13 de agosto de 2020

Teto de Temer "morra quem morrer"?

Há várias alternativas para manter o controle de gastos sem arriscar a vida de milhões

Nelson Barbosa

Folha de S.Paulo


Como previsto, o governo terá dificuldade em cumprir o teto Temer de gasto em 2021. O problema só não existe neste ano porque, ainda bem, a bomba criada por Temer para seus sucessores está suspensa devido à pandemia.

Os leitores que me acompanham sabem, o teto Temer só não foi problema antes de 2019 porque o time Temer malandramente fixou o nível máximo de despesas de modo a não gerar problemas durante seu mandato.

Agora que o teto Temer deu problema, os remanescentes do “dreadteam” de Temer já debandaram de Bolsonaro para o mercado, de onde poderão pontificar sobre o problema que criaram, sem apresentar solução, mas vamos falar de 2021.

Tudo indica que a economia não se recuperará rapidamente da crise atual. Mais importante, mesmo antes da pandemia, o investimento público já estava muito baixo, comprometendo o crescimento sustentado da renda e do emprego.

Para resolver o problema, é necessário modificar nossa regra de gasto, permitindo elevação do investimento com transparência e eficiência, bem como garantir a manutenção de programas sociais indispensáveis para proteger a população de baixa renda, como ficou claro durante a pandemia.

Há várias maneiras de fazer isso, algumas responsáveis, outras não. O ministro ideológico do governo rechaça qualquer mudança, alegando que mudar o teto Temer causará desastre, via elevação da taxa de juro, depreciação cambial e aumento da inflação. O risco realmente existe, se a mudança for malfeita, se não se colocar algo melhor no lugar do teto Temer.

Quem acompanha o debate sabe que há alternativas além do “liberou geral”, como: estabelecer orçamento para investimento, com limites e acompanhamento específicos, metas de gasto per capita para saúde e educação, condizentes com a realidade econômica do país, e assim em diante. Cedo ou tarde essa mudança acontecerá.

Em oposição ao ministro ideológico do governo, os ministros “pragmáticos” parecem se alinhar na defesa de algum investimento público e da manutenção de programas essenciais. Nessa empreitada, os “realistas” são atacados como “políticos”, sobretudo pela gangue de analistas desonestos que pululam na mídia e mercado.

A batalha não é nova. Ela já ocorreu várias vezes, e a mais recente foi em 2015, quando a ala ideológica da vez propôs fazer uma megacontração fiscal em uma economia que despencava à velocidade de 4% ao ano.

Para o leitor ter ideia do absurdo, a proposta daquela época era cortar a despesa discricionária da União em aproximadamente 0,5% do PIB em apenas um ano, o que, em valores atuais, significaria reduzir o gasto discricionário da União, já em 2016, abaixo do que temos hoje, quatro anos depois!

Felizmente os ideológicos não prosperaram. Com golpe, com tudo, houve flexibilização fiscal em 2016. Houve “Orçamento com déficit”, e o déficit ajudou a interromper a recessão sem comprometer o controle da inflação.

Infelizmente, a flexibilização fiscal de 2016 foi prematuramente revertida a partir de 2017, prejudicando a recuperação da economia, tudo isso antes da Covid-19.

Agora voltamos ao mesmo debate. As medidas emergenciais deste ano mostram como a política fiscal pode atenuar a recessão e promover recuperação mais rápida da economia. Mas os ideológicos insistem em negar a realidade e propor suas crenças, “morra quem morrer”, para 2021.

Não precisa ser assim. Há várias alternativas para manter o controle de gastos sem arriscar a renda, emprego e vida de milhões de brasileiros. O primeiro passo da solução é desinterditar o debate.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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