Ho-fung Hung
Chinese citizens in the central business district on March 12, 2020 in Beijing, China. (Kevin Frayer / Getty Images) |
Tradução / Hoje, fala-se muito de uma "nova guerra fria" entre a China e os Estados Unidos: uma guerra fria entre o autoritarismo e a democracia liberal. Mas todos sabemos que a China não se tornou autoritária apenas há dois anos. Toda a elite dominante dos Estados Unidos tem estado muito satisfeita com o autoritarismo chinês há muito tempo.
Apenas duas semanas após o massacre de 4 de junho de 1989 na Praça Tiananmen, a 20 de junho, o Presidente George H. W. Bush escreveu uma carta secreta a Deng Xiaoping. A carta dizia que os Estados Unidos não estavam muito zangados com o facto de o Partido Comunista ter enviado o exército para disparar conta o seu povo. Bush disse a Deng que os Estados Unidos eram apenas um jovem país de duzentos anos e que a China era um velho país de cinco mil anos [sic] com grandes contribuições para a civilização mundial, pelo que os governantes chineses eram sábios e sabiam o que era melhor para o povo chinês. Bush garantiu a Deng que Tiananmen não iria atrapalhar o grande relacionamento comercial entre os Estados Unidos e a China. Se houvesse uma "guerra fria" ideológica entre os Estados Unidos e a China, esta deveria ter começado há trinta anos atrás.
Rivalidade
Nas minhas investigações atuais, estudo as origens e a dinâmica da transformação do acordo entre os EUA e a China em rivalidade, examinando o relacionamento das empresas estadounidenses com a China, no decurso das últimas três décadas. Também estou a analisar as atividades de lobbying destas empresas a favor da China. Examino como estas empresas moldaram a política "americano-chinesa" ao longo dos anos. Esta é uma explicação materialista histórica das mudanças que ocorreram no relacionamento entre os Estados Unidos e a China. Essa mudança foi motivada por uma enorme mudança de posição das empresas americanas em relação à China.
Nas décadas de 1990 e 2000, houve sempre uma posição que se fazia ouvir no interior do establishment dos serviços secretos, da diplomacia e dos militares dos EUA que tentava fazer da China o próximo grande concorrente dos Estados Unidos, após o colapso da União Soviética. A discussão sobre uma nova guerra fria com a China não parou desde o fim da antiga guerra fria.
Mas na década de 1990 e no início dos anos 2000, este tipo de reação dentro do establishment militar, diplomático e dos serviços secretos foi frustrado pelo lobbying das empresas estadounidenses contra qualquer política que não fosse amigável com a China. Por exemplo, como mostra o meu recente artigo* na Review of International Political Economy (13 de abril de 2020), a administração Clinton foi dominada por ideólogos dos direitos humanos como Madeleine Albright, Warren Christopher e Winston Lord no primeiro ano.
Estes idealistas dos direitos humanos da administração juntaram-se aos partidários anti-comunistas de direita da era da Guerra Fria e aos liberais de esquerda anti-livre comércio, como Bernie Sanders, no Congresso, para apoiar a inclusão de condições relativas aos direitos humanos no acesso de produtos chineses de baixo custo ao mercado dos Estados Unidos, em 1993. Era assim derrubada uma política de livre comércio com a China, apoiada pelas duas administrações republicanas anteriores e à qual os sindicatos se opuseram ferozmente.
Apenas duas semanas após o massacre de 4 de junho de 1989 na Praça Tiananmen, a 20 de junho, o Presidente George H. W. Bush escreveu uma carta secreta a Deng Xiaoping. A carta dizia que os Estados Unidos não estavam muito zangados com o facto de o Partido Comunista ter enviado o exército para disparar conta o seu povo. Bush disse a Deng que os Estados Unidos eram apenas um jovem país de duzentos anos e que a China era um velho país de cinco mil anos [sic] com grandes contribuições para a civilização mundial, pelo que os governantes chineses eram sábios e sabiam o que era melhor para o povo chinês. Bush garantiu a Deng que Tiananmen não iria atrapalhar o grande relacionamento comercial entre os Estados Unidos e a China. Se houvesse uma "guerra fria" ideológica entre os Estados Unidos e a China, esta deveria ter começado há trinta anos atrás.
