4 de novembro de 2021

Câmara aprovou na prática corte do auxílio emergencial, dinheiro para centrão e bomba fiscal

Adiar pagamento de precatórios criará bola de neve de dívida para próximos governos

Nelson Barbosa


Ministro João Roma (Cidadania), primeiro à esquerda, conversa com o líder da bancada do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), terceiro à esq., durante análise da PEC dos Precatórios, na Câmara - Folhapress

Analisar política fiscal é um desafio ao raciocínio lógico. A oposição parlamentar ao presidente Jair Bolsonaro, que é contra o atual teto de gasto, votou contra a PEC (proposta de emenda à Constituição) dos precatórios que, em teoria, flexibiliza o teto de gasto. Como entender? A resposta tem pelo menos quatro partes.

Primeiro, nos precatórios, o governo Bolsonaro propõe empurrar mais da metade da despesa de 2022 para 2023 e assim em diante. A medida tem precedente, pois o próprio Judiciário já estabeleceu ordem de pagamento no passado, bem como modulou acerto de contas entre União, estados e munícipios. Onde está, então, o problema da oposição?

Do jeito proposto, o adiamento de precatórios prejudicará pagamentos de pequeno valor, para pessoas de baixa renda, e criará bola de neve de dívida para os próximos governos, aumentando a incerteza fiscal.

Para piorar, a proposta do governo também ampliou as formas de pagar precatórios, facilitando a liquidação de patrimônio público (terrenos, ações de estatais e outros itens) para quitar tais obrigações.

Seria menos arriscado pagar precatórios com emissão de dívida pública, pois precatório atrasado nada mais é do que dívida pública.

Segundo, nas transferências de renda, em outubro, 34 milhões de pessoas receberam o auxílio emergencial, de R$ 300/mês. De agora em diante essas pessoas poderão contar com o Auxílio Brasil (novo nome do Bolsa Família) de R$ 400/mês. Se o valor aumentou, qual é a chiadeira da oposição? Simples, como o governo prevê atender 17 milhões de pessoas no Auxílio Brasil, os 17 milhões restantes perderão transferência de renda a partir deste mês (estimativas mais pessimistas chegam ao potencial de 22 milhões de desassistidos).

A equipe econômica aposta que a economia decolará, que quem perdeu auxílio emergencial encontrará rapidamente emprego no setor de serviços. Pode acontecer, mas hoje o cenário mais provável é desaceleração do PIB (Produto Interno Bruto), com risco de recessão. Neste contexto seria melhor manter o auxílio emergencial em 2022, com eventual aumento de valor, que é a proposta da oposição.

Terceiro, a proposta de Bolsonaro também abre recursos para emendas de relator, aquela parte do Orçamento alocada sem transparência ou garantia de efetividade econômica e social.

Além de emendas individuais e de bancada, que fazem parte do funcionamento da democracia, teremos mais R$ 16 bilhões de gasto alocados pelo relator do Orçamento para atender aos interesses de reeleição do centrão. Seria melhor focar estes recursos em programas centralizados de saúde, educação e infraestrutura. Vem daí a resistência da oposição à medida.

Por fim, a elevação do teto de gasto em 2022 prevê a volta do arrocho fiscal após um ano. Foi assim em meados 2020 e início deste ano. Fura-se o teto de gasto com a promessa de que será por pouco tempo, de que a economia melhorará rapidamente permitindo corte gasto dentro de 6 a 12 meses. Como a realidade insiste em não obedecer aos prognósticos do governo, ninguém mais acredita que o atual teto de gasto é sustentável.

Dado que o gasto extra previsto para 2022 não resolveu a incerteza fiscal de 2023 em diante, a resposta veio em depreciação cambial, aumento da inflação e elevação do juro. Desde 2019 a oposição a Bolsonaro defende resolver a incerteza de uma vez por todas, revisando a regra de gasto. Mais uma vez o governo ignorou o problema.

No final das contas a Câmara aprovou uma bola de neve nos precatórios, corte do auxílio emergencial para 17 milhões de pessoas, recursos extra para reeleição do centrão e manutenção da incerteza orçamentária.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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