1 de julho de 2020

Capital racial do pan-africanismo e colonialidade à ruptura epistêmica: Novos rumos em uma vida com o marxismo — Parte 1

Jesse Benjamin


Walter A. Rodney: A Promise of Revolution by Clairmont Chung (Monthly Review Press: 2012).

Tradução / A história e a natureza do capitalismo racial permanecem como questões primordiais de nossos tempos. Seu verdadeiro significado e gravidade ameaçam revelar tudo sobre nosso mundo contemporâneo, desde nossos arranjos sociais imediatos até o sistema global. Dentro disso, o poder corporativo e a cultura hegemônica moldam o mundo nos limites de nossas percepções. Como resultado, não é suficiente abordar a história do capital racial apenas da perspectiva da historiografia crítica, embora os contínuos esforços em curso para descolonizar nossa compreensão de suas especificidades e complexidades sejam absolutamente vitais.1 Também é insuficiente simplesmente investigar quão inerentemente entrelaçadas sempre foram as categorias e os processos de raça e classe, tanto na prática do mundo real (especialmente no ponto de produção) quanto epistemicamente, em termos de categorias ocidentais de cognição e organização cognitiva, embora isso também seja absolutamente crítico. Devemos também engajar simultaneamente a política contemporânea de produção de conhecimento em torno dessas questões, tanto na academia quanto na cultura popular.

Ao longo do século XX, a precisão devastadora das análises político-econômicas e de classe levou a sua aceitação cada vez maior, até mesmo a consagração, como um ponto fundamental de análise crítica em muitas disciplinas. Raça e outras questões chamadas de “identitárias” chegaram essencialmente aos campi de maneira muito diferente nos Estados Unidos, em comparação com outras nações onde isso aconteceu apenas recentemente, se é que aconteceu. Por volta de 1968, nos Estados Unidos, Black Power [poder negro] e Black Studies [estudos negros] tornaram a questão racial uma questão importante nos campi. Isso ajudou a abrir espaço para mulheres, latinos, muçulmanos, nativos americanos, membros LGBTQ, ativistas com deficiência e muitas outras comunidades a seguirem o exemplo nos anos subsequentes — embora essas pessoas e áreas de estudo tendessem a ser relegadas a um status periférico ou inferior em termos tanto de bolsa de estudos quanto de estruturas institucionais e disciplinares em desenvolvimento. Elas também estão sujeitas a uma contenção massiva desde a década de 1980. Todas essas perspectivas são necessárias e, juntas, nos ajudam a fundamentar nossas discussões contemporâneas em seu contexto completo.

É impossível separar a importante busca decolonial pela especificidade historiográfica nos entrelaçamentos de raça e classe da política acadêmica, da sociedade ocidental hegemônica mais ampla na qual essas questões estão envolvidas e da política racial em curso dentro da qual o conhecimento é ativamente produzido. É nesses dois níveis que relaciono a questão do capital racial. Apresento uma análise de minhas próprias experiências nos espaços históricos que estudo, a fim de considerar como minha vida e conhecimento foram moldados por contextos históricos locais e imperiais. Nesse sentido, meu próprio pensamento reflete percepções específicas sobre os tempos em que foi produzido. Em última análise, minhas investigações sobre o capital racial derivam da necessidade de uma vida toda de compreender e explicar o mundo ao meu redor, de compreender melhor essa dinâmica e de trabalhar para facilitar a mudança social revolucionária para fazer um mundo melhor.

Brooklyn na década de 1980: contradições da supremacia branca sobre a solidariedade de classe

Muito antes de isso se tornar um sério problema intelectual que eu tenha investigado pessoal e profissionalmente, as questões de classe e raça surgiram como contradições dentro e ao redor da minha vida. No início dos anos 1980, aos 13 anos, me mudei para Crown Heights, Brooklyn. Fui imediatamente confrontado com um racismo antinegro mais escancarado, que ia muito além do que antes se limitava às restrições liberais de negação polida, performances e exibições de invisibilidade racial [colorblindness] e apagamento constante de detalhes ou especificidades raciais reais. Testemunhei diariamente o racismo antinegro extremo entre a maioria dos adeptos das seitas judias ortodoxas e hassídicas que viviam naquela área, o qual estava enraizado no racismo branco generalizado de Nova York naquela época.2 A violência retórica em minhas escolas e entre pessoas que conhecia às vezes explodia em violência física nas ruas.

