Nelson Barbosa
Folha de S.Paulo
Sede do Banco Central em Brasília. Adriano Machado/Reuters |
Nosso debate monetário esquentou nos últimos dias, com o reaparecimento de "engenheiros de obra pronta" e "alarmistas do fim do mundo" na mídia especializada.
Especificamente, segundo alguns colegas, à esquerda e à direita do espectro político, nosso BC (Banco Central) errou a mão na condução dos juros. Baixou demais a Selic em 2020 e agora terá que elevar demais a Selic para combater a inflação.
Os críticos ao BC apontam que somos o país que mais reduziu juro em 2020 e mais aumentará juro em 2021. Como todo sofisma, essa afirmação parte de um fato —a Selic variou muito— para uma hipótese questionável —foi errado a Selic variar tanto.
Sim, tudo indica que a Selic sairá dos 2% de agosto de 2020 para algo entre 11% e 12% no início de 2022, uma variação de nove a dez pontos percentuais. Parece absurdo, mas você sabe o que também variou muito desde 2020? O PIB, a inflação, os preços internacionais de commodities e nossa taxa de câmbio.
O crescimento do PIB foi de menos 4,1% em 2020 e dever atingir 4,9% neste ano, uma volatilidade de nove pontos percentuais. No IPCA, a inflação acumulada em 12 meses foi de 1,9%, em maio de 2020, para 10,7% atualmente, outra volatilidade de quase nove pontos percentuais.
Achar que a Selic flutuaria pouco no cenário de incerteza e choques de 2020-21 é coisa de "especialista de rede antissocial" ou farialimer que estava comprado em taxa de juro (DI) e vendido em dólar no final de 2020.
Para os demais economistas é fácil explicar a volatilidade da Selic com base no chamado princípio de Taylor. Explico.
A variação da inflação é uma função do nível da taxa de juro real da economia. Dado o juro real de equilíbrio, que a maioria dos economistas chama de "taxa natural" sem saber bem o que é isso, a inflação sobe quando a taxa de juro real cai abaixo do seu nível natural e vice-versa.
Mantida a taxa natural de juro, se a inflação subir e o BC não fizer nada, a taxa de juro real cairá, ficando mais abaixo da taxa de juro natural e gerando novo aumento da inflação no período seguinte. Neste cenário, a economia pode entrar em uma espiral inflacionária, como apontado pelo economista sueco Knut Wicksell, há mais de 120 anos.
Na época de Wicksell acreditava-se que os bancos comerciais eventualmente aumentariam a taxa de juro nominal em resposta à elevação da inflação, estabilizando o sistema. Hoje esse papel cabe ao BC.
Na versão atual da teoria de Wicksell, proposta pelo economista norte-americano John Taylor há 30 anos, a variação da taxa de juro nominal tem que exceder a variação da inflação para que o BC consiga estabilizar a economia.
Traduzindo do economês, se inflação subiu nove pontos percentuais, a Selic tem que subir mais do que nove pontos percentuais para controlar a inflação. O mesmo raciocínio vale para o caso de queda da inflação e, portanto, em condições normais, a Selic deve ser mais volátil do que a inflação para que a política monetária cumpra o seu papel. É a isso que estamos assistindo no Brasil. Não é uma situação confortável, mas também não é novidade ou motivo para pânico.
Dado que a inflação acumulada em 12 meses subiu cerca de nove pontos desde maio de 2020, tudo indica que o BC terá que elevar a Selic em mais de nove pontos para combater a aceleração de preços. Tomando agosto de 2020 como referência, o BC já aumentou a Selic em aproximadamente seis pontos. Com elevação adicional e gradual de três a quatro pontos no seu juro básico, o BC deve conseguir trazer a inflação de volta à meta no início de 2023.
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