28 de dezembro de 2023

Do Chile a Granada, o socialismo é o que os capitalistas realmente temem

A história da política socialista no Sul Global mostra que todos os capitalistas desejam um governo que governe sem hesitação em seus interesses — e preferem a intervenção de potências estrangeiras do que a democracia e o socialismo em casa.

Bhaskar Sunkara

Salvador Allende. (Portada Biblioteca do Congresso Nacional do Chile via Wikimedia Commons)

Adaptado de comentários em Santiago, Chile, no quinquagésimo aniversário do golpe contra o governo de Salvador Allende.

Hoje, com muita frequência, estudamos o governo de Salvador Allende com nostalgia, como uma história de luta heroica e martírio. Mas Allende não deve ser lembrado como alguém que acreditava em um futuro vagamente progressista — devemos nos lembrar dele e dos milhões ao seu redor como aqueles que se sacrificaram pelo socialismo.

Vestir a camisa do socialismo hoje significa aprender com nossa história e traçar caminhos para não apenas domar, mas superar o capitalismo.

Moro e me organizo nos Estados Unidos, mas minha família é do Caribe anglófono. E, para a nossa região das Américas, a tentativa mais significativa de construção socialista surgiu da pequena ilha de Granada, que testemunhou uma revolução popular contra uma ditadura brutal em março de 1979.

Em outubro de 1983, dez anos após o golpe contra o governo Allende, o experimento havia terminado. Primeiro, o imperialismo tentou desestabilizar a economia. Ao contrário do Chile, as potências imperiais não obtiveram sucesso, mas a paranoia e as pressões a que o jovem governo foi submetido levaram à divisão, ao endurecimento político e ao fratricídio.

E ao primeiro sinal de fraqueza, Washington inventou um pretexto para uma invasão em larga escala de uma ilha de apenas cem mil habitantes.

No final de 1983, dezenas de granadinos e seus aliados estavam mortos, e os líderes da revolução foram assassinados ou presos. A memória da única revolução socialista do mundo anglófono foi suprimida ou trazida à tona apenas como um alerta contra mudanças radicais.

É importante entendermos o que tanto ameaçava os Estados Unidos: a classe capitalista estadunidense é a grande organizadora do atual sistema capitalista mundial. Às vezes, como no golpe de 1954 na Guatemala, o governo dos EUA recebe ordens de grandes corporações nacionais. Mas, ao longo da maior parte da história moderna, seu interesse era, mais vagamente, apoiar o livre fluxo de investimentos. E sua principal ameaça não era a ascensão de uma grande potência capitalista alternativa na região, como o Brasil ou a Argentina, mas a ascensão de um sistema alternativo — o socialismo.

Antigamente, imperialismo significava apenas capitalismos nacionais usando o poder militar de seus estados nacionais; agora temos um sistema de Estados nacionais, sob a liderança dos Estados Unidos, supervisionando uma economia capitalista internacional.

Nesse contexto, não existe uma burguesia nacional progressista. É claro que os capitais nacionais podem ser coagidos a proporcionar crescimento, que é a matéria-prima do progresso social, material e cultural para qualquer governo que tente administrar um Estado capitalista no interesse dos trabalhadores. Políticas estatais podem ser usadas para moldar o desenvolvimento e alcançar objetivos igualitários, lucros podem ser tributados e distribuídos, e assim por diante.

No entanto, a ideia de que exista um núcleo de capitalistas leais dispostos a defender os interesses nacionais contra o imperialismo internacional é um mito. Da pequena Granada ao Chile, todos os capitalistas querem um governo que governe sem remorso em defesa de seus interesses — e preferem a intervenção de potências estrangeiras às restrições democráticas de seus compatriotas.

Washington hoje, ainda mais do que em 1973, não é onipotente. Pode ajudar crucialmente os capitalistas nacionais, mas não pode controlar os eventos mundiais.

Décadas de guerra dos EUA no Vietnã resultaram em um governo comunista e um país unificado. Anos de guerra no Iraque resultaram em um Estado mais favorável ao Irã do que aos Estados Unidos. Recentemente, em Granada, o aeroporto internacional que os Estados Unidos insistiram ser uma base soviética de caças MIG e invadiram para desmantelar foi finalmente construído e recebeu o nome do líder socialista martirizado do país, Maurice Bishop.

Os Estados Unidos deram total apoio ao golpe hondurenho durante o governo Obama. Mas, sob o governo Biden, foram forçados a ser muito mais cautelosos com os acontecimentos na Bolívia e no Brasil. A unidade dos povos das Américas, incluindo os trabalhadores dos Estados Unidos, pode fazer muito para restringir a capacidade do imperialismo de minar a esquerda, mesmo no curto prazo.

Mas não deve haver engano: Allende era uma ameaça maior aos interesses dos EUA e aos interesses do capitalismo global do que qualquer governo que existe hoje em nosso hemisfério, com exceção, desde aquela época, de Cuba.

Para honrar Allende, Bishop, e os sacrifícios de gerações anteriores de revolucionários, precisamos construir um caminho não apenas para a independência nacional e a oposição a Washington, mas para o socialismo e a reconstrução de um mundo alinhado aos interesses dos trabalhadores comuns.

Bhaskar Sunkara é o editor-fundador da Jacobin, presidente da revista Nation e autor de The Socialist Manifesto: The Case for Radical Politics in an Era of Extreme Inequality.

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