13 de maio de 2022

Pela luta, a Bolívia se tornou o centro do mundo

O ministro das Relações Exteriores da Bolívia, Rogelio Mayta, diz que em qualquer lugar as pessoas que lutam contra o imperialismo e o neoliberalismo não podem ser consideradas parte da “periferia”. Eles estão no centro do mundo.

Rogelio Mayta


Manifestantes se reúnem em La Paz durante uma manifestação liderada pelo presidente boliviano Luis Arce e pelo ex-presidente Evo Morales, 29 de novembro de 2021. (Martín Silva / AFP via Getty Images)

Tradução / A humanidade se encontra em um momento crucial. Não são apenas as guerras e as mudanças climáticas que ameaçam a vida em nosso planeta. Ideologias e algumas pessoas também.

Sabemos que o dinheiro e a produção de riqueza e bem-estar criaram uma lacuna cada vez maior e mais profunda entre pessoas, bairros, cidades e países, uma lacuna que foi exacerbada pela pandemia.

Por isso, gostaria que parássemos de nos considerar uma periferia pobre em um processo de globalização desigual, colonial e racista.

Na Bolívia, desde o início deste século, lutamos contra algumas as questões mais importantes e decisivas para o futuro da raça humana: a água, nossa folha sagrada de coca, os bens que temos que podemos compartilhar graças à generosidade do Pachamama e, claro, o direito de tomar decisões coletivamente sobre nossas vidas.

Cada batalha, cada sacrifício feito em lugares como El Alto (em La Paz) e Cochabamba, confrontamos os donos do poder e do dinheiro.

No centro de cada uma de nossas lutas está nossa necessidade primordial de permanecermos vivos, para finalmente construir um mundo adequado para todos nós vivermos com dignidade.

Não amanhã, mas hoje, a Bolívia é o centro do mundo. Assim como é a Dakota do Norte, ou Chiapas, ou os bairros pobres de Caracas.

Sim, somos pobres e distantes dos poderosos centros de decisão econômica e política. Mas, ao mesmo tempo, vivemos no centro das batalhas mais importantes. Batalhas travadas em nossas menores trincheiras, comunidades, bairros, cidades, selvas e florestas.

O que estou descrevendo para vocês não é apenas uma simples mudança de discurso. Queremos pensar sobre nós mesmos de forma diferente, porque se fizermos isso, no centro da verdadeira batalha pela vida, podemos olhar o mundo e nossas irmãs e irmãos com novos olhos. Se estivermos condenados a ficar à margem, não iremos longe.

É construindo assim, a partir das centenas e milhares de centros nos quais a vida se define, que lutamos pelo que é mais essencial: água, comida, abrigo, educação, dignidade – talvez a partir disso possamos construir um novo horizonte. Tecendo nossas necessidades, nossas conquistas, até nossos erros, é possível desmantelar séculos de colonialismo, de pilhagem brutal de nossos territórios e de subjugação forçada de nosso povo.

Na Bolívia, tivemos que recorrer às nossas tradições e conhecimentos milenares da Aymara e Quechua; dois povos que definem muito do que é este país. Mas não são apenas os povos de origem indígena que lutaram contra o capital. Tampouco é obrigação de um povo ser a vanguarda ou a reserva moral da raça humana.

Nós somos o que somos. Sabemos, entre nós, o que nossos avós nos transmitiram. Por isso, a partir de nossa experiência vivida, convido vocês a iniciar esta jornada, primeiramente restabelecendo o que é importante, para que possamos começar a nos ver como as pessoas nas ruas de Cochabamba eram vistas depois da Guerra da Água, sabendo que é possível e que há outra vida esperando por trás das barricadas, por trás das greves e dos bloqueios de estradas, e esse é o nosso patrimônio comum.

Isso também aconteceu conosco em outubro de 2003, quando El Alto se converteu, por alguns momentos, no centro do mundo. Com paus e pedras, e muita vontade, os aimarás rejeitaram a venda de nossas riquezas – a morte prescrita por um presidente tolo e corrupto.

Ali, neste ardente epicentro, tudo o que importa estava em jogo. Os centros de poder e de tomada de decisão global eram nossa periferia. Sem dúvida, não acho que sejamos a periferia. Este mini-censo não pretende ser paralisante. Muito pelo contrário.

Como boliviano, como aimará, como alguém que viveu uma das batalhas mais decisivas para mudar tudo, sei que não podemos ignorar a catástrofe diária que vimos no Sri Lanka, nos barcos cheios de refugiados no Mediterrâneo, naquele muro que separa a América do Norte do resto da América, nos territórios aborígenes da Austrália, ou na fome vivida pelas meninas e meninos em La Guajira, na Colômbia.

Para poder ver a imensidão de nosso horizonte, para poder sonhar acordado ao olhar para o altiplano andino e seus picos, talvez devêssemos nos dar uma perspectiva diferente, um novo centro.

Na Bolívia, como em tantos outros lugares, o que está em jogo não é um conjunto de bens ou um pedaço de terra, nem mesmo um governo. Lutamos para defender a própria vida, para alimentá-la e vê-la crescer com dignidade. Não temos de mais importante para fazer nestes tempos difíceis.

Somos o centro do mundo.

Adaptado de um discurso proferido na segunda cúpula da Internacional Progressista.

Sobre o autor

Rogelio Mayta é o ministro das Relações Exteriores da Bolívia.

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