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28 de agosto de 2022

Vão golpear Lula?

Lula da Silva está liderando as pesquisas para as próximas eleições presidenciais do Brasil. Mas o titular de extrema-direita Jair Bolsonaro está ameaçando um golpe para manter o poder se perder a eleição.

Francisco Domingos


O candidato presidencial brasileiro e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursa a apoiadores durante um comício de campanha em São Paulo, 20 de agosto de 2022. (Miguel SCHINCARIOL / AFP via Getty Images)

Tradução / Após quatro anos de governo Bolsonaro, os brasileiros irão eleger em um novo presidente em 2 de outubro de 2022. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – atualmente em primeiro nas pesquisas – está enfrentando um oponente delirante, que ameaça tomar uma ação inconstitucional se ele perder.

A vitória de Bolsonaro veio dois anos após o golpe do impeachment na Dilma Rousseff (PT), em 2016, a primeira mulher a ser presidente do Brasil – e por 2 mandatos consecutivos, num cenário onde o PT estava no poder desde 2003.

O período 2010-16 foi dominado pela “crise de crédito” que colocou o mundo em uma profunda turbulência, com uma contração econômica generalizada, grande endividamento nas economias avançadas e uma redução considerável no consumo de matérias-primas. O Brasil foi atingido com força. Em 2015, o PIB havia caído 3%, a inflação era alta (10%), e a dívida pública subiu para 63% do PIB, tornando difícil para o governo manter suas políticas sociais de erradicação da pobreza.

A direita brasileira aproveitou a crise. Vários movimentos reacionário, como Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Pra Rua, desencadearam uma onda de protestos de rua, se alimentando da “investigação” Lava Jato que mirava a corrupção na Petrobras, uma das maiores petrolíferas estatais do mundo. Isso permitiu que a direita brasileira criasse uma atmosfera de instabilidade, na qual eles usariam tanto para destituir Dilma com falsas acusações de “pedaladas fiscais”, quanto para lançar um sentimento e perseguição antipetista através da grande mídia.

O governo interino de Michel Temer, aproveitando essa campanha inebriante, tomou medidas para reverter as políticas sociais do PT, congelando os gastos do Estado com saúde e educação por vinte anos.

O que o MBL começou não estaria completo sem a remoção de Lula como candidato a presidente em 2018. O juiz Sergio Moro foi encarregado de conduzir uma investigação visando condenar Lula por corrupção. Moro conseguiu isso depois de quatro anos, levando à prisão ilegal do ex-presidente por 580 dias – primeiro como prisão preventiva, seguida por uma sentença de nove anos de prisão em 2017, depois aumentada para doze anos em 2018, quando Lula recorreu. Moro empregou todos os truques sujos do arsenal do lawfare para prender Lula e contou com o total apoio do establishment brasileiro e da grande mídia nacional e mundial.

Fernando Haddad, o candidato à presidente do PT que substituiu Lula, tinha apenas três semanas para disputar a eleição presidencial de 2018. O clima generalizado antipetista criado após o impeachment de Dilma e a prisão de Lula, permitiu que empresários pró-Bolsonaro quebrassem todas as normas eleitorais e pagassem milhões de dólares para inundar as redes sociais com fake news retratando Haddad “como um monstro pervertido que recomendava a distribuição de mamadeiras de piroca para creches e ‘kits gays’ ensinando homossexualidade nas escolas”. Bolsonaro venceu no segundo turno com 55% dos votos.

Jair Bolsonaro descreveu a pandemia da COVID-19 como uma “gripezinha”, aconselhou as pessoas a não usarem máscaras (o que poderia causar pneumonia e morte, disse ele), e alegou que nas mulheres poderiam crescer barba e as pessoas poderiam se transformar em jacaré por conta do efeito colateral das vacinas. O Brasil registrou 34 milhões de casos e quase 700 mil mortes, um dos piores números do mundo.

As políticas econômicas de Bolsonaro, por sua vez, reduziram os investimentos com saúde, drasticamente, juntamente com os investimentos na educação. Entre 2019 e 2021, os gastos do Estado destinados às mulheres caíram 46%. Bolsonaro desmantelou proteções trabalhistas, congelou o salário mínimo e privatizou a empresa estatal de eletricidade que gera 30% da energia do país, como um prelúdio da privatização da Petrobras. Mais de uma centena de ativos estatais de energia também foram privatizados. Sob o governo Bolsonaro, o desmatamento da Amazônia brasileira atingiu um recorde no primeiro semestre de 2022 (3.885 km quadrados, 80% maior do que no mesmo período de 2018) e, em meados de 2022, estimava-se que 33 milhões de brasileiros estavam passando fome.