Rivalidade
Nas minhas investigações atuais, estudo as origens e a dinâmica da transformação do acordo entre os EUA e a China em rivalidade, examinando o relacionamento das empresas estadounidenses com a China, no decurso das últimas três décadas. Também estou a analisar as atividades de lobbying destas empresas a favor da China. Examino como estas empresas moldaram a política "americano-chinesa" ao longo dos anos. Esta é uma explicação materialista histórica das mudanças que ocorreram no relacionamento entre os Estados Unidos e a China. Essa mudança foi motivada por uma enorme mudança de posição das empresas americanas em relação à China.
Nas décadas de 1990 e 2000, houve sempre uma posição que se fazia ouvir no interior do establishment dos serviços secretos, da diplomacia e dos militares dos EUA que tentava fazer da China o próximo grande concorrente dos Estados Unidos, após o colapso da União Soviética. A discussão sobre uma nova guerra fria com a China não parou desde o fim da antiga guerra fria.
Mas na década de 1990 e no início dos anos 2000, este tipo de reação dentro do establishment militar, diplomático e dos serviços secretos foi frustrado pelo lobbying das empresas estadounidenses contra qualquer política que não fosse amigável com a China. Por exemplo, como mostra o meu recente artigo* na Review of International Political Economy (13 de abril de 2020), a administração Clinton foi dominada por ideólogos dos direitos humanos como Madeleine Albright, Warren Christopher e Winston Lord no primeiro ano.
Estes idealistas dos direitos humanos da administração juntaram-se aos partidários anti-comunistas de direita da era da Guerra Fria e aos liberais de esquerda anti-livre comércio, como Bernie Sanders, no Congresso, para apoiar a inclusão de condições relativas aos direitos humanos no acesso de produtos chineses de baixo custo ao mercado dos Estados Unidos, em 1993. Era assim derrubada uma política de livre comércio com a China, apoiada pelas duas administrações republicanas anteriores e à qual os sindicatos se opuseram ferozmente.
Então, em 1993-94, eclodiu uma luta pelo poder entre o Departamento de Estado e Wall Street sobre essa política comercial entre os Estados Unidos e a China. Em 1993, Clinton trouxe Robert Rubin [co-presidente da Goldman Sachs desde 1990] de Wall Street para se tornar o primeiro diretor do recém-criado Conselho Económico Nacional. E a certa altura, Robert Rubin e Winston Lord [embaixador na China de 1985 a 1989 e secretário de Estado assistente de 1993 a 1997] discutiram abertamente através dos meios de comunicação social a política face à China.
Robert Rubin declarou que era pouco prudente adicionar condições relativas aos direitos humanos no acesso da China ao mercado dos EUA, enquanto Winston Lord declarou que isto funcionava bem e que os EUA deveriam manter às condições relativas aos direitos humanos. No final, o Departamento de Estado perdeu o combate. E Wall Street assumiu o controle da política chinesa.
Sinergia
Wall Street não teria vencido esta batalha sobre a política "americano-chinesa" sem o lóbi agressivo das empresas americanas, mobilizado pelo governo chinês. Em 1993, a China estava a passar por uma crise económica. A sua economia estava em sobreaquecimento e a balança de pagamentos estava em crise. A taxa de inflação atingia os 25% e as reservas cambiais evaporavam-se. Zhu Rongji era o vice-primeiro-ministro chinês na época e era ele quem dirigia a economia.
Em outubro de 1993, Zhu Rongji falou sobre a situação desastrosa da economia numa conferência de quadros rurais de alto nível em Pequim. A União Soviética tinha entrado em colapso não há muito tempo. O Partido Comunista Chinês (PCC) confrontava-se com o caos económico após a viagem de Deng Xiaoping ao sul, que apontou a expansão excessiva dos investimentos financiados por dívida, uma crise de crédito e uma crise orçamental do Estado. Zhu Rongji declarou aos quadros dos campos presentes na conferência que a China devia sair da crise por uma reorientação para o desenvolvimento voltado para a exportação. Assegurou igualmente a todos que acabariam por superar todas as dificuldades, já que ele acabara de conhecer o patrão do Morgan Stanley, que garantiu que apoiaria plenamente a economia chinesa.
