Belén Fernández
Tradução / Em 20 de dezembro, o Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia anunciou que a promotora Fatou Bensouda estava "satisfeita por haver uma base razoável para iniciar uma investigação sobre a situação na Palestina". "Há uma base razoável para acreditar que crimes de guerra foram cometidos ou estão sendo cometidos na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza."
Claro, isso deveria ser óbvio - e mesmo assim levou quase cinco anos (um “exame preliminar” da situação foi aberto em janeiro de 2015) para que o TPI chegasse à conclusão de que “não há razões substanciais para acreditar que uma investigação não serviria aos interesses da justiça”. E, no entanto, os palestinos estão esperando há mais de setenta anos por justiça, então, comparado a isso, talvez cinco seja até pouco.
Não que a “justiça” seja um resultado garantido nos empreendimentos jurídicos internacionais que muitas vezes equivalem a charadas torturantemente burocráticas. Tampouco, é importante ressaltar, a investigação da Palestina recebeu sinal verde oficialmente - Bensouda está primeiro buscando confirmação de que a jurisdição do tribunal se aplica ao território em questão. Enquanto a Palestina é signatária do TPI, Israel - assim como seu “BFF”, os Estados Unidos - não é.
Além disso, a investigação proposta analisaria não apenas as alegações de crimes de guerra israelenses, mas também palestinos – um fato que foi cuidadosamente ignorado na reação tipicamente escandalosa de Israel ao anúncio do TPI. O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu soou o bom e velho alarme do antissemitismo, enquanto classificava a decisão do TPI como “infundada e escandalosa” e “um dia sombrio para a verdade e para a justiça”. O rival de Netanyahu, Benny Gantz, ex-chefe das forças armadas israelenses, afirmou que “o exército israelense é um dos mais morais do mundo” e que “o exército israelense e o Estado de Israel não cometem crimes de guerra”. Caso encerrado.
A investigação do TPI sobre a “situação na Palestina” remonta apenas a 13 de junho de 2014 e inclui várias alegações de crimes de guerra durante a Operação Margem Protetora de Israel, no verão de 2014, na Faixa de Gaza. Essa incursão em particular matou cerca de 2.251 palestinos em questão de cinquenta dias, a maioria deles civis; 551 eram crianças. Seis civis israelenses morreram.
Também prevista para talvez investigação, está a brutal repressão militar israelense de manifestantes palestinos que participaram da Grande Marcha do Retorno, que começou em 2018 e resultou na morte de mais de 200 pesssoas, incluindo mais de 40 crianças, e em milhares de pessoas feridas. Na opinião do TPI, há também uma “base razoável para acreditar que, no contexto da ocupação de Israel na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, membros das autoridades israelenses cometeram crimes de guerra … relacionados, entre outros, com a transferência de civis israelenses para a Cisjordânia.”
Em outras palavras, esse é um compromisso judicial relativamente suave, considerando que nas últimas mais de sete décadas o Estado de Israel constituiu - em termos de massacres e usurpação territorial – essencialmente um crime de guerra contínuo.
Em 27 de dezembro, o Jerusalem Post exibiu em sua manchete um artigo de opinião com um tom estranhamente racional "To counter the ICC, Israel needs leadership that truly wants peace" - que continuou soando racional por uma fração de segundo até se descobrir que o autor da intervenção não foi outro senão o ex-primeiro ministro israelense Ehud Olmert, que comandou:
Crimes de guerra? Conte-me mais sobre isso.
Em seu artigo errático, Olmert afirma que as ações de Bensouda estariam “baseadas em maldade, malícia, fraude e distorção, com uma pitada de sentimento anti-Israel”. Ele então admite que o estado de Israel “tem controlado a vida de milhões de palestinos por mais de 50 anos, e não há dúvida de que os palestinos não têm direitos iguais ou reconhecimento nacional na terra onde são maioria.”
Mas ainda assim, “o lado responsável por frustrar um acordo de paz” teria sido “indiscutivelmente os palestinos”. Porém, “não há como negar que nos últimos 10 anos, Israel tem sido o lado agressivo e teimoso que carece de flexibilidade, e isso é [a] principal razão pela qual não apenas um acordo de paz nunca foi alcançado, mas sequer foram iniciadas as primeiras discussões. Contudo, "somente se os palestinos estiverem preparados para tomar as medidas políticas de longo alcance, necessárias para estabelecer uma sociedade produtiva e funcional, haverá alguma chance de se alcançar a paz entre Israel e os palestinos."
