Leonardo Frieiro
O presidente argentino Alberto Fernández com seu colega francês, Emmanuel Macron. (Foto: Agência NA) |
No livro The Last Neoliberal: Macron and the Origins of France's Political Crisis, Bruno Amable se propôs a desvendar o processo de transformação do sistema político francês, bem como o processo de deslocamento das ideologias dos "trinta gloriosos" em que tanto a centro-direita quanto a esquerda reformista caíram em um declínio imparável.
O resultado político dessa crise de representação —produto de uma crise geral de um tipo específico de relações capitalistas— foi o estabelecimento de governos de unidade dos setores do capital que significaram ou a constituição de grandes coalizões (como no caso alemão ou italiano) , ou então refletiram a formação de um novo tipo de liderança que se dizia tanto “pós-política” quanto “pós-ideológica”, cujo maior expoente é o recém-reeleito presidente francês Emmanuel Macron.
Mas, além de conseguir suturar a fratura, o resultado foi a confirmação da fragilidade hegemônica como característica do cenário político europeu. Isso porque aqueles que ficaram de fora do sistema e viram suas condições de existência caírem, após serem excluídos das novas alianças sociais e relações capitalistas codificadas pela zona do euro, viram-se seduzidos por um novo tipo de radicalismo de direita que tentou popularizar-se sintonizando-se com o nacionalismo reacionário.
Esta Europa do novo milênio serve de exemplo global de que o "centrismo" político está em crise: é cada vez mais difícil conter a extrema direita e, consequentemente, cada vez mais dependente - como no caso francês - da memória histórica da sociedade para impedir a grotesco da direita radical de chegar ao poder.
Essa crise de hegemonia de “baixa intensidade” se revela eleição após eleição, quando a tarefa se torna cada vez mais titânica e o apoio à extrema direita se conjuga com a queda da participação eleitoral, principalmente devido ao descontentamento com a democracia de classe. Macron, por exemplo, foi reeleito, sim, mas seu capital político é o mais limitado para um presidente da história francesa. Temos dados suficientes para concluir que mais franceses votaram de nariz tapado do que aqueles que genuinamente apostaram na reeleição do presidente francês.
Alberto Fernández, por outro lado, parece tirar uma conclusão diferente da situação política europeia. Sua quarta visita ao continente (que faz da Europa seu destino favorito) pode ser lida como a mais importante em termos de construção política pessoal do presidente. Não por causa do —fracassado?— primeiro anúncio público de candidatura à reeleição, nem por causa de sua polêmica à distância com a vice-presidente Cristina Kirchner. Alberto Fernández procura algo na Europa, mas o que procura não é um programa político e nem a vontade —embora não lhe falte desejo— de se tornar o presidente latino-americano favorito da social-democracia europeia.
Apesar de o motivo oficial da visita presencial ser blindado por interesses comerciais e pela atração de investimentos no quadro da invasão russa da Ucrânia, estes parecem objetivos grandiloquentes que acabarão por dar um resultado bastante nulo de fato. A Europa que Fernández escolhe visitar não é uma Europa qualquer, e o desenho de suas reuniões mostra qual será o perfil de seu governo no final de seu governo e qual será o compromisso dele e de seu espaço nas eleições de 2023.
Além de sua visita à França (destino que foi acrescentado em função da vitória de Macron), o presidente iniciou sua turnê pela Espanha. Lá, Fernández só apareceu publicamente com o primeiro-ministro Pedro Sánchez e com o rei Felipe VI. Desta vez, não houve reunião pública —que se saiba, nem privada— com ninguém da Unidas Podemos, uma virada mais do que interessante em relação às suas visitas anteriores ao estado espanhol.
Leonardo Frieiro é cientista político (UBA), mestre em Estudos Internacionais (UTDT) e bolsista de doutorado do CONICET na área de teoria política. Fundador da Revista Espartaco.
Mas, além de conseguir suturar a fratura, o resultado foi a confirmação da fragilidade hegemônica como característica do cenário político europeu. Isso porque aqueles que ficaram de fora do sistema e viram suas condições de existência caírem, após serem excluídos das novas alianças sociais e relações capitalistas codificadas pela zona do euro, viram-se seduzidos por um novo tipo de radicalismo de direita que tentou popularizar-se sintonizando-se com o nacionalismo reacionário.
Por outro lado, somente onde a social-democracia entrou em colapso a esquerda conseguiu se reafirmar, embora com resultados muito mais fracos do que o esperado e, em muitos casos, colidindo precisamente contra a barreira do nacionalismo - como aconteceu com o Podemos na Espanha após a crise da secessão catalã e como foi o caso das inconsistências na posição da esquerda trabalhista liderada por Jeremy Corbyn no processo do Brexit.
Esta Europa do novo milênio serve de exemplo global de que o "centrismo" político está em crise: é cada vez mais difícil conter a extrema direita e, consequentemente, cada vez mais dependente - como no caso francês - da memória histórica da sociedade para impedir a grotesco da direita radical de chegar ao poder.
Essa crise de hegemonia de “baixa intensidade” se revela eleição após eleição, quando a tarefa se torna cada vez mais titânica e o apoio à extrema direita se conjuga com a queda da participação eleitoral, principalmente devido ao descontentamento com a democracia de classe. Macron, por exemplo, foi reeleito, sim, mas seu capital político é o mais limitado para um presidente da história francesa. Temos dados suficientes para concluir que mais franceses votaram de nariz tapado do que aqueles que genuinamente apostaram na reeleição do presidente francês.