Por outro lado, durante os 13 anos de governo do PT, 30 milhões de brasileiros saíram da pobreza. Em 2015, os salários reais eram 78% mais altos do que a inflação acumulada desde 2002. Mais de 90% dos beneficiários do programa Bolsa Família, voltado para a erradicação da pobreza, eram mulheres — 68% delas eram mulheres negras — e o desemprego caiu para menos de 6%, o menor nível da história. Foram criadas 214 escolas técnicas e 18 universidades estaduais, com educação gratuita em todos os níveis disponível para milhões de estudantes, muitos dos quais receberam bolsas de estudo (51% deles eram mulheres). Cerca de 10,5 milhões de pessoas de baixa renda foram alojadas em 2,6 milhões de casas por meio do programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida”, e os cuidados básicos de saúde atingiram 70% da população – outro recorde histórico.

A desastrosa gestão de Bolsonaro levou sua aprovação a cair drasticamente (para menos de 20% em novembro de 2021 ), agravada por ter que enfrentar uma disputa presidencial contra um Lula muito fortalecido, que foi totalmente absolvido em 2021, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de todas as acusações de corrupção. A última pesquisa do Datafolha (22 de setembro de 2022) mostra Lula com 47% da intenção de voto contra 33% para Bolsonaro.

Em resposta, Bolsonaro e seus apoiadores enlouqueceram. Marcelo Arruda, militante do PT, foi assassinado – baleado três vezes – por um apoiador do Bolsonaro durante sua festa de 50 anos em 10 de julho. Um comício eleitoral do PT no Rio de Janeiro também foi interrompido pela explosão de uma bomba caseira. Desde então, Lula usa colete à prova de balas.

Bolsonaro emitiu mais de uma dúzia de decretos para promover o portar armas. Ele disse que o sistema de votação eletrônica do Brasil não é confiável e ameaçou não reconhecer os resultados ou ceder o poder, se perder, sugerindo uma versão brasileira do Capitólio. Pode-se imaginar o que ele fará se Lula vencer no primeiro turno.

As apostas são altas: Bolsonaro representa uma grave ameaça à cambaleante democracia brasileira. Figuras proeminentes na política, negócios, ciência e artes emitiram um manifesto para defender o Estado de direito e se opor ao seu “delírio autoritário”, que foi assinado por mais de um milhão de pessoas e endossado por mais de quinhentas entidades da sociedade civil. Associações privadas como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e as principais federações sindicais emitiram uma declaração semelhante. Na Grã-Bretanha, os parlamentares assinaram uma moção especial denunciando as ameaças de Bolsonaro às eleições por querer promover violência política.
Diante dessa situação, devemos apoiar a luta pela defesa da democracia, que já foi prejudicada pelo golpe do impeachment de Dilma, pela prisão de Lula, e pelo cerceamento de direitos sociais, econômicos e políticos. Devemos redobrar nossa solidariedade, condenar e nos opor fortemente aos ataques do Bolsonaro.

Sobre o autor

Francisco Dominguez é chefe do Grupo de Pesquisa sobre América Latina da Middlesex University. Ele também é secretário nacional da Campanha de Solidariedade da Venezuela e coautor de Right-Wing Politics in the New Latin America (Zed, 2011).

14 de dezembro de 2021

Honduras pode se libertar de Washington e do neoliberalismo

Desde que um golpe apoiado pelos EUA derrubou o presidente esquerdista Manuel Zelaya em 2009, Honduras está em crise. A eleição da socialista Xiomara Castro é uma chance de quebrar o ciclo e enfrentar o neoliberalismo.

Francisco Dominguez


Xiomara Castro comemora durante as eleições gerais em 28 de novembro de 2021, em Tegucigalpa, Honduras. (Inti Ocon / Getty Images)

O que parecia impossível foi alcançado: o povo hondurenho rompeu a perpetuação, por meio da fraude eleitoral e da violência violenta, de um regime brutal, ilegal, ilegítimo e criminoso.

Por meio de pura resistência, resiliência, mobilização e organização, eles conseguiram derrotar nas urnas a narco-ditadura de Juan Orlando Hernández. Como candidata presidencial do esquerdista Partido Libre (Partido da Liberdade e Refundação, na sigla em espanhol), Xiomara Castro obteve esplêndidos 50% dos votos - entre 15 a 20 pontos a mais que seu rival mais próximo, o candidato do Partido Nacional Nasry Asfura - em uma eleição com altos níveis históricos de participação (68%).