Nos anos 90, numerosas empresas estatais chinesas foram privatizadas e lançadas nas bolsas de valores estrangeiras, como Hong Kong e Nova Iorque. Estas foram apoiadas pelos bancos de Wall Street, pelas empresas de contabilidade e auditoria para o processo de lançamento nas Bolsas. Foi uma atividade enorme para as empresas de Wall Street. A privatização das empresas estatais chinesas nos anos 90, contou, portanto, com uma sinergia entre o PCCh e Wall Street. Isso explica por que Wall Street foi a primeira e mais ardente defensora dos interesses do PCCh em Washington, após o massacre de Tiananmen em 1989.
Mas fora de Wall Street, poucas outras empresas estavam interessadas numa expansão para a China a partir de 1993. Por exemplo, a Apple estava então ocupada em expandir as suas fábricas na Califórnia e no Colorado. Numerosos fabricantes dependentes de uma forte intensidade de mão-de-obra ponderavam uma expansão para o México através do NAFTA (Tratado de Livre Comércio da América do Norte) emergente e não consideravam, inicialmente, a China como a sua nova fronteira. Mas em 1993-94, Pequim contactou cirurgicamente algumas das empresas americanas mais influentes politicamente para lhes prometer o acesso ao mercado e direitos de perfuração (no caso de empresas de energia), a fim de transformá-las em "lobistas por procuração” a favor da China. A Caterpillar, por exemplo, recebeu uma enorme participação de mercado na China, onde a procura de equipamentos de exploração mineira e construção cresceu fortemente.
Robert Rubin declarou que era pouco prudente adicionar condições relativas aos direitos humanos no acesso da China ao mercado dos EUA, enquanto Winston Lord declarou que isto funcionava bem e que os EUA deveriam manter às condições relativas aos direitos humanos. No final, o Departamento de Estado perdeu o combate. E Wall Street assumiu o controle da política chinesa.
Sinergia
Wall Street não teria vencido esta batalha sobre a política "americano-chinesa" sem o lóbi agressivo das empresas americanas, mobilizado pelo governo chinês. Em 1993, a China estava a passar por uma crise económica. A sua economia estava em sobreaquecimento e a balança de pagamentos estava em crise. A taxa de inflação atingia os 25% e as reservas cambiais evaporavam-se. Zhu Rongji era o vice-primeiro-ministro chinês na época e era ele quem dirigia a economia.
Em outubro de 1993, Zhu Rongji falou sobre a situação desastrosa da economia numa conferência de quadros rurais de alto nível em Pequim. A União Soviética tinha entrado em colapso não há muito tempo. O Partido Comunista Chinês (PCC) confrontava-se com o caos económico após a viagem de Deng Xiaoping ao sul, que apontou a expansão excessiva dos investimentos financiados por dívida, uma crise de crédito e uma crise orçamental do Estado. Zhu Rongji declarou aos quadros dos campos presentes na conferência que a China devia sair da crise por uma reorientação para o desenvolvimento voltado para a exportação. Assegurou igualmente a todos que acabariam por superar todas as dificuldades, já que ele acabara de conhecer o patrão do Morgan Stanley, que garantiu que apoiaria plenamente a economia chinesa.
Nos anos 90, numerosas empresas estatais chinesas foram privatizadas e lançadas nas bolsas de valores estrangeiras, como Hong Kong e Nova Iorque. Estas foram apoiadas pelos bancos de Wall Street, pelas empresas de contabilidade e auditoria para o processo de lançamento nas Bolsas. Foi uma atividade enorme para as empresas de Wall Street. A privatização das empresas estatais chinesas nos anos 90, contou, portanto, com uma sinergia entre o PCCh e Wall Street. Isso explica por que Wall Street foi a primeira e mais ardente defensora dos interesses do PCCh em Washington, após o massacre de Tiananmen em 1989.
Mas fora de Wall Street, poucas outras empresas estavam interessadas numa expansão para a China a partir de 1993. Por exemplo, a Apple estava então ocupada em expandir as suas fábricas na Califórnia e no Colorado. Numerosos fabricantes dependentes de uma forte intensidade de mão-de-obra ponderavam uma expansão para o México através do NAFTA (Tratado de Livre Comércio da América do Norte) emergente e não consideravam, inicialmente, a China como a sua nova fronteira. Mas em 1993-94, Pequim contactou cirurgicamente algumas das empresas americanas mais influentes politicamente para lhes prometer o acesso ao mercado e direitos de perfuração (no caso de empresas de energia), a fim de transformá-las em "lobistas por procuração” a favor da China. A Caterpillar, por exemplo, recebeu uma enorme participação de mercado na China, onde a procura de equipamentos de exploração mineira e construção cresceu fortemente.
