12 de novembro de 2025

A criação do massacre da Penha

Em 28 de outubro, a polícia do Rio de Janeiro cercou a favela da Penha por 15 horas, matando pelo menos 121 pessoas no pior massacre da cidade. A direita brasileira está comemorando o ocorrido como uma vitória contra o crime, enquanto ignora suas próprias ligações com gangues violentas.

Alex MacArthur


A operação na Penha, no Rio de Janeiro, foi uma peça de teatro político, com os corpos de jovens negros — criminosos, transeuntes e policiais — como atores involuntários. (Fabio Teixeira / Anadolu via Getty Images)

O sol mal havia começado a despontar no horizonte do Rio de Janeiro quando tudo começou. Em 28 de outubro, no emaranhado de barracos de moradias precárias que se agrupam sob uma igreja barroca na Penha, milhares de policiais fortemente armados se reuniram silenciosamente para realizar o que se tornaria o maior massacre policial já registrado no estado do Rio.

Os moradores do Complexo do Alemão e do Complexo da Penha — duas das favelas mais pobres e violentas da cidade, redutos da facção Comando Vermelho — foram despertados abruptamente pelo zumbido de helicópteros e veículos blindados, que davam cobertura aos policiais a pé que avançavam pelo nordeste, enquanto outros batalhões se aproximavam pelo norte e oeste. Nas quinze horas seguintes, as forças estaduais entraram em confronto com supostos membros de facções criminosas, cercando-os e os encurralando em um morro íngreme, onde policiais adicionais — de uma unidade notória por sua brutalidade — aguardavam com metralhadoras e rifles de precisão.

Vídeos que circularam online chocaram até mesmo aqueles acostumados com o derramamento de sangue das operações policiais no Rio. Encurralados entre os dois morros, os bairros densamente povoados estavam iluminados por dezenas de veículos em chamas que as facções criminosas haviam incendiado para retardar o avanço policial. Em um dos vídeos, policiais disparam rajadas contínuas de tiros automáticos ladeira abaixo em direção a aglomerados de casas, com traçadores de balas riscando o ar em meio à fumaça. Em outra cena, moradores se agacham dentro de casas de tijolos cerâmicos ocos, tremendo enquanto tiros de fuzil ecoam por perto. Em outro local, policiais se filmam limpando casas crivadas de balas como fuzileiros navais avançando por Fallujah.

Quando os 2.500 policiais terminaram a varredura, haviam matado mais de cento e vinte pessoas e sofrido quatro baixas — superando a segunda operação mais letal na favela do Jacarezinho, em maio de 2021, que resultou em vinte e oito mortes. Naquela noite, o governador de extrema direita do Rio, Cláudio Castro — do mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro — rapidamente se apropriou da “Operação Contenção”, supostamente lançada para cumprir cinquenta e um mandados de prisão e 145 mandados de busca e apreensão expedidos pelo Tribunal Penal do Estado.

O número oficial de mortos começou em sessenta e quatro naquela noite, mas aumentou rapidamente no dia seguinte, quando moradores descobriram dezenas de cadáveres nas encostas do morro ao sul e os enfileiraram sobre lonas azuis no centro do bairro para que suas famílias pudessem reclamar os corpos. No dia seguinte, o estado revisou sua estimativa, admitindo que 119 pessoas haviam sido mortas. Entre elas estava Michel Peçanha, de quatorze anos, cujo pai, um assistente social, disse que ele havia começado a frequentar a região com amigos que gostavam de festejar ali, antes de se envolver com gangues. Segundo outras testemunhas, alguns dos corpos foram encontrados com as mãos amarradas nas costas e ferimentos na cabeça e no tronco. Um deles, um membro de gangue de dezenove anos chamado Yago Ravel, parecia ter sido encontrado decapitado em um vídeo gravado por moradores chocados.

O governador Castro classificou a operação como um “sucesso absoluto” na guerra contra os “narcoterroristas”, adotando o termo usado por Donald Trump para justificar execuções extrajudiciais de venezuelanos suspeitos de tráfico de drogas.