Esses foram os anos da bolha yuppie pré-crash de Ronald Reagan, sintetizada, para muitos da minha geração, pela arrogância e pela prepotência do personagem principal de Tom Cruise em Top Gun. Em 1984, um vigilante racista no metrô estava sendo muito celebrado pelo que parecia ser metade da cidade. Alguns anos depois, Donald Trump pediu publicamente a execução de adolescentes suspeitos no famoso caso de estupro no Central Park. George H. W. Bush assustadoramente declarou “morte aos traficantes de drogas” em sua convenção de nomeação em 1988. O complexo industrial prisional era o complexo industrial mais novo e de mais rápido crescimento. Por um período de reconhecida invisibilidade racial, a tensão racial e até o racismo fervilhante estiveram por toda parte na cidade de Nova York. Ele permeou a cultura popular como um todo. Gangues de adolescentes racistas e aspirantes a vigilantes armados estavam presentes em meu bairro, e mais gangues armadas sinistras vagavam como forças de segurança autodesignadas. Na época, o programa de rádio de Howard Stern apresentava piadas abertamente racistas todos os dias, que as crianças na escola repetiam e tocavam na hora do almoço.

Aos 15 anos, fui suspenso por uma semana de meu colégio religioso em Washington Heights por me recusar a me retratar por um artigo que havia escrito admirando os princípios de Karl Marx e Friedrich Engels, pelo menos como os entendi nesse primeiro encontro, baseado principalmente em verbetes da enciclopédia e nas páginas iniciais do Manifesto comunista. Nos anos seguintes, em minha busca por uma teoria crítica para explicar o mundo, encontrei, pela primeira vez, as análises de classe, mas essas foram incapazes de explicar, de maneira adequada, o evidente racismo e a violência potencial que eu estava enfrentando na escola e nas ruas próximas ao Eastern Parkway. Eu, portanto, nunca tive muita liberdade para sustentar uma atitude purista, privilegiando a classe sobre a raça, embora, primeiramente, tenha aprendido mais sobre classe do que sobre raça e, provavelmente, no início, tenha mantido certo viés de classe devido à esmagadora precisão e profundidade de Marx e sua obra.

Ao longo dos anos 1980, 1990 e na década de 2000, encontrei essa tensão continuamente na academia, nas organizações de esquerda e nos espaços ativistas. Havia uma orientação consistente e decidida a favor da classe. Frequentemente, praticava-se, de forma aberta, um reducionismo de classe sobre e contra raça ou qualquer outra forma de “identidade”, como gênero, sexualidade ou deficiência. É claro que houve exceções, que comecei a buscar ativamente, mas essa orientação foi e continua sendo a regra. Vivemos em um mundo em que muitos marxistas de vários tipos, com a mais elevada das intenções, há muito, defendem a noção de classe como a unidade primária ou fundamental de análise da qual todas as outras emergem ou descendem, ou emanam secundariamente, como um apêndice; a única identidade universal potencial que pode unir uma porção suficiente das massas para efetuar uma mudança revolucionária.