Outro exemplo é a empresa de telecomunicações AT&T. A China apelou à AT&T que defendesse os seus interesses comerciais, prometendo que ela teria um papel importante no mercado chinês das telecomunicações. Estas empresas, motivadas pelas promessas de Pequim, pressionaram seriamente contra a condição de cumprimento dos direitos humanos para um acesso pouco taxado dos produtos chineses ao mercado dos EUA. Elas conseguiram forçar a administração Clinton e os democratas do Congresso a mudar de posição em 1994, revogando as condições relativas aos direitos humanos no comércio com a China, que eles apoiavam com entusiasmo há apenas um ano.
Desde então, as exportações chinesas desfrutaram de acesso incondicional a tarifas baixas ao mercado dos EUA, abrindo assim a via para a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001. Até 2000, numerosas empresas americanas foram motivadas pelas promessas e possibilidades que Pequim lhes ofereceu para se tornarem uma importante força de contrapeso às tendências do establishment dos serviços secretos, da diplomacia e militar para fazer da China um inimigo e iniciar um nova guerra fria com ela.
Desde então, as exportações chinesas desfrutaram de acesso incondicional a tarifas baixas ao mercado dos EUA, abrindo assim a via para a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001. Até 2000, numerosas empresas americanas foram motivadas pelas promessas e possibilidades que Pequim lhes ofereceu para se tornarem uma importante força de contrapeso às tendências do establishment dos serviços secretos, da diplomacia e militar para fazer da China um inimigo e iniciar um nova guerra fria com ela.
Mudança de direção
Depois de obter o que queria da política dos EUA, a China mudou a sua política para garantir que empresas estrangeiras como a AT&T não pudessem ter participações maioritárias ou a liderança no setor de telecomunicações da China. E Pequim começou a apoiar fortemente os seus gigantes estatais de telecomunicações como a China Mobile e a China Telecom para dominar o mercado e marginalizar os países estrangeiros. Esta situação tornou-se muito mais evidente em 2010 e daí em diante.
Por exemplo, uma empresa que eu analisava pressionou contra qualquer projeto de lei do Congresso que acusasse a China de manipulação da moeda (taxa de câmbio) desde o início dos anos 2000 até 2009 e 2010. Mas depois de 2010, tornou-se um alvo da política mercantilista da China e uma vítima da política chinesa de transferência forçada de tecnologia. De repente, mudou de posição no seu lóbi junto do Congresso. A mesma empresa subitamente passou a apoiar o projeto de lei do Congresso que acusava a China de manipulação de moeda. Houve muitos outros exemplos deste tipo.
Muitas empresas mudaram de posição por volta de 2010. Um académico de direito declarou que havia, nos Estados Unidos, uma "insurreição das empresas contra a China". Em alguns casos, isso assumiu uma forma mais passiva, consistindo em não fazer ativamente pressão sobre a China. Muitas empresas que, antes, pressionavam contra os projetos de lei que consideravam que violavam os interesses da China, agora cruzam os braços e não faziam nada para ajudar a China. É por isso que, nos últimos anos, tantos projetos de lei que irritaram Pequim, como todos os projetos de apoio a Taiwan e as denúncias de violações dos direitos humanos em Xinjiang (uigures), conseguiram ser adotados por um Congresso polarizado com um voto bipartidário unânime.
As bases de dados que estou a montar contêm muitos indicadores que mostram consistentemente que 2010 é um ponto de viragem. A próxima pergunta é: porquê 2010? Em última análise, foi a crise financeira global de 2008 e o relançamento na China em 2009 e 2010 que provocaram a mudança. Por exemplo, a Caterpillar tinha uma grande participação no mercado de máquinas de construção na China. Em seguida, as principais empresas estatais chinesas de construção de máquinas, que tinham uma relação de joint venture com a Caterpillar, copiaram o design de seus produtos e tornaram-se suas concorrentes.
