7 de agosto de 2020

Nossa taxa real de juro vem caindo desde o início dos anos 1990

Dizer que teto de gasto e a reforma da Previdência explicam a queda da Selic é exagero

Nelson Barbosa


A Selic nominal caiu para 2% ao ano. Se o leitor acompanhar as análises da Faria Lima, 99 de cada 100 economistas dirão que o teto de gasto e a reforma da Previdência explicam a queda da Selic.

Trata-se de um exagero, típico de farialimers, pois os juros vêm caindo no mundo todo depois do choque recessivo do Covid-19. Até países com inflação alta, como Turquia e Argentina, cortaram juro neste ano. Mas fiquemos no Brasil.

Nossa taxa real de juro vem caindo desde o início dos anos 1990, depois que o Brasil resolveu “pagar o que fosse” em moeda doméstica para evitar a dolarização de nossa economia.

Traduzindo do economês, para evitar o que aconteceu na Argentina, a partir de 1992, com a entrada de Marcilio Marques Moreira no Ministério da Fazenda e Francisco Gros no Banco Central, o Brasil começou a liberalizar a entrada e saída de capitais estrangeiros e a oferecer alta taxa de retorno para quem se dispusesse a manter sua riqueza em títulos públicos.

Os títulos daquela época eram indexados à inflação ou ao câmbio, mas pagos em moeda doméstica, com elevada taxa de juro real. A estratégia funcionou em evitar a dolarização da economia, ao preço de uma taxa de juro real média de 29% ao ano, em 1992-93.

O Plano Real, de 1994, controlou a inflação e diminuiu a incerteza, permitindo redução da taxa de juro real, que ainda assim permaneceu elevada para padrões internacionais, pois era necessário sustentar o câmbio administrado. De 1994 a 1998, a Selic real foi, em média, de 22% ao ano.

A crise de 1998-99 encerrou o Plano Real com adoção do câmbio flutuante e metas de inflação. Houve estagnação econômica e alta volatilidade financeira na transição entre regimes, mas a mudança iniciada por FHC e completada por Lula deu certo. Em 1999-05, a Selic real média caiu para 11% ao ano.

No fim do primeiro mandato de Lula, algumas sumidades chegaram a dizer que nossa taxa básica de juro real não poderia cair abaixo de 10% ao ano devido à “incerteza jurisdicional”, mas a realidade provou o contrário.

A partir de 2006, houve nova queda estrutural da Selic real, por dois motivos: a acumulação de reservas internacionais reduziu a vulnerabilidade da economia a choques internacionais (a herança bendita do PT), e a crise financeira de 2008 derrubou as taxas de juro internacionais. Considerando o período de 2006 a 2015, a Selic real média foi 5% ao ano.

Chegamos ao momento atual. Uma vez superados os choques adversos de preços de 2015-16 (sim, o aumento da inflação daqueles anos foi basicamente causado por câmbio e energia), nossa taxa básica de juro voltou a cair.

Antes da Covid-19, a grande recessão de 2014-16 e a grande estagnação de 2017-19 já haviam derrubado a inflação e forçado o BC a cortar a Selic abaixo de sua tendência de longo prazo. Vieram então a pandemia, o colapso do nível de atividade econômica e nova redução dos juros internacionais, empurrando a Selic real temporariamente para território nulo ou negativo.

Até quando durará a fase atual? Difícil dizer, mas as expectativas mais recentes do mercado apontam Selic nominal de 5,8% em 2024. Assumindo que a meta de inflação fique em 3,25% a partir de 2023, isso significa Selic real de aproximadamente 2,5% a “longo prazo”.

As atuais expectativas de mercado indicam, portanto, que a nova redução estrutural da Selic será de 250 pontos-base em relação ao verificado em 2006-15. Não é uma queda tão grande quanto proporcionada pelo Plano Real, metas de inflação e reservas internacionais, mas ainda assim é um progresso.​

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Researc.

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