Intifadas beduínas e fluxos de mão de obra cruzada na Palestina ocupada: entre a Primeira e a Segunda Intifadas

Na primavera de 1987, cheguei a Jerusalém, menos de um ano antes que a primeira Intifada Palestina explodisse na história, abalando a complacência da ocupação perpétua. Desamarrado de ideologias seculares ocidentais herdadas e das novas ideologias religiosas, eu estava preparado para ir mais fundo nas explicações marxistas e em outras explicações radicais sobre o estado do mundo. No Center of Friends World College, em Jerusalém, estudei antropologia, filosofia e marxismo sob uma série de professores progressistas, e ocasionalmente radicais, mergulhados no pensamento dos anos 1960 e 1970. Li o livro devastador de Edward Said, A questão da Palestina, que detalha o teor racial europeu e profundamente colonial do nacionalismo israelense. Sua obra esclareceu toda uma série de mitos codificados em minha subjetividade imperial americana de facto, na qual eu tinha navegado inconscientemente até então. Também li a Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire; Os condenados da terra, de Frantz Fanon; um livro de ensaios de Che Guevara; e outros clássicos fundacionais do pensamento marxista, revolucionário e canônico ocidental. Tudo isso ajudou a orientar os meus estudos e a minha compreensão do capitalismo racial.

Nos anos seguintes, conduzi investigações etnográficas e político-econômicas sobre as lutas de reassentamento forçado enfrentadas por metade das comunidades beduínas em Israel, com casos comparáveis no Egito e na Palestina ocupada. Os fundamentos da economia política eram centrais a cada ponto, mas nunca remotamente desassociados da raça. Os governos colonialistas britânico e israelense, de forma sucessiva, se recusaram a reconhecer os registros de terra da era otomana, os quais mostravam os beduínos como os seres humanos complexos que eles são, é claro. Os beduínos, há muito, praticavam o pastoreio anual de lotes específicos e cultivam wadis e campos.3 Eles construíram casas e comunidades, bem como mesquitas, preservando terrenos ancestrais, poços e bacias de captação de água, cemitérios e até mesmo antiguidades. Entretanto, os governos coloniais, com seu pensamento eurocêntrico compartilhado, consideram o beduíno predominantemente pastoril como próximo ao fundo de sua (imaginária) escala evolucionária de formas culturais.

Os povos beduínos são forçados a entrar em programas de reassentamento militarizados, os quais são redigidos em termos modernizadores e missionários, e terminam em cidades planejadas. Por meio desse processo, eles têm que abrir mão de todas as reivindicações legais às suas terras e são socialmente transformados em proletários, vivendo em prédios de apartamentos voltados a famílias nucleares em vez de suas tradicionais estruturas familiares estendidas do campo.4 Sete cidades beduínas planejadas estão estrategicamente posicionadas bem ao lado das áreas industriais mais tóxicas e remotas de Israel, incluindo indústria nuclear e outras indústrias pesadas. Cerca da metade da população beduína foi removida à força, com grande pressão e violência, para esses guetos planejados.

A outra metade resiste, década após década, se agarrando às suas terras de qualquer maneira possível. O plano do Estado para recondicioná-los como um proletariado rural que vive em grandes complexos de apartamentos em partes remotas do deserto se torna mais violento a cada ano, com demolições de casas no estilo da Cisjordânia. O estado destruiu vilas beduínas inteiras, como Al-Araqib, que se tornou famosa por ter sido demolida e reconstruída mais de 175 vezes por seus dedicados residentes. Desde os anos 1980, essa metade da crescente população beduína do sul de Israel tem se recusado firmemente a abrir mão de suas terras tradicionais e de suas formas culturais, bem como de seus modos de produção baseados na terra. Ter suas terras expropriadas por meios legais é, hoje em dia, uma experiência comum entre as sociedades baseadas na terra, pois o capitalismo se alimenta em uma zona de incorporação de constante expansão. Somente a resistência de pessoas cada vez mais isoladas limita esse roubo.

