3 de setembro de 2022

Quais são as propostas na nova Constituição do Chile

Proposta submetida a votação em plebiscito reúne temas que polarizam sociedade chilena

Sylvia Colombo


Constituinte Elisa Loncon, representante do povo Mapuche, segura a proposta da nova Constituição no Congresso Nacional, em Santiago - Javier Torres- 4.jul.22/AFP

Os pontos mais polêmicos da proposta de nova Constituição do Chile, que será posta em votação neste domingo (4), estão relacionados ao reconhecimento do país como "um Estado plurinacional, intercultural, regional e ecológico".

Em uma pesquisa recente do instituto Feedback, 39% dos entrevistados disseram acreditar que a nova Carta estabelece que nem todos são iguais diante da lei ao conceder novos direitos aos povos originários, como autonomia sobre suas terras e reconhecimento de sua cultura.

Outros 31% disseram entender que a ideia de plurinacionalidade pode vir a "dividir" ou "dissolver" o Chile —motivo pelo qual as bandeiras do país são elemento recorrente de afirmação de identidade nos protestos contra a proposta.

Já os pontos do texto destacados como mais modernos são os relacionados ao meio ambiente, entre eles o artigo que estabelece que "a natureza tem direitos" e que "os animais devem receber especial proteção". Há legislações específicas para preservar glaciares e pântanos, que serão excluídos dos territórios liberados para mineração, e há planos de nacionalizar o acesso à água —hoje limitado por um sistema de concessões a empresas privadas.

Propostas como maior regulamentação das mineradoras, proteção de mananciais e de terras indígenas, assim como das áreas designadas à exploração do lítio são aplaudidas pelas comunidades, mas recebem críticas por parte do mercado.

Em editorial recente, o jornal Financial Times afirmou que o documento "é preocupante para os negócios", entre outros motivos, por dar mais autonomia aos indígenas sobre suas terras e, com isso, colocar entraves à produção e ao investimento. O veículo também considera um erro a eliminação do Senado e sua substituição por uma "Câmara das Regiões", cuja intenção seria a descentralização da administração do país em Santiago.

Outros artigos de destaque da nova Constituição relacionados ao sistema político dizem respeito à reeleição. Antes, um presidente só poderia ser reeleito de modo não consecutivo. A nova proposta prevê a possibilidade de reeleição apenas uma vez e de modo consecutivo.

Há ainda mais limitações à prerrogativa do presidente de enviar para votação leis que envolvam gastos públicos. O Congresso precisaria, sob a nova Carta, participar da decisão.

Outra mudança prevê que a Câmara dos Deputados poderá reformar leis com aprovação de maioria simples —o regime atual exige aval de dois terços da Casa, o que pode obstruir o avanço de projetos em que há pouco consenso.

Moradia, segurança, saúde, trabalho, saúde e acesso à alimentação passam a ser considerados "direitos sociais" —ou seja, provê-los passa a ser uma obrigação do Estado.

Com relação a políticas de gênero, o Estado se compromete a ser paritário —mesma quantidade de homens e de mulheres— em todas as suas instâncias e está obrigado a tomar medidas para punir qualquer tipo de violência de gênero.

O texto submetido à votação também abre espaço para a regulamentação de uma lei que leve em conta apenas o desejo da mulher para a realização de um aborto. Detalhes como a realização do procedimento no sistema público e os prazos para a interrupção da gestação ainda dependem de decisão posterior do Congresso.

Com relação aos indígenas, há artigos que permitem a autodeterminação desses povos, assim como a criação de sistemas de Justiça locais vinculados a suas tradições. Estes temas são extremamente polarizadores e por isso também estão abertos para o debate e regulamentação por parte do Congresso.

A autonomia não significa independência nem permite que as nações indígenas mantenham relações internacionais como se fossem países, mas garantem que a administração das terras e o ensino de idiomas nativos seja controlado pelos povos originários. O texto ainda reserva aos indígenas participação em órgãos públicos e estabelece a necessidade de consulta prévia nos casos em que alguma política pública possa afetá-los diretamente.

Os sistemas de Justiça indígenas existem também nas Constituições plurinacionais de Equador e Bolívia. Eles permitem que certos crimes menores sejam tratados pelas comunidades de acordo com suas tradições ancestrais. Casos mais graves, porém, como assassinatos e sequestros, ficariam ainda no escopo da Justiça comum, à qual estaria vinculada a sua vertente indígena.

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