O artigo segue nessa toada - e o único ponto fundamental é que Ehud Olmert não deveria escrever artigos de opinião se ele não souber qual é a sua opinião.
Outro artigo de opinião no Jerusalem Post publicado no mesmo dia - "Recusando jogar o jogo palestino do TPI" - é bem mais seguro em suas convicções. Nele, Nitsana Darshan-Leitner discute como "o TPI e a ameaça de investigações de crimes de guerra são apenas a versão mais recente da OLP da diplomacia de galho-e-pistola [de oliveira] de Arafat [último líder da OLP]." Só estaria acontecendo porque "Bensouda estava cansada de perseguir ditadores africanos e líderes tribais brutais, e queria mostrar que o TPI é um tribunal com alcance verdadeiramente internacional". Portanto, não haveria "nada mais sexy" para ela do que o conflito Israel-Palestina.
A biografia de Darshan-Leitner a identifica como uma "advogada israelense de direitos civis e presidente do Centro de Direito Shurat HaDin" - a instituição que é conhecida por oferecer excursões como a “Última Missão de Israel”, na qual pessoas com muita grana pra gastar podem fazer coisas emocionantes, como assistir a um “julgamento de terroristas do Hamas” em um tribunal militar israelense.
Quanto ao que a "lei" tem a ver com um país que se colocou inquestionavelmente acima dela, talvez a busca por justiça pelo "TPI", ainda que longe de perfeita, pelo menos pode ajudar a destacar a aversão que Israel sente por esse conceito.
Claro, isso deveria ser óbvio - e mesmo assim levou quase cinco anos (um “exame preliminar” da situação foi aberto em janeiro de 2015) para que o TPI chegasse à conclusão de que “não há razões substanciais para acreditar que uma investigação não serviria aos interesses da justiça”. E, no entanto, os palestinos estão esperando há mais de setenta anos por justiça, então, comparado a isso, talvez cinco seja até pouco.
Não que a “justiça” seja um resultado garantido nos empreendimentos jurídicos internacionais que muitas vezes equivalem a charadas torturantemente burocráticas. Tampouco, é importante ressaltar, a investigação da Palestina recebeu sinal verde oficialmente - Bensouda está primeiro buscando confirmação de que a jurisdição do tribunal se aplica ao território em questão. Enquanto a Palestina é signatária do TPI, Israel - assim como seu “BFF”, os Estados Unidos - não é.
Além disso, a investigação proposta analisaria não apenas as alegações de crimes de guerra israelenses, mas também palestinos – um fato que foi cuidadosamente ignorado na reação tipicamente escandalosa de Israel ao anúncio do TPI. O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu soou o bom e velho alarme do antissemitismo, enquanto classificava a decisão do TPI como “infundada e escandalosa” e “um dia sombrio para a verdade e para a justiça”. O rival de Netanyahu, Benny Gantz, ex-chefe das forças armadas israelenses, afirmou que “o exército israelense é um dos mais morais do mundo” e que “o exército israelense e o Estado de Israel não cometem crimes de guerra”. Caso encerrado.
A investigação do TPI sobre a “situação na Palestina” remonta apenas a 13 de junho de 2014 e inclui várias alegações de crimes de guerra durante a Operação Margem Protetora de Israel, no verão de 2014, na Faixa de Gaza. Essa incursão em particular matou cerca de 2.251 palestinos em questão de cinquenta dias, a maioria deles civis; 551 eram crianças. Seis civis israelenses morreram.
Também prevista para talvez investigação, está a brutal repressão militar israelense de manifestantes palestinos que participaram da Grande Marcha do Retorno, que começou em 2018 e resultou na morte de mais de 200 pesssoas, incluindo mais de 40 crianças, e em milhares de pessoas feridas. Na opinião do TPI, há também uma “base razoável para acreditar que, no contexto da ocupação de Israel na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, membros das autoridades israelenses cometeram crimes de guerra … relacionados, entre outros, com a transferência de civis israelenses para a Cisjordânia.”
