dádiva" do Polo Norte.

Alcaçuz Tronco-de-Chocolate, Torta-Melaço Cepo-Estrelado, e Batuque Dedos-Verdes


Tradução / O Grupo de Estudos do Trabalho no Polo Norte foi constituído por um grupo de duendes natalinos em outono de 2008. As oficinas do Papai Noel estavam sofrendo com a recessão econômica global. A sensação de descontentamento entre nossas fileiras era palpável. Desde então, nos reunimos quinzenalmente para desenvolver uma análise concreta de nossas condições como trabalhadores, além de debater estratégias de resistência.

A seguir, é apresentado um documento que estamos enviando ao grupo com o espírito de aprofundar nossa análise.

A primavera árabe e o movimento Occupy radicalizaram muitos duendes. Porém, está claro que ainda há incerteza sobre o que será necessário para desafiar o sistema de exploração em que vivemos. Acreditamos que a confusão em torno da estratégia política é, pelo menos em parte, produto de uma análise equivocada da estrutura de classes e da dinâmica de nosso sistema econômico.

Qual é a verdadeira natureza das relações entre os duendes, o Papai Noel e suas renas? Como essas relações se constituíram inicialmente e como elas são reproduzidas?

Para responder a essas perguntas, primeiro precisamos entender a dinâmica de nossa suposta “economia da dádiva” em torno dos presentes. Embora seja verdade que os presentes que produzimos não são vendidos, eles são governados por mais do que normas e costumes sociais. Biscoitos quentes podem sustentar a cintura do Papai Noel, mas um fabricante não pode sobreviver apenas com açúcar e farinha (a menos que ele esteja vendendo biscoitos, é claro). Ele ainda precisa de dinheiro para expandir sua oficina e para comprar novos equipamentos ou para dar manutenção aos equipamentos mais antigos.

Outra questão é que nossas oficinas dependem de recursos que não estão disponíveis imediatamente no Polo Norte. Por muito tempo, o Papai Noel podia simplesmente explorar nossas reservas naturais de madeira e de combustíveis fósseis; contudo, à medida que novas linhas de produtos foram introduzidas, materiais adicionais precisam ser comprados no mercado global.

No lugar de brinquedos de madeira, cada vez mais tivemos de adotar o plástico para competir efetivamente no mercado de Natal. Isso tem tanto a ver com a demanda dos consumidores quanto com os custos unitários da mão-de-obra. Embora o Papai Noel possa querer pensar que vive em uma bolha de presentes, uma parte crescente dos presentes anuais de Natal tem sido privatizada desde o início da era neoliberal, o que foi possibilitado pelo aumento da concorrência de preços com a próspera indústria chinesa.

No entanto, a concorrência não fez com que o Papai Noel necessariamente aumentasse a produtividade de cada trabalhador. Em vez disso, ele conseguiu reduzir os custos unitários de produção por meio de uma agressiva campanha para tirar mais suor da mão de obra que ele já emprega, ou simplesmente adicionando mais trabalhadores para reduzir o tempo que a oficina fica ociosa. Enquanto ele tiver mão de obra excedente de duendes, como certamente ainda o faz, não podemos esperar que ele se preocupe muito com as queixas de saúde e de segurança que apresentamos à gerência.

Além disso, a gratidão só pode levar um empresário até certo ponto. O Papai Noel, como único proprietário, é capaz de manter suas finanças em segredo, mas aqueles que tiveram a infelicidade de trabalhar em seu escritório relataram que cartas do Vaticano e de Washington chegam regularmente dias antes do Papai Noel anunciar planos trimestrais de produção. Podemos supor que o apoio financeiro dessas fontes, juntamente com suas estimativas anuais de crianças “boazinhas”, sejam o que realmente sustenta nossa economia. É através desses financiamentos externos que o Papai Noel é capaz de fornecer os doces e o abrigo pelos quais precisamos trocar nossa força de trabalho.

Mas como foi que ele veio a ter tanto poder sobre nós? Foi através de uma engenhosidade superior ou foi algo mais sinistro?

A ascensão do Papai Noel

Devemos lembrar que o Papai Noel começou sua vida como um pequeno produtor de brinquedos de madeira. Ele era um mestre artesão da madeira, treinado por alguns dos melhores duendes do Pólo Norte. No entanto, enquanto outros se contentavam em trocar seus produtos de madeira nos mercados locais, o Papai Noel começou a vendê-lo em cidades próximas.

Por sorte, o clero de algumas cidades industriais que ele visitou enxergaram nessas mercadorias escassas os meios para gerar disciplina moral no crescente número de crianças das classes mais baixas que inundavam suas ruas.

