Grace Blakeley
Tradução / Qualquer um que se identifique como socialista vai se deparar com a questão em algum momento de suas vidas: quantas pessoas já foram mortas em nome do socialismo? É possível que tenham apontado que o socialismo de Estado de estilo soviético está tão distante do socialismo democrático proposto por políticos quanto o capitalismo de Estado chinês é de seu primo do mercado livre. Mas é improvável que eles tenham notado que o maior império do mundo tenha se envolvido num programa de assassinatos internacionais mais mortal do que os expurgos de Josef Stalin – tudo em nome do capitalismo.
Em seu novo livro, O Método Jacarta: a cruzada anticomunista e o programa de assassinatos em massa que moldou o nosso mundo, Vincent Bevins revela o espantoso número de mortes da política externa dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. A obra tem como foco os massacres anticomunistas que ocorreram na Indonésia em 1965-66, quando o ditador Suharto, apoiado pelos Estados Unidos, derrubou seu antecessor anti-imperialista e desenvolvimentista, Sukarno.
Enquanto muitos já ouviram falar do genocídio indonésio em filmes como The Act of Killing, poucos estão cientes do contexto político no qual o massacre ocorreu – e ainda menos compreendem o quanto os Estados Unidos estavam intimamente envolvidos. Em uma narrativa excepcionalmente bem escrita, que combina entrevistas com sobreviventes e uma análise histórica detalhada, Bevins revela como as atrocidades que assolaram a Indonésia nos anos 60 ainda hoje assombram o país.
A Indonésia foi liderada na descolonização pelo carismático líder Sukarno, em face da profunda resistência da antiga potência colonial holandesa. Bevins descreve como Sukarno governou a Indonésia após a colonização através de um cuidadoso ato conciliador: os islamistas, comunistas e o exército foram todos autorizados a reter alguma influência dentro do regime. O Partido Comunista da Indonésia (PKI) conseguiu reunir um grande número de militantes, tornando-se o terceiro maior partido comunista do mundo depois da União Soviética e da China maoísta.
Segundo Bevins, Sukarno nunca foi um comunista – ele era um pragmático, comprometido em manter o poder, fazer crescer a economia indonésia, aumentar o padrão de vida de seu povo, e projetar sua influência no exterior. Mas por todas estas razões, ele frequentemente seguia a mesma linha do Partido Comunista Indonésio – a própria organização era mais um partido nacionalista de extrema esquerda do que uma vanguarda leninista.
Como Kwame Nkrumah enfatizou, países como a Indonésia foram mantidos em uma posição subalterna na economia global através do exercício do poder neocolonial pelos países centrais do sistema capitalista mundial. Esses Estados trabalharam frequentemente juntos durante os primeiros dias da era pós-colonial, formando grupos como o Movimento dos Países Não Alinhados (NAM). A Conferência de Bandung, que ocorreu na Indonésia em 1955, foi uma precursora do NAM, onde os Estados acordaram um conjunto de dez princípios para governar as relações dentro do Terceiro Mundo.
À medida que a Guerra Fria se intensificou e o McCarthismo se espalhou nos Estados Unidos, os atos de solidariedade do Terceiro Mundo foram menos tolerados pelos governos anticomunistas dos Estados Unidos. A Casa Branca passou a adotar cada vez mais a visão de que os Estados do Sul Global estavam ou com os Estados Unidos ou contra ele. A linha independente de Sukarno, aliada a várias outras percepções da hegemonia norte-americana, acabou por colocá-lo no lado “errado” desta divisão.
Em meados dos anos 60, os Estados Unidos haviam decidido adotar uma postura mais hostil em relação à Indonésia – e em relação ao próprio Sukarno. Quando, em uma série de eventos ainda envoltos em mistério, o general Suharto tomou o poder, ele o fez com o apoio explícito dos Estados Unidos.
Suharto era um general pouco conhecido antes dos acontecimentos de 1965, mas sua retórica anticomunista agradou os funcionários da CIA. Assim que chegou ao poder, ele começou imediatamente a exterminar, literalmente, os milhões de comunistas da Indonésia. O fato de os assassinatos terem ocorrido com base ideológica e não racial, levou o país a um conflito sobre se o que aconteceu pode ser chamado de genocídio. O que não está em questão é a escala do massacre – como escreve Bevins, “entre quinhentas mil e um milhão de pessoas foram massacradas, e mais de um milhão foram mantidas em campos de concentração”.