O feito extraordinário realizado pelo povo de Honduras ocorre sob o regime ditatorial de Hernández (também conhecido como JOH) em uma eleição marcada pelo que parece ser assassinatos seletivos de candidatos e ativistas. Até outubro de 2021, 64 atos de violência eleitoral, incluindo onze ataques e 27 assassinatos, foram perpetrados. E no período anterior à eleição (11 a 23 de novembro), ocorreu outra série de assassinatos, principalmente de candidatos.

Nenhuma das vítimas fatais era membro do Partido Nacional de Hernández. O objetivo parece ter sido aterrorizar a oposição, e particularmente seu eleitorado, fazendo-o acreditar que não era seguro votar - e que, mesmo que o fizesse, voltaria a roubar a eleição por meio de fraude e violência, como fizeram já duas vezes, em 2013 e 2017.

Os comentaristas corretamente caracterizam isso como a “colombianização” da política hondurenha - isto é, uma gangue governante no poder envia forças de segurança e grupos paramilitares para assassinar ativistas da oposição. Em Honduras, o ato mais desprezível foi o assassinato da ativista ambientalista, feminista e líder indígena Berta Cáceres por invasores armados em sua própria casa após anos de ameaças de morte.

Cáceres havia liderado a luta popular contra a fraude eleitoral e a ditadura e reclamava a urgente refundação da nação, proposta incorporada aos programas de movimentos sociais de massa como o Conselho de Organizações Populares e Indígenas de Honduras. Desde 2009, centenas de ativistas foram assassinados nas mãos da polícia, do exército e de paramilitares.

A analogia da colombianização não se esgota no assassinato de oponentes. Em junho passado, o Washington Post explicou a extensão da infiltração do crime organizado: “Chefes militares e de polícia, políticos, empresários, prefeitos e até três presidentes foram vinculados ao tráfico de cocaína ou acusados de receber fundos do tráfico”.

O juiz norte-americano Kevin Castel, que condenou Tony Hernández, irmão de JOH, à prisão perpétua depois de ser considerado culpado de contrabandear 185 toneladas de cocaína para os Estados Unidos, disse: “Aqui, o tráfico [de drogas] era de fato patrocinado pelo Estado”. Em março de 2021, no julgamento contra Geovanny Fuentes, um hondurenho acusado de tráfico de drogas, o promotor, Jacob Gutwillig, disse que JOH ajudava Fuentes no tráfico de toneladas de cocaína.

A corrupção permeia todo o establishment hondurenho. O candidato do Partido Nacional Nasry Asfura enfrentou um pré-julgamento "por abuso de autoridade, uso de documentos falsos, desvio de dinheiro público, fraude e lavagem de dinheiro", e Yani Rosenthal, um congressista e banqueiro que era o candidato do Partido Liberal, que já governou, foi considerado culpado e condenado a três anos de prisão nos Estados Unidos por “participação em transações financeiras com recursos ilícitos (lavagem de dinheiro de drogas)”.

Os paralelos continuam. Como a Colômbia, Honduras é um narco-estado no qual os Estados Unidos têm uma série de bases militares. Foi a partir do território hondurenho que os mercenários Contra travaram uma guerra por procuração contra a Nicarágua sandinista na década de 1980, e também foi de Honduras que foi lançada a invasão militar liderada pelos EUA na Guatemala em 1954, provocando a expulsão violenta do presidente nacionalista de esquerda eleito democraticamente Jacobo Árbenz. Os especialistas se referem apropriadamente ao país como USS Honduras.

O tráfico de cocaína e o terrorismo de estado, que opera como parte do negócio das drogas, são tolerados e provavelmente apoiados por várias agências dos EUA em troca de uma grande presença militar dos EUA - os Estados Unidos têm Soto Cano e outras doze bases militares em Honduras - devido a cálculos geopolíticos como o combate regional contra governos de esquerda. A estabilidade deste sistema criminoso requer a eliminação de ativistas políticos e sociais.

Assim, muitas instituições americanas, desde a Casa Branca até a cadeia alimentar, fazem vista grossa aos níveis colossais de corrupção. Na verdade, o Comando Sul vem construindo ativamente as capacidades militares repressivas de Honduras, financiando e treinando unidades especiais como o Batalhão 316, que supostamente atua como um esquadrão da morte "culpado de sequestro, tortura e assassinato".

“Entre 2010 e 2016, enquanto a 'ajuda' e o treinamento dos EUA continuavam a fluir, mais de 120 ativistas ambientais foram assassinados por pistoleiros, gangues, polícia e militares por se oporem à extração ilegal de madeira e mineração”, explica um relatório.