Em outras palavras, esse é um compromisso judicial relativamente suave, considerando que nas últimas mais de sete décadas o Estado de Israel constituiu - em termos de massacres e usurpação territorial – essencialmente um crime de guerra contínuo.
Em 27 de dezembro, o Jerusalem Post exibiu em sua manchete um artigo de opinião com um tom estranhamente racional "To counter the ICC, Israel needs leadership that truly wants peace" - que continuou soando racional por uma fração de segundo até se descobrir que o autor da intervenção não foi outro senão o ex-primeiro ministro israelense Ehud Olmert, que comandou:
- A guerra de Israel no Líbano em 2006, que matou cerca de 1.200 pessoas em 34 dias, a maioria civis.
- A operação de Israel em Gaza em 2006 - de codinome "Chuva de Verão" - que deixou mortos pelo menos 240 palestinos em dois meses, entre eles 48 crianças.
- A operação de Israel em 2008-2009 em Gaza, que resultou na morte de cerca de 1.400 palestinos em três semanas, incluindo mais de trezentas crianças.
Crimes de guerra? Conte-me mais sobre isso.
Em seu artigo errático, Olmert afirma que as ações de Bensouda estariam “baseadas em maldade, malícia, fraude e distorção, com uma pitada de sentimento anti-Israel”. Ele então admite que o estado de Israel “tem controlado a vida de milhões de palestinos por mais de 50 anos, e não há dúvida de que os palestinos não têm direitos iguais ou reconhecimento nacional na terra onde são maioria.”
Mas ainda assim, “o lado responsável por frustrar um acordo de paz” teria sido “indiscutivelmente os palestinos”. Porém, “não há como negar que nos últimos 10 anos, Israel tem sido o lado agressivo e teimoso que carece de flexibilidade, e isso é [a] principal razão pela qual não apenas um acordo de paz nunca foi alcançado, mas sequer foram iniciadas as primeiras discussões. Contudo, "somente se os palestinos estiverem preparados para tomar as medidas políticas de longo alcance, necessárias para estabelecer uma sociedade produtiva e funcional, haverá alguma chance de se alcançar a paz entre Israel e os palestinos."
O artigo segue nessa toada - e o único ponto fundamental é que Ehud Olmert não deveria escrever artigos de opinião se ele não souber qual é a sua opinião.
Outro artigo de opinião no Jerusalem Post publicado no mesmo dia - "Recusando jogar o jogo palestino do TPI" - é bem mais seguro em suas convicções. Nele, Nitsana Darshan-Leitner discute como "o TPI e a ameaça de investigações de crimes de guerra são apenas a versão mais recente da OLP da diplomacia de galho-e-pistola [de oliveira] de Arafat [último líder da OLP]." Só estaria acontecendo porque "Bensouda estava cansada de perseguir ditadores africanos e líderes tribais brutais, e queria mostrar que o TPI é um tribunal com alcance verdadeiramente internacional". Portanto, não haveria "nada mais sexy" para ela do que o conflito Israel-Palestina.
A biografia de Darshan-Leitner a identifica como uma "advogada israelense de direitos civis e presidente do Centro de Direito Shurat HaDin" - a instituição que é conhecida por oferecer excursões como a “Última Missão de Israel”, na qual pessoas com muita grana pra gastar podem fazer coisas emocionantes, como assistir a um “julgamento de terroristas do Hamas” em um tribunal militar israelense.
Quanto ao que a "lei" tem a ver com um país que se colocou inquestionavelmente acima dela, talvez a busca por justiça pelo "TPI", ainda que longe de perfeita, pelo menos pode ajudar a destacar a aversão que Israel sente por esse conceito.
Colaborador
Belén Fernández é a autora de The Imperial Messenger: Thomas Friedman at Work (O Mensageiro Imperial: Thomas Friedman no Trabalho), Marytrs Never Die: Travels through South Lebanon (Mártires Nunca Morrem: Viagens pelo Sul do Líbano) e, mais recentemente, Exile: Rejecting America and Finding the World (Exílio: Rejeitando a América e Descobrindo o Mundo). Ela é editora colaboradora da Jacobin.
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