28 de maio de 2022

A Colômbia não é um país de direita

Os colombianos vão às urnas neste domingo com uma oportunidade histórica: votar por mudanças reais e rejeitar a narrativa - tão útil para as elites globais quanto para os poderes locais - de que a Colômbia é um país de direita.

Luciana Cadahia e Tamara Ospina Posse


Estudantes participam dos protestos contra o governo em 4 de dezembro de 2019 em Bogotá, Colômbia. (Guillermo Legaria/Getty Images)

Uma das opiniões mais arraigadas no senso comum latino-americano é a crença de que a Colômbia é um país de direita. Não faltam razões para sustentar esta afirmação, se prestarmos atenção aos vínculos que os sucessivos governos da Colômbia tiveram com os Estados Unidos.

Sem ir mais longe, após o conflito desencadeado na Ucrânia, o governo de Joe Biden lançou uma série de negociações para oficializar a Colômbia, há poucos dias, como um aliado estratégico não-OTAN. Seria preciso ser muito ingênuo para não suspeitar que decisões como essas colocam em risco a soberania da região latino-americana em termos de segurança estratégico-militar.

O papel do uribismo como motor da expansão da extrema direita em nível continental também não é desconhecido. Sem ir muito longe, essa aposta pode ser vista pelas ridículas e fracassadas tentativas, há alguns anos, de instalar no Cone Sul a luta conjunta contra a suposta aliança Mapuche-FARC, passando pela participação de soldados colombianos no assassinato do Haiti, ao fato de ter transformado Miami em centro de operações do crime organizado e golpes regionais.

Mas o caráter servil das oligarquias locais não deve ser confundido com a coragem do povo colombiano. E é a partir dessa importante distinção que começa a desmoronar a tese de que a Colômbia é um país de direita.

A primeira coisa que deve ser destacada é a responsabilidade da mídia na construção de um raio-x distorcido do povo colombiano, a começar pela derrota em 2016 do SIM no plebiscito pelos Acordos de Paz e a consequente chegada do candidato uribista Iván Duque Márquez à presidência.

Nesse sentido, é importante lembrar duas coisas que tiveram pouca repercussão na imprensa nacional e internacional. Por um lado, o desprezo pelo popular por parte do governo de Juan Manuel Santos e suas dificuldades em transmitir o que estava em jogo com o plebiscito, redigido em estilo barroco que em nada ajudava a entender o que significava SIM e o que significava NÃO que estava na cédula. Somado ao fato de não ter percebido que o uribismo, muito hábil na pedagogia popular, usaria esse mesmo plebiscito para confundir os termos do acordo, assustar a população e criar a bem-sucedida e falsa identificação da paz com a impunidade e certos privilégios para os atores armados.

Por outro lado, dificilmente é mencionado que em 2018 se vivenciou um cenário eleitoral muito semelhante ao atual, em que quase toda a mídia, o establishment econômico e político se uniram durante a campanha para, por um lado, demonizar a opção progressista expressa por Gustavo Petro e Ángela María Robledo e, por outro lado, "apagar" as ligações óbvias entre Iván Duque, o uribeísmo e o crime organizado.

A sensibilidade centrista daquele momento, que até muito recentemente controlava de forma hegemônica o senso comum oficial da academia, da política e da mídia, teve grande responsabilidade na criação da percepção fictícia de que Duque era um candidato democrata, propenso ao diálogo e convicto defensor dos Acordos de Paz.

Poucos meses após o triunfo de Duque, a ficção se desfez e esses mesmos líderes centristas da política e da opinião pública não tiveram escrúpulos em sair habilmente da cena pública para observar baleias ou completar supostos programas de estudo no exterior. Ninguém quis assumir a responsabilidade histórica de ter recolocado o uribismo na Casa de Nariño e, assim, desencadear os índices de violência, deslocamento forçado, espoliação territorial e pobreza extrema a que as elites, por quase dois séculos, tem amargamente acostumado os colombianos.

O povo não se rendeu, caramba!

Por isso, diante dessa radiografia distorcida da Colômbia, interessada em construir a falsa imagem de um povo brutal, violento e ignorante que a elite iluminista deveria manter à distância, há uma verdadeira história de organização, solidariedade e resistência popular. Este é o verdadeiro rosto popular na Colômbia, um rosto que eles habilmente e calculadamente removeram da cena pública global.

A paciente construção dessa imagem pejorativa do povo colombiano remonta, pelo menos, ao século XIX, mas a sobrevivência contemporânea desse estigma é fruto de um nó ideológico construído entre a narrativa da guerra ao terror fomentada por George W. Bush após a queda das Torres Gêmeas e a doutrina do inimigo interior promovida por Álvaro Uribe Vélez.

Embora a combinação de ambas as narrativas na Colômbia - que tinha o objetivo de identificar qualquer expressão de ativismo político com um inimigo interno ou terrorista a ser "eliminado" -, esteja em baixa há muito tempo, seus efeitos continuam sendo muito prejudiciais para o exercício da política, liberdade de pensamento e liderança social na Colômbia.

