5 de agosto de 2020

A investigação anticorrupção brasileira Lava Jato nos legou o ultra-corrupto Bolsonaro

A investigação brasileira sobre corrupção Lava Jato prendeu o ex-presidente Lula da Silva e foi elogiada por ativistas anticorrupção no Ocidente. Mas seu legado é o presidente mais corrupto da história do país: Jair Bolsonaro.

Benjamin Fogel

Jacobin

Jair Bolsonaro após votar durante as eleições gerais de 28 de outubro de 2018. Buda Mendes / Getty Images

O que acontece quando uma histórica investigação anticorrupção, seus principais promotores e o juiz que a presidiu são considerados corruptos? E se a cura para a pandemia de corrupção for pior do que a praga? Precisamos apenas olhar para o Brasil para ver um exemplo disso na prática.

A investigação anticorrupção do Brasil Operação Lava Jato foi apontada por todos, desde a Transparency International até a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, como o modelo anticorrupção a ser seguido pelo Terceiro Mundo, mas também contribuiu diretamente para a crise econômica e política que o país se encontra atualmente.

O Brasil está no fundo da pior crise desde seu retorno à democracia em 1985. Jair Bolsonaro, um autoritário fanático, governa o país. Seu governo está repleto de militares e fanáticos de olhos esbugalhados, dirigindo uma agenda para desmantelar sistematicamente os serviços públicos e fazer uma cruzada contra o "marxismo cultural" que inclui luz verde para assassinatos extrajudiciais. A economia brasileira estava afundando, o desemprego alcaçava níveis recordes e o presidente enfrentava mais de 30 pedidos diferentes de impeachment - e isso foi antes do COVID-19.

No momento da redação deste artigo, mais de 2,5 milhões de brasileiros foram infectados e 90.000 morreram devido ao coronavírus, em grande parte devido ao tipo assassino de negação de Bolsonaro. O Brasil se tornou o principal exemplo mundial de como não lidar com a pandemia: seu presidente promove curas milagrosas (como o cloroquina não comprovada contra a malária), enquanto hospitais em todo o país enfrentam escassez de equipamentos médicos básicos.

Bolsonaro também, de várias formas, minou as respostas à saúde pública, demitiu seus ministros da saúde e liderou seus apoiadores em protestos regulares contra medidas de quarentena "comunistas", mesmo depois de sofrer com o próprio coronavírus.

Não é de admirar que o país tenha o maior número de mortes e infecções no mundo depois dos Estados Unidos. Mas a verdade simples é que Bolsonaro nunca seria eleito se a Lava Jato e um ex-juiz, depois Ministro da Justiça Sergio Moro, não tivessem preso o candidato que liderava as pesquisas em 2018, o ex-presidente Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT).

A Lava Jato é uma das principais razões para essa tragédia em andamento no Brasil, uma vez um farol para o mundo em termos de respostas de saúde pública a pandemias, liderança regional e redução da pobreza sob o governo do Partido dos Trabalhadores. Essa investigação - que levou um governo assassino, autoritário e incompetente ao poder - foi apoiada ativamente pela comunidade anticorrupção internacional e pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ).

O que foi a Lava Jato?

A corrupção é uma característica do Brasil desde que era uma colônia portuguesa, e a política anticorrupção prosperou em tempos de conflito político e crise econômica, desde o golpe militar em 1964 até o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello em 1992. Mas desta vez, o velho ciclo de indignação e impunidade da elite foi destruído por uma equipe jovem de investigadores e juízes heróicos.

Pela primeira vez na história brasileira, capitães da indústria e gigantes políticos foram presos. A operação prendeu mais de trezentas pessoas e resultou em mais de cem condenações desde 2014. No processo, os protagonistas da Lava Jato, como seu promotor principal, Deltan Dallagnol e Sergio Moro, tornaram-se estrelas internacionais anticorrupção, aclamados pela imprensa e instituições anticorrupção.