Alberto Fernández, por outro lado, parece tirar uma conclusão diferente da situação política europeia. Sua quarta visita ao continente (que faz da Europa seu destino favorito) pode ser lida como a mais importante em termos de construção política pessoal do presidente. Não por causa do —fracassado?— primeiro anúncio público de candidatura à reeleição, nem por causa de sua polêmica à distância com a vice-presidente Cristina Kirchner. Alberto Fernández procura algo na Europa, mas o que procura não é um programa político e nem a vontade —embora não lhe falte desejo— de se tornar o presidente latino-americano favorito da social-democracia europeia.
Apesar de o motivo oficial da visita presencial ser blindado por interesses comerciais e pela atração de investimentos no quadro da invasão russa da Ucrânia, estes parecem objetivos grandiloquentes que acabarão por dar um resultado bastante nulo de fato. A Europa que Fernández escolhe visitar não é uma Europa qualquer, e o desenho de suas reuniões mostra qual será o perfil de seu governo no final de seu governo e qual será o compromisso dele e de seu espaço nas eleições de 2023.
Além de sua visita à França (destino que foi acrescentado em função da vitória de Macron), o presidente iniciou sua turnê pela Espanha. Lá, Fernández só apareceu publicamente com o primeiro-ministro Pedro Sánchez e com o rei Felipe VI. Desta vez, não houve reunião pública —que se saiba, nem privada— com ninguém da Unidas Podemos, uma virada mais do que interessante em relação às suas visitas anteriores ao estado espanhol.
Na Alemanha, país europeu onde o centro é mais hegemônico, a assimetria entre os Chefes de Estado entre os dois países pôde ser vista a olho nu. A submissão sem reservas da política externa europeia em relação à Rússia, ao papel da China na região e, principalmente, o “reimpulso” do acordo entre o MERCOSUL e a União Europeia, deve ser lido menos como um sinal de rendição das bandeiras ideológicas do nacionalismo popular peronista por parte do presidente e mais como uma tentativa de adquirir o cartão de membro do clube do "centro extremo" europeu, como Tariq Ali o chamava. É uma busca que leva o presidente a cometer os repetidos atos de eurocentrismo repulsivo aos quais já nos acostumamos.
Fernández quer se olhar no espelho europeu, pois é o único que pode lhe devolver uma imagem com a qual se sinta confortável. Com a irrupção da extrema direita na política argentina e com a esquerda ainda ausente da discussão, o realinhamento de Fernández parece claro: sua única chance de salvar seu projeto político já maltratado está na emulação sui generis do cenário político europeu que caracterizou pela gestão da crise de hegemonia persistente desde a crise global de 2008.
Com alguma astúcia, Fernández tenta polarizar novamente com Mauricio Macri, que representa o setor da Juntos por el Cambio mais permeável à radicalização após o surgimento de um concorrente de direita. Nesse contexto, "a extrema direita ou eu" começa a aparecer como o único cenário em que Alberto Fernández poderia ter uma chance concreta de não ir sem parar da Casa Rosada ao lixão da história. O presidente e seu círculo sabem disso, e esta turnê europeia é o ponto de partida para a construção desse cenário.
O problema é que, ao contrário do que funcionou até agora na Europa, na Argentina —embora isso possa se estender a boa parte da América Latina— não há hoje nenhuma condição objetiva que permita pensar na formação de um “cordão sanitário” tanto contra a extrema direita à seca (Javier Milei e Libertad Avanza), nem contra uma "centro-direita" que se radicalizou tanto em seu discurso quanto em seu programa após a derrota eleitoral em 2019.
As massas de eleitores de ambas as forças conservadoras são quase totalmente intercambiáveis no caso argentino: os setores ligados à exportação de matérias-primas, principalmente no setor agrícola, uma parte relevante das classes médias, e todos os grupos sociais permeados por alguma variante do conservadorismo social. Se esses setores tivessem que tomar uma decisão "eleitoral", a migração de uma expressão à direita para outra seria, com certeza, completa. Isso vale mesmo que, dentro do Juntos por el Cambio, uma liderança mais “moderada” acabe se impondo, como a que Horacio Rodríguez Larreta tenta construir, não sem inconsistências.
Embora geralmente subestimado, o fenômeno do antiperonismo na Argentina mantém uma tendência histórica à unidade de suas diferentes expressões, e o flerte do Juntos por el Cambio, a direita mais liberal, com a extrema direita é um exemplo claro disso. Uma vez identificado um inimigo a ser derrotado, o espaço ideológico e representativo do antiperonismo estará alinhado em bloco com a expressão eleitoral daquele universo que tem melhores possibilidades de prevalecer. Por isso, atiçar o fantasma da direita como única estratégia pode ser na Argentina a forma mais direta de pavimentar o caminho para o cemitério.
O mais difícil da situação é que esse cenário, independentemente de seu desfecho, significaria uma profunda derrota política para a classe trabalhadora. Enquanto a vitória da direita —seja em sua versão ultra ou em sua versão suave— acarretará a busca por reinserir o programa de reestruturação da sociedade argentina em virtude da maximização dos lucros capitalistas em detrimento dos direitos coletivos dos trabalhadores, é preciso destacar que a vitória de um governo ao estilo Macron, em um contexto como o da Argentina, em que a oferta distributiva parece ter um claro vencedor (e não é a maioria), só pode significar a contenção parcial da derrota coletiva da classe trabalhadora, mas não o fim da ofensiva.
A única coisa que pode frear esse cenário é a irrupção pela esquerda de um elemento que desorganiza o cenário político e tira o ímpeto das forças conservadoras. A dificuldade está no fato de que não há fenômeno televisivo ou discurso grandioso que possa gerar ou acelerar esse processo. Em última análise, apenas o povo salvará o povo.
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