Foi necessária uma explosão social como a que começou a se concretizar em 2019 - e mesmo, bem antes, com o Paro Cívico das organizações do Movimento Negro em Buenaventura - para que o mundo inteiro se tornasse sensível ao regime de terror sofrido diariamente pelo povo colombiano.

En ese sentido, las imágenes dantescas que protagonizaron el Paro Nacional del año pasado evidenciaron dos regímenes en tensión. De un lado, los vínculos profundos que existe entre el crimen organizado, el gobierno nacional y las fuerzas del orden: paramilitares, custodiados por la policía, disparando a quema ropa a los manifestantes; centros de torturas clandestinos en las fiscalías y los principales centros comerciales del país; arrestos, disparos y agresiones arbitrarias por parte de la policía nacional a las juventudes y a los movimientos negro, campesino e indígena; el intento desesperado por parte de los principales medios hegemónicos de comunicación para convertir a los manifestantes y sus justos reclamos democráticos en vandalismo y expresiones de violencia irracional.

Y, de otro, la fuerza de una articulación popular que, a pesar de vivir en carne propia y sin ningún tipo de disimulo, la violencia estatal y paramilitar desatadas, decidió mantenerse firme en las calles durante más de dos meses y mandar un mensaje claro y firme al mundo entero: ¡Basta ya de esta economía de la guerra y del despojo en Colombia!

Porque lo cierto es que el régimen de terror colombiano no es obra de un personaje malvado llamado Uribe; él, por el contrario, es una ficha más dentro de una viejo entramado oligárquico y corporativo que ha convertido a Colombia en uno de los principales suministradores de cocaína al mundo. No hacernos cargo de que este régimen de terror es sostenido dentro y fuera de Colombia, es decir, mediante la complicidad de los países más poderosos del mundo, implica desconectar nuestra inteligencia y sensibilidad al momento de hacer el esfuerzo para entender cómo funciona el capitalismo. Colombia es hoy uno de los cuartos de máquinas del capitalismo global y su pueblo no es otra cosa que una figura sacrificial para el correcto funcionamiento del libre mercado.

No obstante, y a pesar de la astucia de sus élites para hacer convivir, de un lado, la imagen demagógica de un pueblo violento, conservador e ignorante y, de otro, un mecanismo de terror para silenciar y atemorizar a ese mismo pueblo –a punta de asesinatos sistemáticos a líderes políticos, sociales y territoriales–, los sectores populares lograron articularse en un sujeto político tanto en las calles como en las instancias de representación institucional.

Esta alianza entre movilización popular y organización política ha dado lugar a un Pacto Histórico que recuerda los mejores momentos de la lucha popular en Colombia. Y a diferencia de otros momentos de su historia, el pueblo colombiano ha conseguido que no asesinen a sus candidatos. Esta es la oportunidad histórica para revertir la lógica del narcoestado, y la violencia sistemática que ello supone; al mismo tiempo, es la posibilidad de materializar una transición energética de la economía fósil a un modelo económico más sostenible. Todo lo cual supone poner un freno de mano desde el interior del cuarto de máquina del capitalismo y la posibilidad de empezar a materializar nuevas formas de vida para una humanidad devastada por la crisis, la guerra y el autoritarismo global.

Y hoy este pueblo sorprende al mundo entero con la fórmula presidencial compuesta por Gustavo Petro Urrego y Francia Márquez Mina, encabezando todas las encuestas para las elecciones del próximo domingo. Por eso, hoy más que nunca, es importante recordar que tanto Petro como Márquez son el resultado de un acumulado histórico sostenido a lo largo del tiempo por el pueblo colombiano. No es casual que a través de Gustavo Petro y Francia Márquez se den la mano dos de las regiones más castigadas del país por el conflicto armado y el racismo estructural: Caribe y Cauca; desplazando así al histórico centralismo expresado por las élites de Bogotá y Medellín. Tampoco es casual que Gustavo Petro y Francia Márquez provengan de la resistencia popular, la defensa de los derechos humanos y territoriales y la búsqueda del fin del conflicto armado.

En las elecciones legislativas del pasado mes de marzo, y a pesar del fraude sistemático cometido por la extrema derecha mafiosa, el Pacto Histórico sorprendió a todos con un triunfo abrumador, convirtiéndose en la mayor fuerza política del país. Ojalá que este domingo el voto popular se mantenga en esa dirección y Colombia logre, por primera vez en su historia republicana, un gobierno popular que consiga «ir de la resistencia al poder. Hasta que la dignidad se haga costumbre».

Sobre os autores

Luciana Cadahia é filósofa, coordenadora da rede Populismo, Republicanismo y Crisis Global e membro do Centro de Pensamiento Colombia Humana (CPCH).

Tamara Ospina é cientista política, feminista, militante da Colombia Humana e membro do Centro de Pensamiento Colombia Humana (CPCH).

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