29 de outubro de 2025

Interesses materiais

Sobre o novo marxismo.

Dylan Riley



A nova cultura marxista que emergiu nos Estados Unidos por volta de 2010 tem muitos méritos. Ela se preocupa particularmente com a realidade empírica e se concentra em questões táticas e estratégicas. Demonstra, assim, um saudável ceticismo em relação à teoria, especialmente em relação a tudo que remeta a Hegel, Sartre, Lukács ou à Escola de Frankfurt. Seus mestres de pensamento (na medida em que os reconhece) são Wright, Przeworski e, em menor grau, Burawoy. Kautsky também está presente. A perspectiva básica desse grupo é uma espécie de marxismo simplificado da escolha racional ou "analítico". Nessa visão de mundo, existem classes cujos membros têm interesses materiais derivados de sua posição em um sistema de relações de propriedade. O sucesso ou fracasso dos partidos de esquerda depende do grau em que eles apelam aos interesses da classe trabalhadora assim definidos. Uma síndrome que preocupa o novo marxismo é a tendência dos partidos de centro-esquerda de se dedicarem a algo chamado política identitária.

Uma questão fundamental, contudo, raramente é levantada: o que significa “interesse material”? Ao analisá-lo mais de perto, percebe-se que o termo adquire uma qualidade peculiarmente metafísica e atemporal. Diz-se que os interesses “derivam” das relações de propriedade, sem maiores especificações. Mas essa é uma forma essencialmente irreal de compreendê-los.

O marxismo não deve esquecer que os “membros” das classes são pessoas, e as pessoas vivem em direção ao seu futuro, conforme o compreendem e o imaginam. É, portanto, um erro fundamental basear a política em um apelo a um status dado – um estado presente do ser social – e aos interesses que supostamente dele decorrem. Pois uma política antropologicamente bem fundamentada implica a tentativa de mobilizar grupos e classes em torno de um projeto para realizar um futuro que lhes seja possível sob um determinado conjunto de circunstâncias históricas determinantes. Os interesses são “materiais” na medida em que emergem dessas circunstâncias objetivas; são “interesses” na medida em que estão orientados para um horizonte. O marxismo, portanto, não pode ser, na maravilhosa expressão de Labriola, “uma filosofia do estômago”.

Isso levanta a questão de como os horizontes são construídos. Uma maneira crucial é através de um processo sobre o qual a nova metafísica materialista marxista diz relativamente pouco: a luta de classes. Compreendidas material e dialeticamente, as classes não possuem interesses a priori pelos quais lutam posteriormente. Em vez disso, a luta de classes diz respeito fundamentalmente a quais futuros são, e não são, realizáveis ​​nas condições presentes, e é somente nesse contexto prospectivo que os interesses materiais adquirem significado substantivo. Faz pouco sentido dizer que um servo na Inglaterra do século XIII tinha interesse no socialismo. No entanto, poderia fazer sentido dizer que um operário siderúrgico na Alemanha do século XIX tinha interesse no socialismo, porque este estava entre os futuros possíveis inseridos na realidade histórica.

Em certo sentido, este é o outro lado de outra tendência característica do marxismo analítico anglo-americano: sua tentativa de desenvolver uma crítica ao capitalismo listando seus “danos” – a contrapartida negativa dos interesses. Mas os “danos” só são politicamente relevantes se estiverem ligados a alternativas históricas. Os danos capitalistas que Wright lista nas páginas iniciais de Envisioning Real Utopias, por exemplo – ineficiência, viés sistêmico em relação ao consumismo, destruição ambiental, limitação da democracia e assim por diante – não constituem uma crítica ao capitalismo, pois muitos poderiam ser aplicados a qualquer forma de produção social, inclusive ao socialismo.

A questão metodológica geral é que falar de interesses na ausência de alternativas – futuros imagináveis ​​e viáveis ​​que são historicamente construídos por meio de lutas – é falar de algo irreal e abstrato como se fosse real e concreto. Pior ainda, atribuir a uma entidade chamada “interesses materiais”, assim concebida, poder causal sobre os indivíduos vivos que os carregam é uma afirmação teológica. Esse tipo de materialismo degenerou na pior forma de idealismo: um idealismo que se reconhece erroneamente.

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