Insistindo que o tiroteio — durante o qual pelo menos quatro civis ficaram gravemente feridos — “não ocorreu em área urbana”, ele afirmou que a operação representou um “duro golpe” para o Comando Vermelho, que domina o Rio de Janeiro desde a década de 1980.

Para um observador estrangeiro, a operação de Castro — a mais recente de uma série de ações realizadas sem coordenação ou apoio do governo federal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — pode parecer uma tentativa genuína de combater o crime organizado. De fato, muitas reportagens reforçam o espetáculo das forças estatais confrontando "narcos" fortemente armados, reduzindo um cenário complexo a um roteiro familiar de herói contra vilão, palatável para o público estrangeiro, surpreso com o fato de grandes áreas de uma cidade global ainda estarem sob controle do crime.

Na realidade, a operação foi uma encenação política, com os corpos de jovens negros e pardos — criminosos, transeuntes e policiais — como atores involuntários. Em um país atormentado pelo espectro constante da violência, o massacre, amplamente documentado, se desenrolou como um reality show, oferecendo a mesma catarse a milhões de pessoas que assistiam às imagens macabras.

Contudo, a narrativa de sucesso de Castro desmorona sob análise. A polícia entrou na favela com quase cem mandados de prisão, mas cumpriu apenas cerca de dezessete. E entre os mortos identificados como criminosos, muitos tinham outras acusações não relacionadas às listadas pelos promotores e foram retroativamente considerados membros de gangues; metade dos mortos não tinha mandados de prisão em aberto. Quase todos os líderes do Comando Vermelho, em todo caso, escaparam ilesos. Enquanto isso, centenas de linhas de ônibus foram suspensas, clínicas fechadas e a população foi aterrorizada por mais de quinze horas.

Nos dias que se seguiram à operação, o governo estadual mudou de posição, com o Secretário de Segurança Pública, Victor Santos, chegando a afirmar que o foco da operação “nunca foi prender líderes”. Em vez disso, as autoridades alegaram que o objetivo era conter a expansão do Comando Vermelho, que vinha consolidando uma faixa contínua de influência conectando diversas favelas e usando esses corredores para movimentar armas, drogas e pessoal com relativa liberdade.

Se matar resolvesse alguma coisa, estaríamos vivendo na Suíça.

Mas essas batidas policiais historicamente pouco contribuíram para desmantelar o Comando Vermelho, uma das maiores redes criminosas do Brasil, que se estende por fronteiras estaduais e internacionais. Matar soldados rasos — em sua maioria jovens negros, pobres e de cor — pouco fará para desmantelar a organização. No labirinto de barro e blocos de concreto da favela, sempre haverá espaços para reagrupamento, e a negligência do Estado garante um fluxo contínuo de jovens revoltados, desesperados e esquecidos. Quando os carros blindados e os fuzis do IML partirem e as calçadas forem lavadas, novos corpos ocuparão os lugares dos antigos.

Na verdade, a durabilidade do Comando Vermelho deriva de um sistema meticulosamente planejado de corrupção política e policial, produção de drogas e — talvez o mais crucial — lavagem de dinheiro, tudo envolvendo homens nos mais altos escalões da sociedade brasileira. No entanto, quando, em agosto passado, promotores revelaram um esquema de lavagem de dinheiro de US$ 1,84 bilhão que ligava as maiores empresas financeiras do Brasil ao maior grupo do crime organizado do país, apenas cinco funcionários foram presos, e a reação da imprensa foi discreta. O assassinato de dezenas de jovens pobres, em sua maioria negros, por outro lado, invariavelmente provoca uma satisfação pública muito maior em um país que ainda luta contra a violência e o racismo profundamente enraizado.