Um ponto de viragem decisivo
Após a crise financeira global de 2008, a economia chinesa entrou em queda e Pequim implementou imediatamente um pacote de estímulo. Medidas de relançamento financeiro foram propostas principalmente a empresas estatais na forma de empréstimos com juros baixos acordados com bancos estatais para permitir que elas aumentassem agressivamente a capacidade de produção e a massa salarial. Muitas empresas chinesas de máquinas de construção, pertencentes ao Estado, obtiveram esses créditos para aumentar a sua produção de versões falsificadas das máquinas Caterpillar e venderam-nas por preços muito mais baixos.
Essas empresas chinesas, dotadas de créditos ilimitados dos bancos estatais e de segredos tecnológicos obtidos junto dos seus antigos parceiros norte-americanos, expulsaram os seus homólogos americanos do mercado chinês após a crise financeira mundial. Em 2011, quando Hu Jintao visitou a Casa Branca e realizou uma conferência de imprensa conjunta com Obama, este publicamente reclamou junto de Hu Jintao sobre o tratamento injusto que as empresas americanas sofriam no mercado chinês. Foi a primeira vez que um presidente dos EUA levantou a importância de "condições equitativas" no mercado chinês.
Por exemplo, uma empresa que eu analisava pressionou contra qualquer projeto de lei do Congresso que acusasse a China de manipulação da moeda (taxa de câmbio) desde o início dos anos 2000 até 2009 e 2010. Mas depois de 2010, tornou-se um alvo da política mercantilista da China e uma vítima da política chinesa de transferência forçada de tecnologia. De repente, mudou de posição no seu lóbi junto do Congresso. A mesma empresa subitamente passou a apoiar o projeto de lei do Congresso que acusava a China de manipulação de moeda. Houve muitos outros exemplos deste tipo.
Muitas empresas mudaram de posição por volta de 2010. Um académico de direito declarou que havia, nos Estados Unidos, uma "insurreição das empresas contra a China". Em alguns casos, isso assumiu uma forma mais passiva, consistindo em não fazer ativamente pressão sobre a China. Muitas empresas que, antes, pressionavam contra os projetos de lei que consideravam que violavam os interesses da China, agora cruzam os braços e não faziam nada para ajudar a China. É por isso que, nos últimos anos, tantos projetos de lei que irritaram Pequim, como todos os projetos de apoio a Taiwan e as denúncias de violações dos direitos humanos em Xinjiang (uigures), conseguiram ser adotados por um Congresso polarizado com um voto bipartidário unânime.
As bases de dados que estou a montar contêm muitos indicadores que mostram consistentemente que 2010 é um ponto de viragem. A próxima pergunta é: porquê 2010? Em última análise, foi a crise financeira global de 2008 e o relançamento na China em 2009 e 2010 que provocaram a mudança. Por exemplo, a Caterpillar tinha uma grande participação no mercado de máquinas de construção na China. Em seguida, as principais empresas estatais chinesas de construção de máquinas, que tinham uma relação de joint venture com a Caterpillar, copiaram o design de seus produtos e tornaram-se suas concorrentes.
Um ponto de viragem decisivo
Após a crise financeira global de 2008, a economia chinesa entrou em queda e Pequim implementou imediatamente um pacote de estímulo. Medidas de relançamento financeiro foram propostas principalmente a empresas estatais na forma de empréstimos com juros baixos acordados com bancos estatais para permitir que elas aumentassem agressivamente a capacidade de produção e a massa salarial. Muitas empresas chinesas de máquinas de construção, pertencentes ao Estado, obtiveram esses créditos para aumentar a sua produção de versões falsificadas das máquinas Caterpillar e venderam-nas por preços muito mais baixos.
Essas empresas chinesas, dotadas de créditos ilimitados dos bancos estatais e de segredos tecnológicos obtidos junto dos seus antigos parceiros norte-americanos, expulsaram os seus homólogos americanos do mercado chinês após a crise financeira mundial. Em 2011, quando Hu Jintao visitou a Casa Branca e realizou uma conferência de imprensa conjunta com Obama, este publicamente reclamou junto de Hu Jintao sobre o tratamento injusto que as empresas americanas sofriam no mercado chinês. Foi a primeira vez que um presidente dos EUA levantou a importância de "condições equitativas" no mercado chinês.