Se Ernest Renan estava correto ao dizer que a história de uma nação se baseia em sua capacidade coletiva de esquecer as atrocidades associadas à sua formação, então a Indonésia fornece um caso eloquente. Parte da razão pela qual tão poucos ouviram falar dos massacres anticomunistas é que a verdade foi suprimida por Suharto por tanto tempo. Bevins escreve que, “há mais de cinquenta anos, o governo indonésio tem resistido a qualquer tentativa de registrar o que aconteceu”. Enquanto isso, jornalistas ocidentais regurgitam fielmente as frases que foram formuladas por oficiais da CIA, apresentando a violência na Indonésia como uma explosão aleatória de uma nação “atrasada”.
Embora os acontecimentos na Indonésia sejam os mais discutidos, eles não constituem o assunto principal do livro. Em vez disso, mostra como o Método Jacarta foi foco de inspiração de grupos de extrema direita em todo o mundo, com o apoio implícito ou direto dos Estados Unidos, a partir de eventos que aconteceram na Indonésia. Do Brasil ao Chile, os anticomunistas começaram a falar abertamente sobre seus próprios “planos Jacarta”. Bevins deixou claro o que isto significava: "a exterminação organizada pelo Estado de civis que se opunham à construção de regimes capitalistas autoritários leais aos Estados Unidos".
Em seu novo livro, O Método Jacarta: a cruzada anticomunista e o programa de assassinatos em massa que moldou o nosso mundo, Vincent Bevins revela o espantoso número de mortes da política externa dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. A obra tem como foco os massacres anticomunistas que ocorreram na Indonésia em 1965-66, quando o ditador Suharto, apoiado pelos Estados Unidos, derrubou seu antecessor anti-imperialista e desenvolvimentista, Sukarno.
Enquanto muitos já ouviram falar do genocídio indonésio em filmes como The Act of Killing, poucos estão cientes do contexto político no qual o massacre ocorreu – e ainda menos compreendem o quanto os Estados Unidos estavam intimamente envolvidos. Em uma narrativa excepcionalmente bem escrita, que combina entrevistas com sobreviventes e uma análise histórica detalhada, Bevins revela como as atrocidades que assolaram a Indonésia nos anos 60 ainda hoje assombram o país.
A Indonésia foi liderada na descolonização pelo carismático líder Sukarno, em face da profunda resistência da antiga potência colonial holandesa. Bevins descreve como Sukarno governou a Indonésia após a colonização através de um cuidadoso ato conciliador: os islamistas, comunistas e o exército foram todos autorizados a reter alguma influência dentro do regime. O Partido Comunista da Indonésia (PKI) conseguiu reunir um grande número de militantes, tornando-se o terceiro maior partido comunista do mundo depois da União Soviética e da China maoísta.
Segundo Bevins, Sukarno nunca foi um comunista – ele era um pragmático, comprometido em manter o poder, fazer crescer a economia indonésia, aumentar o padrão de vida de seu povo, e projetar sua influência no exterior. Mas por todas estas razões, ele frequentemente seguia a mesma linha do Partido Comunista Indonésio – a própria organização era mais um partido nacionalista de extrema esquerda do que uma vanguarda leninista.
Como Kwame Nkrumah enfatizou, países como a Indonésia foram mantidos em uma posição subalterna na economia global através do exercício do poder neocolonial pelos países centrais do sistema capitalista mundial. Esses Estados trabalharam frequentemente juntos durante os primeiros dias da era pós-colonial, formando grupos como o Movimento dos Países Não Alinhados (NAM). A Conferência de Bandung, que ocorreu na Indonésia em 1955, foi uma precursora do NAM, onde os Estados acordaram um conjunto de dez princípios para governar as relações dentro do Terceiro Mundo.