Enquanto isso, a cumplicidade e a corrupção da polícia receberam pouca atenção, especialmente na cobertura internacional. Em julho passado, uma investigação revelou que um policial rodoviário brasileiro traficava armas do Paraguai para gangues brasileiras e, apesar de ter sido considerado culpado, foi promovido. Em setembro, o deputado estadual do Rio de Janeiro, Thiego Raimundo dos Santos Silva, foi preso por vender armas e obter favores políticos para o Comando Vermelho. Mas esses dois exemplos são apenas os casos mais recentes e notórios.

Violência policial e a pobreza urbana

No Rio e em outros lugares, as milícias, formadas por ex-policiais e militares, surgiram na década de 1990 como grupos paramilitares não governamentais, com o pretexto de proteger a comunidade do narcotráfico. Hoje, elas se transformaram em extensos sindicatos do crime organizado que competem com as facções por território, lucrando com extorsão, monopolização de serviços públicos e até mesmo com o tráfico de drogas em larga escala — mantendo laços estreitos com agentes do Estado e se apresentando como protetores, e não como criminosos.

A tão falada “militarização” das gangues — tema explorado por Castro e prontamente amplificado pela cobertura sensacionalista internacional — merece uma análise mais profunda. Afinal, como esses grupos conseguiram fuzis de calibre militar? A resposta remete à corrupção sustentada pela pobreza generalizada e pela propina. Investigações recentes revelaram que um militar da Marinha chegou a treinar membros do Comando Vermelho para usar bombas lançadas por drones contra a polícia, utilizando táticas da guerra na Ucrânia.

Claramente, então, a operação de Castro foi mais simbólica do que estratégica. “Se matar resolvesse alguma coisa, estaríamos vivendo na Suíça”, disse-me Cecília Olliveira, diretora-executiva do Instituto Crossfire, com sede no Rio de Janeiro, que monitora a violência nas favelas cariocas, na última quinta-feira. A organização de Olliveira, que monitora a violência desde 2016, constatou que as ações policiais representam aproximadamente metade de todos os tiroteios que afetam o cotidiano dos cariocas. “Quem realmente paga o preço e lida com as consequências são os trabalhadores, os comerciantes que tiveram que fechar as portas, as crianças que acabam na linha de fogo e as famílias que perderam policiais”, afirmou. “Operações como essa impõem custos incalculáveis ​​à população e praticamente nenhum efeito sobre as facções.”

Ao analisar as principais operações policiais nas favelas, um fato se torna impossível de ignorar. “Os três maiores massacres policiais da história do Rio aconteceram durante o governo de Cláudio Castro e em contextos próximos a períodos eleitorais”, observou Olliveira. “Isso não é coincidência; é um padrão.” A operação de Castro ocorreu, de fato, em um momento de crise política para a extrema direita brasileira. A condenação e prisão de Bolsonaro, considerado culpado de conspiração para um golpe contra o governo, decapitou a extrema direita e semeou a divisão entre aqueles que acreditavam que o partido deveria seguir em frente e outros que pressionavam por uma anistia ou ações mais radicais. O massacre, amplamente divulgado pela mídia, galvanizou a indignação pública contra a criminalidade, permitindo que a direita — ansiosa por recuperar o ímpeto para as eleições de 2026 — mobilizasse eleitores em torno de uma postura de "tolerância zero" e retratasse o governo Lula como complacente.

A estratégia parece ter funcionado: pesquisas indicam que a operação aumentou a aprovação de Castro em até dez pontos percentuais. Na internet, o apoio à polícia inundou o país, enquanto a condenação se abateu sobre criminosos e moradores de favelas — que muitos na direita consideram simpatizantes de Lula. Alguns negam que a polícia torture suspeitos; outros comemoram as execuções extrajudiciais, apesar da ausência de pena de morte no Brasil. Embora haja um consenso surpreendente entre setores da centro-esquerda em relação ao endurecimento da segurança pública, a indignação com a violência policial — especialmente em comunidades negras e da classe trabalhadora — permanece intensa e amplamente expressa. Ainda assim, o esforço de Castro, que incluiu até mesmo uma reunião com a Agência Antidrogas (DEA) em Washington buscando o envolvimento dos EUA contra o Comando Vermelho, elevou seu perfil como um potencial sucessor de Bolsonaro na direita.