As coisas pioraram depois de 2012. A situação agravou-se não por causa da chegada de Xi Jinping ao poder, mas porque a recuperação da economia chinesa, após as medidas de estímulo, atenuou-se e a China entrou numa longa desaceleração, mostrando sintomas de uma crise de sobreacumulação.
Pequim tinha o hábito de recorrer ao crédito barato dos bancos estatais para aumentar a sua capacidade de produção em todos os setores, mas o mercado chinês agora estava saturado. O comboio de alta velocidade é um bom exemplo. A indústria tinha uma enorme capacidade de construir um sistema ferroviário de alta velocidade, mas em 2012 estava simplesmente a ficar sem novas linhas economicamente interessantes para construir na China. Numerosas empresas estatais apoiadas pelo estímulo foram desativadas. O crescimento da receita das empresas estatais chinesas caiu em 2011 e 2012.
As novas Rota da Seda
Ao mesmo tempo, Xi Jinping lançou a Iniciativa das novas Rotas da Seda (Belt and Road Initiative - BRI). Em muitos sentidos, a BRI foi uma tentativa de criar um mercado externo para as empresas públicas exportarem a sua capacidade excedentária. A BRI consistia essencialmente em emprestar dinheiro a outros países em desenvolvimento para comprar produtos chineses ou contratar empresas chinesas. Por exemplo, os relatórios anuais das principais empresas chinesas de máquinas de construção mostram que após 2012 elas conseguiram sair da sua crise de diminuição de lucros e a sua faturação disparou. Nestes relatórios, elas agradecem explicitamente a Xi Jinping e à BRI, já que a maioria das suas encomendas provém agora de países membros da rede BRI. Estas empresas estatais chinesas estão a expulsar as empresas americanas do mercado chinês e agora estão a expulsar as empresas americanas do mercado internacional nos países em desenvolvimento.
Assim, a nova concorrência das empresas chinesas esteve na origem da transferência de empresas estadounidenses para a China. Mesmo na área financeira, os bancos dos Estados Unidos passaram a enfrentar a concorrência dos bancos estatais chineses, que começaram a operar no mundo em desenvolvimento, enquanto que a China não abriu o seu setor financeiro aos bancos estrangeiros tanto quanto prometera na altura da sua adesão à OMC. As empresas americanas começaram a sentir-se prejudicadas pela China. Esta é a força material subjacente à rivalidade entre os Estados Unidos e a China. A administração Trump não iniciou essa rivalidade; ela apenas prosseguiu o que já tinha começado durante a administração Obama.
Pequim tinha o hábito de recorrer ao crédito barato dos bancos estatais para aumentar a sua capacidade de produção em todos os setores, mas o mercado chinês agora estava saturado. O comboio de alta velocidade é um bom exemplo. A indústria tinha uma enorme capacidade de construir um sistema ferroviário de alta velocidade, mas em 2012 estava simplesmente a ficar sem novas linhas economicamente interessantes para construir na China. Numerosas empresas estatais apoiadas pelo estímulo foram desativadas. O crescimento da receita das empresas estatais chinesas caiu em 2011 e 2012.
As novas Rota da Seda
Ao mesmo tempo, Xi Jinping lançou a Iniciativa das novas Rotas da Seda (Belt and Road Initiative - BRI). Em muitos sentidos, a BRI foi uma tentativa de criar um mercado externo para as empresas públicas exportarem a sua capacidade excedentária. A BRI consistia essencialmente em emprestar dinheiro a outros países em desenvolvimento para comprar produtos chineses ou contratar empresas chinesas. Por exemplo, os relatórios anuais das principais empresas chinesas de máquinas de construção mostram que após 2012 elas conseguiram sair da sua crise de diminuição de lucros e a sua faturação disparou. Nestes relatórios, elas agradecem explicitamente a Xi Jinping e à BRI, já que a maioria das suas encomendas provém agora de países membros da rede BRI. Estas empresas estatais chinesas estão a expulsar as empresas americanas do mercado chinês e agora estão a expulsar as empresas americanas do mercado internacional nos países em desenvolvimento.
Assim, a nova concorrência das empresas chinesas esteve na origem da transferência de empresas estadounidenses para a China. Mesmo na área financeira, os bancos dos Estados Unidos passaram a enfrentar a concorrência dos bancos estatais chineses, que começaram a operar no mundo em desenvolvimento, enquanto que a China não abriu o seu setor financeiro aos bancos estrangeiros tanto quanto prometera na altura da sua adesão à OMC. As empresas americanas começaram a sentir-se prejudicadas pela China. Esta é a força material subjacente à rivalidade entre os Estados Unidos e a China. A administração Trump não iniciou essa rivalidade; ela apenas prosseguiu o que já tinha começado durante a administração Obama.
