Nelson Barbosa
Folha de S.Paulo
A ex-presidente Dilma Rousseff em sessão do Senado para o julgamento do impeachment - Alan Marques - 29.ago.16/Folhapress |
O golpe de 1964 durou 21 anos. O golpe de 2016 completou seis anos nesta quinta-feira (12).
Sei que alguns analistas ainda acham que o afastamento de Dilma foi "jogo duro constitucional", mas o mesmo contorcionismo ideológico aconteceu imediatamente após 1964, por vários veículos de imprensa, que depois (muito depois) reconheceram o erro.
Relembrando 2016, Dilma foi derrubada por um suposto "crime fiscal": realocar verbas do Orçamento de 2015, via decreto, sem aumento de gasto, como permitido pela legislação daquela época.
Apesar da legalidade da ação de Dilma, em uma pirueta legislativa, o Congresso decidiu que alguns decretos orçamentários de 2015 foram irregulares, mudando a lei (OK) com efeito retroativo (não OK). Por esse motivo, eu e várias pessoas achamos que 2016 foi golpe, mas essa opinião só será majoritária dentro de algumas décadas, como aconteceu após o "movimento" de 1964.
Também há quem diga que o golpe de 2016 foi pelo "conjunto da obra", a crise econômica de 2014-16, como se a crise tivesse sido totalmente causada pelo governo Dilma. Já escrevi exaustivamente neste espaço que erros de política econômica foram parte do problema, não sua única causa.
A recessão de 2014-16 também decorreu de choques internacionais e climáticos adversos, bem como da sabotagem institucional contra os governos do PT, que ganhou força em 2014, via Lava Jato, hoje desmascarada como movimento eminentemente político.
Passados seis anos, sabemos que o golpe de 2016 aprofundou e prolongou a recessão de 2014-16. Para piorar, a política econômica que veio depois e continua até hoje (Temer já sinalizou apoio à Bolsonaro) não recuperou rapidamente a economia.
Em 2017-19, antes da pandemia, o crescimento médio do PIB foi de 1,4% ao ano. Houve reforma trabalhista, mas o desemprego continuou elevado e o emprego formal privado despencou. Houve teto de gasto, o investimento público desabou e o Congresso criou o orçamento secreto. Houve reforma da Previdência, o juro caiu, mas isso foi insuficiente para levantar a produção. O mercado de capitais foi bem. O resto do país foi mal.
Em 2020-21, fomos atingidos pela Covid e, graças às medidas emergenciais forçadas goela abaixo do governo Bolsonaro pelo Congresso, o PIB do Brasil flutuou em "V" com o resto do mundo. Porém, passado o pior momento da pandemia, voltamos à semiestagnação da era Temer, com previsão de crescimento do PIB de 0,8% neste ano (os otimistas falam em 1,5%, ritmo Temer).
Reformas são necessárias e já defendi várias delas, mas não na dose adotada pelo governo "Temeraro" (Temer+Bolsonaro). A questão principal é que reformas de longo prazo, por si só, não são suficientes para recuperar o desenvolvimento econômico para todos.
Além de reformas, o governo também precisa ter programa de investimento público, para melhorar a infraestrutura econômica e social, mesmo que seja temporariamente financiado por emissão de dívida, mas estou saindo do tema de hoje.
Espero que o golpe de 2016 não dure tanto quanto o de 1964. O fracasso econômico e social de Temer e Bolsonaro pode encurtar o processo. A confirmação, pelo STF e pela ONU, de que a Operação Lava Jato cometeu ilegalidades contra Lula também ajuda a encurtar a distopia, mas há muitas ameaças no ar.
Em 2018, com a prisão irregular de Lula, tivemos eleições censuradas. Neste ano, para garantir eleições livres e mudar de governo, sugiro votar em quem sempre defendeu a democracia, não só agora mas sobretudo nos anos pesados de 2016 e 2018.
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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