À medida que a Guerra Fria se intensificou e o McCarthismo se espalhou nos Estados Unidos, os atos de solidariedade do Terceiro Mundo foram menos tolerados pelos governos anticomunistas dos Estados Unidos. A Casa Branca passou a adotar cada vez mais a visão de que os Estados do Sul Global estavam ou com os Estados Unidos ou contra ele. A linha independente de Sukarno, aliada a várias outras percepções da hegemonia norte-americana, acabou por colocá-lo no lado “errado” desta divisão.
Em meados dos anos 60, os Estados Unidos haviam decidido adotar uma postura mais hostil em relação à Indonésia – e em relação ao próprio Sukarno. Quando, em uma série de eventos ainda envoltos em mistério, o general Suharto tomou o poder, ele o fez com o apoio explícito dos Estados Unidos.
Suharto era um general pouco conhecido antes dos acontecimentos de 1965, mas sua retórica anticomunista agradou os funcionários da CIA. Assim que chegou ao poder, ele começou imediatamente a exterminar, literalmente, os milhões de comunistas da Indonésia. O fato de os assassinatos terem ocorrido com base ideológica e não racial, levou o país a um conflito sobre se o que aconteceu pode ser chamado de genocídio. O que não está em questão é a escala do massacre – como escreve Bevins, “entre quinhentas mil e um milhão de pessoas foram massacradas, e mais de um milhão foram mantidas em campos de concentração”.
Se Ernest Renan estava correto ao dizer que a história de uma nação se baseia em sua capacidade coletiva de esquecer as atrocidades associadas à sua formação, então a Indonésia fornece um caso eloquente. Parte da razão pela qual tão poucos ouviram falar dos massacres anticomunistas é que a verdade foi suprimida por Suharto por tanto tempo. Bevins escreve que, “há mais de cinquenta anos, o governo indonésio tem resistido a qualquer tentativa de registrar o que aconteceu”. Enquanto isso, jornalistas ocidentais regurgitam fielmente as frases que foram formuladas por oficiais da CIA, apresentando a violência na Indonésia como uma explosão aleatória de uma nação “atrasada”.
Embora os acontecimentos na Indonésia sejam os mais discutidos, eles não constituem o assunto principal do livro. Em vez disso, mostra como o Método Jacarta foi foco de inspiração de grupos de extrema direita em todo o mundo, com o apoio implícito ou direto dos Estados Unidos, a partir de eventos que aconteceram na Indonésia. Do Brasil ao Chile, os anticomunistas começaram a falar abertamente sobre seus próprios “planos Jacarta”. Bevins deixou claro o que isto significava: "a exterminação organizada pelo Estado de civis que se opunham à construção de regimes capitalistas autoritários leais aos Estados Unidos".
Em uma viagem fascinante e perturbadora ao redor do mundo, Bevins documenta os efeitos da cruzada anticomunista de Washington através de vários continentes. A próxima região de testes do Método Jacarta foi a América Latina, onde centenas de milhares de pessoas foram mortas ou “desaparecidas” em nome do anticomunismo durante as décadas seguintes. Mas não parou por aí.
Bevins escreve que “uma rede de programas de extermínio anticomunista, apoiada pelos EUA… levou a cabo assassinatos em massa em pelo menos 22 países”: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Timor Leste, El Salvador, Guatemala, Honduras, Indonésia, Iraque, México, Nicarágua, Paraguai, Filipinas, Coréia do Sul, Sudão, Taiwan, Tailândia, Uruguai, Venezuela e Vietnã.
Segundo Bevins, estas batalhas foram uma parte crucial da vitória dos Estados Unidos na Guerra Fria. Ele cita o historiador John Coatsworth, que estima que “o número de vítimas da violência apoiada pelos EUA na América Latina ‘excedeu amplamente’ o número de pessoas mortas na URSS e no Bloco Leste durante o mesmo tempo”.
Na esteira deste programa de massacres apoiados pelo Estado, os únicos movimentos que restaram foram aqueles que ouviram os avisos de Che Guevara e se armaram antes que os extremistas anticomunistas apoiados pelos Estados Unidos pudessem exterminá-los. Não é de admirar que muitos dos regimes comunistas que sobreviveram à Guerra Fria sejam famosos por suas violações aos direitos humanos – eles aprenderam com a melhor máquina: os Estados Unidos.
Colaborador
Grace Blakeley escreve na Tribune Magazin e é apresentadora do podcast semanal A World to Win.
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