O legado dos governos de direita desde a violenta expulsão de Manuel Zelaya em 2009 é abismal. Honduras é um dos países mais violentos do mundo (37 homicídios por 100.000 habitantes, com 60 por cento atribuíveis ao crime organizado), com níveis de pobreza assombrosos (73,6 por cento das famílias vivem abaixo da linha da pobreza, dos quais 53,7 por cento vivem em extrema pobreza), altos níveis de desemprego (bem acima de 12 por cento) e níveis ainda mais elevados de subemprego (o setor informal da economia, devido aos efeitos do COVID-19, cresceu de 60 para 70 por cento). Sua dívida externa é superior a US $ 15 bilhões (57% de seu PIB), e o país sofre com uma alta incidência de peculato e apropriação ilegal de recursos do Estado por administrações criminais.

A podridão é tão pronunciada que, em fevereiro deste ano, um grupo de democratas no Senado dos EUA apresentou uma legislação destinada a cortar a ajuda econômica e as vendas de munição para as forças de segurança hondurenhas. A proposta “expõe a violência e os abusos perpetrados desde o golpe militar de 2009, como resultado do conluio generalizado entre funcionários do governo, forças de segurança privadas e estatais, crime organizado e líderes empresariais”. Na Grã-Bretanha, Colin Burgon, o presidente da Labour Friends of Progressive Latin America, criticou duramente a cumplicidade do governo britânico por "ter vendido (quando Boris Johnson era ministro das Relações Exteriores) para o governo hondurenho um spyware projetado para espionar seus cidadãos, meses antes do estado cercar milhares de pessoas em uma operação de vigilância bem orquestrada ”.

Para culminar, através da iniciativa Zone for Employment and Economic Development, partes inteiras do território nacional estão a ser cedidas à iniciativa privada sob um “regime especial” que permite aos investidores estabelecer os seus próprios órgãos de segurança - incluindo a sua própria força policial e sistema penitenciário - para investigar crimes e instaurar processos judiciais. Isso leva o neoliberalismo e o sonho do capital multinacional a níveis abomináveis: a venda de partes do território nacional à iniciativa privada. Afirmar que a oligarquia hondurenha, liderada por JOH, está “selling the country down the river” não é uma figura de linguagem.

É essa monstruosidade, construída desde a derrubada do presidente Manuel Zelaya em 2009 em cima do estado oligárquico existente, que o agora vitorioso Partido Libre e a próxima presidente Xiomara Castro precisam superar para começar a melhorar a vida do povo de Honduras. O conjunto de forças internas e externas extremamente desagradáveis que seu governo enfrentará é assustadoramente poderoso, e eles demonstraram em abundância o que estão preparados para fazer para defender seus interesses criminosos.

O Partido Libre do presidente eleito Xiomara é o maior no Congresso de 128 cadeiras e, com seu parceiro de coalizão, Salvador, terá uma presença parlamentar muito forte, que será central em qualquer proposta de referendo para uma assembleia constituinte que visa a refundação da nação. O Partido Libre também venceu na capital, Tegucigalpa, e em San Pedro Sula, a segunda maior cidade do país. Mais importante ainda, ao contrário das eleições em outros lugares (na Venezuela, Nicarágua e Bolívia), o candidato do Partido Nacional, Asfura, adimitiu a derrota. Portanto, Xiomara tem um mandato muito forte.

No entanto, em uma região sujeita a operações de mudança de regime lideradas pelos EUA - o golpe na Bolívia, a tentativa de golpe na Nicarágua, o ataque mercenário contra a Venezuela, uma série de violentas desordens de rua em Cuba, vigorosa desestabilização contra o recém-eleito presidente Pedro Castillo no Peru, e assim por diante, ad nauseam - Honduras precisará de toda a solidariedade internacional que pudermos oferecer, o que devemos fazer.

A luta heroica do povo de Honduras demonstrou mais uma vez que isso pode ser feito: o neoliberalismo e seus brutais instigadores estrangeiros e imperialistas podem ser derrotados e um mundo melhor pode ser construído. Portanto, antes que Washington, seus comparsas hondurenhos, seus cúmplices europeus e a mídia corporativa mundial desencadeiem qualquer peripécia, digamos em alto e bom som: US hands off Honduras!

Sobre o autor

Francisco Dominguez é diretor do Grupo de Pesquisa na América Latina da Middlesex University. Ele também é secretário nacional da Campanha de Solidariedade à Venezuela e co-autor de Right-Wing Politics in the New Latin America (Zed, 2011).

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