A lava Jato foi mitologizada como o meio pelo qual o Brasil romperia seu patrimonialismo endêmico e modernizaria sua burocracia cronicamente disfuncional. Mas, na realidade, levou o país ainda mais para trás do que o ponto em que a investigação começou.

Os críticos da investigação anticorrupção do Brasil foram rotulados como "teóricos da conspiração" por anos por comentaristas respeitáveis. Mas recentemente, após a exposição do marco histórico do Intercept, "Vaza Jato", temos a confirmação de que não apenas a investigação era um projeto de facção com uma agenda política, mas também violou a lei repetidamente e flagrantemente em busca de suas acusações.

As revelações incluem evidências da conivência de Moro com os promotores - que admitem abertamente que seus casos são baseados em evidências fracas - bem como investigadores expressando sua hostilidade aberta ao Partido dos Trabalhadores, o esmagamento de investigações que visam aliados políticos importantes, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e outros no Partido Social-Democrata Brasileiro (PSDB) de centro-direita. Os envolvidos também protegeram aliados de negócios importantes, investigações direcionadas a juízes da Suprema Corte considerados hostis e facilitou o conluio entre outros juízes e investigadores da Suprema Corte.

Os vazamentos confirmam o que os críticos disseram sobre o Lava Jato por anos - que foi um caso de lawfare, usando o sistema legal para derrubar seus inimigos políticos. Lava Jato começou como uma investigação, mas se transformou em uma facção poderosa dentro do estado brasileiro que tentava promover seus próprios interesses e construir poder.

Não é tanto um partido político como alguns afirmam, mesmo que tivesse objetivos abertamente políticos de provocar mudanças políticas, mas sim um centro concorrente de poder dentro do estado aliado à mídia monopolista do Brasil e, em vários momentos, com os partidos de centro-direita.

A conexão americana

A Lei de Práticas de Corrupção no Exterior do Brasil permite que empresas e indivíduos estrangeiros sejam investigados e julgados nos Estados Unidos por corrupção. Foi por meio desse ato que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos se envolveu na Lava Jato e nas negociações entre Petrobras e Odebrecht. Uma das razões declaradas era a ideia de que os americanos estavam em melhor posição para aplicar multas mais duras às empresas brasileiras.

Esta lei proíbe claramente as agências dos EUA de operar no terreno sem a permissão expressa do governo anfitrião. No entanto, reportagens publicadas recentemente pelo Intercept e Agência Pública expuseram a existência de uma unidade do Federal Bureau of Investigation (FBI) com treze funcionários trabalhando secretamente com a força-tarefa Lava Jato.

Enquanto os investigadores do Lava Jato afirmam que todos os seus negócios com agências americanas foram feitos por canais legais e oficiais, a história mostra que tanto os agentes americanos quanto a força-tarefa fizeram de tudo para esconder seu envolvimento e manter o governo do Partido dos Trabalhadores no escuro.

Após as revelações do Intercept, mais de setenta deputados federais brasileiros estão exigindo que o Congresso dos EUA divulgue informações sobre a relação entre o Departamento de Justiça dos EUA e o Lava Jato. O advogado de Lula, Christiano Zanin Martins, sugeriu que a cooperação entre o FBI e Lava Jato foi ilegal e poderia colocar em questão a legitimidade de todos os processos da investigação.

Mas por que o Departamento de Justiça dos EUA se envolveu em uma complicada investigação de corrupção no Brasil? Simplificando, ajudou o capital americano e minou uma potência regional que buscava construir poder econômico e político sem o envolvimento americano. Não deveria ser surpresa que projetos políticos pró-Ocidente como esse ganhem aclamação de organizações anticorrupção baseadas no próprio Ocidente.

O que vem a seguir para a Lava Jato?

Uma grande ironia da história recente do Brasil é que Lava Jato só foi possível por causa das reformas anticorrupção aprovadas pelo Partido dos Trabalhadores, que foram usadas por seus inimigos para destruir o governo de Dilma.