Continuidade
Em 2012, Washington lançou a política "Pivô para a Ásia", redirecionando grande parte das forças militares e diplomáticas dos EUA para a Ásia em resposta à crescente agressividade da China no mar da China Meridional e no Estreito de Taiwan. Obama-Clinton também pressionaram pelo acordo de livre comércio da Parceria Transpacífica (TPP).
O objetivo do TPP era isolar economicamente a China e pressioná-la para que mudasse a sua política económica, se quisesse aderir ao acordo. Quando Trump foi eleito, muitas pessoas na China, incluindo tablóides nacionalistas e académicos oficiais, ficaram entusiasmadas e felizes por não ser Hillary Clinton quem iria prosseguir a política do "Pivô para a Ásia" e o TPP. Eles esperavam que Trump reorganizasse a política sino-americana e fizesse um acordo com a China que pudesse aliviar a pressão dos EUA sobre a China.
No final, a situação foi muito pior. A mudança estrutural subjacente nas relações entre os EUA e a China permaneceu a mesma, embora o método seja diferente. Obama servia-se do TPP como de uma cenoura para incitar a China a mudar a sua política económica a favor dos interesses das empresas dos EUA. Hoje Trump utiliza o pau dos direitos aduaneiros. Mas o objetivo permanece o mesmo. Por trás da vontade crescente dos EUA de conter a expansão económica e geopolítica da China, tanto da administração Obama como da administração Trump, estão as mesmas condições estruturais com que as empresas americanas estão confrontadas.
Então, o que vai acontecer a seguir? Curiosamente, muitas pessoas pensam que isso depende das próximas eleições. De facto, a eleição não mudará muito a dinâmica. Se Joe Biden for eleito, ele provavelmente continuará a política de Obama-Clinton na China, o "Pivô para a Ásia" e um plano do tipo TPP. A rivalidade entre os Estados Unidos e a China continuará a intensificar-se, independentemente de quem vencer as eleições.
O objetivo do TPP era isolar economicamente a China e pressioná-la para que mudasse a sua política económica, se quisesse aderir ao acordo. Quando Trump foi eleito, muitas pessoas na China, incluindo tablóides nacionalistas e académicos oficiais, ficaram entusiasmadas e felizes por não ser Hillary Clinton quem iria prosseguir a política do "Pivô para a Ásia" e o TPP. Eles esperavam que Trump reorganizasse a política sino-americana e fizesse um acordo com a China que pudesse aliviar a pressão dos EUA sobre a China.
No final, a situação foi muito pior. A mudança estrutural subjacente nas relações entre os EUA e a China permaneceu a mesma, embora o método seja diferente. Obama servia-se do TPP como de uma cenoura para incitar a China a mudar a sua política económica a favor dos interesses das empresas dos EUA. Hoje Trump utiliza o pau dos direitos aduaneiros. Mas o objetivo permanece o mesmo. Por trás da vontade crescente dos EUA de conter a expansão económica e geopolítica da China, tanto da administração Obama como da administração Trump, estão as mesmas condições estruturais com que as empresas americanas estão confrontadas.
Então, o que vai acontecer a seguir? Curiosamente, muitas pessoas pensam que isso depende das próximas eleições. De facto, a eleição não mudará muito a dinâmica. Se Joe Biden for eleito, ele provavelmente continuará a política de Obama-Clinton na China, o "Pivô para a Ásia" e um plano do tipo TPP. A rivalidade entre os Estados Unidos e a China continuará a intensificar-se, independentemente de quem vencer as eleições.
Republicado de Marxist Sociology Blog.
Este artigo é baseado em Ho-fung Hung, “The periphery in the making of globalization: the China Lobby and the Reversal of Clinton’s China Trade Policy, 1993–1994”, Review of International Political Economy, 2020.
Sobre o autor
Ho-Fung Hung is Henry M. and Elizabeth P. Wiesenfeld Professor in Political Economy and chair of the department of sociology at Johns Hopkins University.
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