O clero arrecadou fundos de patronos ricos, bem como das classes medias, para compensar generosamente o Papai Noel por entregar seus brinquedos de madeira como presentes para um grupo seleto de crianças.

À medida que as populações urbanas se expandiam e os problemas enfrentados pela classe dominante pioravam, o Papai Noel ficou sobrecarregado pelo aumento da demanda por seus brinquedos feitos à mão. Ele inicialmente procurou expandir a produção explorando sua própria família, mas logo teve de procurar mão de obra excedente em outros lugares. Mas, por mais que tentasse se aproveitar de histórias sobre servir o bem maior e ajudar os pobres em terras distantes, ele não foi capaz de compelir as quantidades necessárias entre nós para trabalhar em sua oficina.

Finalmente, depois de um experimento fracassado com o arrendamento e distribuição da produção doméstica, o Papai Noel recorreu à violência como o único meio pelo qual poderia nos coagir ao seu emprego. Isso não teria sido possível sem o apoio do clero e da crescente burguesia nas cidades. Com a ajuda deles, o Noel organizou uma subclasse de renas, que historicamente mantinham relações tensas com os duendes, prometendo a elas segurança econômica e status social.

Gangues de renas foram enviadas para as aldeias dos duendes para destruir suas terras agrícolas, para o que elas eram muito adequadas devido às suas galhadas. As constantes interrupções na produção de alimentos deixaram muitos dos nossos sem escolha a não ser trabalhar para o Papai Noel.

Enquanto isso, a classe dominante nas cidades inventava uma história para combater os relatos que chegavam às cidades sobre a violência no interior. Apontando para os presentes que ele dava às crianças da cidade, eles ligaram o Papai Noel ao bispo Nicolau de Esmirna – um homem rico que era conhecido por ser generoso com as crianças – e retrataram as renas como criaturas nobres.

Mas o Papai Noel não é nenhum santo e as renas não são nossas amigas. O Noel reconstruiu violentamente a antiga estrutura de classes em torno de seus interesses estreitos. Ele nos separou de nossos principais meios de subsistência através da ameaça coercitiva dos chifres, uma estratégia que tem de manter até hoje para proteger sua posição de classe.

Compreender os diferentes interesses de classe em nossa sociedade é essencial para desenvolvermos uma estratégia eficaz de resistência contra nossa exploração. Armados com essa análise, podemos explicar a nossos irmãos e irmãs por que as declarações recentes sobre algumas “maçãs podres” entre as renas são vazias. Eles permanecem “Nossos Inimigos de Chifres”, enquanto servirem como baluarte do poder em nossa sociedade.

Uma análise de classe também contraria a narrativa dominante que sempre ouvimos sobre o porquê dos duendes de Natal estarem tão dispostos a trabalhar por uma remuneração tão magra. Não não entramos na oficina do Noel por termos “disposições inatas que se ajustam bem à produção de brinquedos”. Também não deixamos nossas plantações por preferirmos doces a tubérculos.

Esse é um ponto crucial. O conhecimento popular sobre nós diz que trabalhamos com prazer em troca de doces – mas isso não foi por escolha nossa. Antes das renas devastarem nossos lotes familiares, cultivávamos uma variedade diversificada de vegetais adequados para a terra nas imediações. Até éramos reconhecidos mundialmente como especialistas no armazenamento de colheitas nos meses mais quentes para consumo durante o ano todo. Tudo isso agora está perdido.

Nossa dependência do açúcar importado é resultado de condições sociais além do nosso controle. E, nesse sentido, temos muito mais em comum com os trabalhadores nos campos de cana de açúcar do que com o explorador de grandes dimensões que se beneficia de nosso sangue, suor e trabalho.

Algumas pessoas concluíram que o velho slogan “Trabalhadores do mundo, uni-vos!” estaria desatualizado demais para a nova realidade pós-industrial. Eles têm dito que a classe trabalhadora já não seria o agente da transformação social. Mas acreditamos que essa conclusão ignora as condições que continuam a prevalecer nas oficinas do Papai Noel e para além dela.

Esperamos que o texto acima exposto ajude a elucidar um pouco daquilo que consideramos crucial para uma análise correta das classes no Polo Norte. Deixemos que a “guerra ao Natal” recomece sobre uma base mais científica.

Sobre os autores

Alcaçuz Tronco-de-Chocolate, Torta-Melaço Cepo-Estrelado, e Batuque Dedos-Verdes prepararam este documento em nome do Grupo de Estudos do Trabalho no Polo Norte.

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