Desde que Bolsonaro chegou ao poder com a onda anticorrupção, seu governo começou a desmantelar esses mecanismos legais para proteger o presidente e seu clã mafioso, que estão sob investigação federal por tudo, desde lavagem de dinheiro a esquemas obscuros de financiamento de fake news.

Os cruzados da Lava Jato admitem essa realidade, assim como as organizações internacionais anticorrupção e até os partidos de centro-direita que lançaram o golpe contra Dilma. Por exemplo, promotores federais estão renunciando à força-tarefa, alegando que Augusto Aras - o promotor-geral escolhido por Bolsonaro - está adulterando as investigações sobre sua família. O próprio Moro renunciou ao cargo de ministro da Justiça quando Bolsonaro tentou nomear outro compadre como Procurador-Geral.

Com o Partido dos Trabalhadores fora do poder, dar poder a Lava Jato deixou de ser do interesse da elite e as revelações da Vaza Jato abriram uma oportunidade para aqueles que buscavam cortar suas asas. Depois de descobrir que estavam sendo espionados ilegalmente pela Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal decidiu restringir seus poderes e chegou até mesmo a libertar Lula.

O presidente do Congresso, Rodrigo Maia, junto com os ministros do Supremo Tribunal Federal, está pressionando para introduzir uma nova medida que impeça juízes de concorrer a cargos políticos por oito anos caso optem por deixar o Judiciário. Se bem-sucedido, isso acabaria com as ambições políticas de Sergio Moro, que tentou se posicionar como líder da oposição moderada a Bolsonaro desde que deixou seu governo.

Porém, como disse certa vez sobre ele o ex-candidato à presidência Ciro Gomes: “Ninguém gosta de Sergio Moro, porque ninguém sabe o que ele pensa sobre nenhuma questão. As pessoas se apaixonaram pela ideia do que o Sr. Moro representa.”

O próprio Moro não tem carisma nem apelo popular. Também resta saber se a "anticorrupção" pode ser uma plataforma política confiável durante uma crise econômica sem precedentes e uma pandemia global - ir atrás de fundos de campanha mal aplicados ou contratos públicos cobrados em excesso não colocará comida na mesa das pessoas ou aliviará a carga dos hospitais dos país.

Ameaçada, a equipe de trabalho do Lava Jato vem tentando salvar a própria pele, o exemplo mais recente disso foi a operação contra o ex-chanceler e candidato à presidência do PSDB de centro-direita, senador José Serra. Moro e seus aliados são acusados de proteger seus amigos do PSDB há anos, então que melhor maneira de demonstrar sua imparcialidade na cruzada contra a corrupção do que ir para um dos luminares do partido?

Também se fala em remover Dallagnol como o principal promotor. Embora eu suspeite que a Lava Jato irá permanecer por aí, parece que as grosserias de Bolsonaro e a crise do COVID-19 irão dominar as manchetes em um futuro próximo.

O legado da Lava Jato

O legado da Lava Jato é precisamente o oposto de sua suposta missão. Causou danos graves ao Estado de Direito, à democracia e à luta contra a corrupção.

Ela empoderou um demagogo autoritário que começou a desmantelar as instituições e leis que tornaram possível a investigação. Isso equivale a conflitos entre facções dentro da classe dominante do Brasil, enquanto sua economia está entrando em colapso e uma pandemia está matando mais de mil pessoas por dia.

Essas lutas entre facções têm pouco a ver com as lutas que o povo brasileiro enfrenta, nem tratarão do problema que é Bolsonaro. Apesar da oposição generalizada ao seu governo, o presidente é amplamente considerado protegido em relação aos movimentos de impeachment que o esperam no Congresso.

A ironia é que ele só está a salvo do impeachment porque fez favores aos partidos políticos corruptos, livres de ideologias, que a Lava Jato deveria derrotar. Prender a esquerda e viabilizar a direita - esse é o verdadeiro legado da investigação.

Sobre o autor

Benjamin Fogel é historiador e editor colaborador do Africa is a Country e da Jacobin.

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