Essa onda de apoio se refletiu em grande parte da imprensa nacional e em alguns veículos internacionais, onde a cobertura, moldada pela indignação pública com a criminalidade, muitas vezes ecoa antigas representações das favelas como espaços sem lei — lugares onde se presume que os moradores sejam membros de gangues ou seus parentes e apoiadores. Essas narrativas ajudam a legitimar incursões policiais violentas e sem supervisão que ocorrem há décadas, desde os massacres de Nova Brasília em 1994-95 — quando 26 pessoas foram mortas e três mulheres estupradas por policiais, resultando em uma condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2017 — até os dias atuais.

As histórias que moldam o que parecem ser favelas sem lei raramente são reconhecidas dentro e fora do Brasil.

No entanto, as histórias que moldam o que parecem ser favelas sem lei raramente são reconhecidas dentro e fora do Brasil. As primeiras favelas surgiram na década de 1890, logo após a abolição da escravatura, quando amplas reformas urbanas visaram e demoliram as moradias coletivas, ou cortiços, dos pobres urbanos não brancos. Em seu lugar, ergueram-se prédios cívicos de inspiração europeia e os amplos bulevares do Rio, e praticamente nenhuma habitação de baixa renda foi construída para substituí-los.

Negligenciados e discriminados pelo Estado, os não brancos — muitos deles ex-escravos — não tiveram outra escolha senão se mudar para áreas mais afastadas ou construir barracos improvisados ​​de madeira em encostas verdes ao redor do Rio, o único lugar onde o código de construção permitia esse tipo de edificação. De vales pantanosos e encostas íngremes, eles construíram suas próprias comunidades, criaram seus próprios sistemas de governança e desenvolveram suas próprias culturas, incluindo grande parte da música popular brasileira. O Estado tratou esses assentamentos como ilegais e temporários, mas continuou sem fazer nada, enquanto muitos líderes ricos obtinham dos aluguéis uma fonte de renda ilegal e lucrativa. Na década de 1950, após a migração massiva do campo para a cidade, os cartéis de drogas continuaram a se expandir e se desenvolver.

Foi somente na década de 1970 que os cartéis começaram a se enraizar nas favelas, não porque os moradores os acolhessem, mas porque os grupos ofereciam serviços básicos e uma espécie de governança em locais abandonados pelo Estado. Para os jovens criados em favelas com vista para bairros litorâneos mais ricos, os grupos criminosos representavam um caminho para a ascensão social — e um meio de redistribuir riquezas para os seus, às custas dos ricos.

Mas, apesar de toda a sua associação com as favelas, extensas organizações criminosas como o Comando Vermelho não se originaram ali. Elas nasceram longe dali, nas prisões estaduais superlotadas e violentas para onde dezenas de homens negros são enviados todos os anos. “Uma pessoa comum presa por um crime como roubo entra sem nenhuma facção e sai com uma”, explicou Olliveira. “Dentro da prisão existe uma ordem que exige proteção e redes de contatos. Você não consegue se virar sozinho. Você não sobrevive.”

As imagens violentas vindas do Rio facilitam a sensacionalização da Operação Contenção, obscurecendo a arquitetura política por trás do espetáculo. Esses confrontos chamativos entre adolescentes negros armados com metralhadoras e helicópteros da polícia voando baixo mascaram os processos históricos que criaram e sustentam esse cenário — sem mencionar os homens ricos e influentes que lucram tanto com o combate ao crime quanto com a sua perpetuação.

“Então o Estado cria seus inimigos, os arma, os fortalece e depois subjuga a sociedade diante do monstro que criou e alega combater”, disse-me Olliveira. “Não é bem assim.”

Colaborador

Alex MacArthur é pesquisador e escritor freelancer, atualmente cursando mestrado em história econômica e social na Universidade de Cambridge.

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