Entre os judeus em Israel, havia hierarquias de classe profundas e intensas, construídas, em grande parte, em torno de noções europeias de raça que colocavam os Ashkenazim (judeus europeus, ao que tudo indica, culturalmente mais brancos) sempre no topo, os Sephardim (judeus espanhóis, mediterrâneos ou do sul) sempre um degrau abaixo em termos de poder em todos os níveis da sociedade, e depois os Mizrahim (judeus árabes) na base da hierarquia — isto é, até que judeus iemenitas e etíopes ainda mais racializados tivessem chegado em números para ocupar a posição inferior. Os beduínos, como palestinos sujeitos a suas próprias hierarquias internas nas quais os urbanos e camponeses muitas vezes se sentiam superiores, não eram sequer considerados parte da grade de classes israelense. Sua localização racial como “tribal” em seu modo primário de subsistência (pastoreio) os colocou fora da sociedade de muitas maneiras, ou em seu nível mais baixo, uma parte periférica do conjunto sistemicamente ocupado e oprimido dos palestinos como um todo.

Assim, os beduínos não eram os únicos racializados, pois os israelenses também estavam racialmente envolvidos, não sendo apenas atores e exploradores de classe neutros.5 Esse ponto ficou muito claro para mim ao trabalhar com cientistas israelenses no Instituto de Pesquisa Sede Boker Desert. A maioria dos cientistas vivia muito afastada de seus vizinhos beduínos imediatos, que frequentemente eram o foco explícito de suas pesquisas. Isso também era evidente no forte contraste entre os habitantes judeus suburbanos de Be’er Sheva (Bir Saba), com seus gramados de classe média com irrigação automática subsidiada, em comparação às comunidades beduínas inteiras do outro lado das cercas de arame farpado, que dispunham de uma única torneira de água para mais de cem pessoas e trezentos animais.

As comunidades beduínas foram todas rotuladas como ilegais por Israel, de modo que receberam pouco ou nenhum serviço, como escolas e clínicas. Elas não receberam alocações de infraestrutura para água, estradas, eletricidade, banda larga, bombeiros, polícia etc. Essas horrendas manifestações do capital racial, que encontrei pela primeira vez ao trabalhar com líderes e ativistas comunitários beduínos, continuam voláteis e difíceis de discutir, mesmo hoje. Como um adolescente fazendo este trabalho, o racismo sionista e a brancura em Israel tinham chegado a uma clara visão etnográfica, mas tudo isso transcendia a maior parte da aceitabilidade acadêmica. Essa situação se mantém um tanto constante, mesmo que um novo e importante terreno crítico tenha começado a surgir em algumas discussões comunitárias estadunidenses e judaicas sobre Israel, que se concentram em suas alarmantes tendências racistas e fascistas. Quando brevemente abordadas em meios ocidentais, a opressão e as lutas dos beduínos são tratadas em termos a-históricos simples, em geral, com uma projeção romantizada abraâmica baseada em suposições alocrônicas de que os pastores representam um vislumbre literal de tempos antigos. Quase ninguém se envolve com o componente racial da dinâmica de opressão dos palestinos em geral, muito menos com o caso específico dos beduínos Negev/Naqab, que, agora, são considerados uma minoria racial de terceira ou quarta classe dentro de Israel.

Colonialismo, subdesenvolvimento e capitalismo racial entrincheirado na costa do Quênia

No verão de 1990, no início do meu último ano de graduação, cheguei ao Quênia me considerando um cientista social marxista especializado em etnografia. Tinha acabado de escrever meu primeiro trabalho etnográfico completo, um estudo de duzentas páginas sobre a cidade de Dahab, localizada na Península do Sinai, fornecendo uma descrição espessa do turismo barato/hippie, análises fundiárias e trabalhistas da marginalização beduína nas mãos de empresários do Cairo e do vale do Nilo, e uma análise histórica mundial das mudanças econômicas ao longo de três séculos. Agora, eu precisava entender a história político-econômica do Quênia, uma das poucas colônias de colonos brancos na África. Empreguei três dos estudos mais sofisticados e críticos sobre o colonialismo no Quênia disponíveis na época: The Economics of Colonialism: Britain and Kenya, 1870–1930 [A economia do colonialismo: Grã-Bretanha e Quênia, 1870–1930], de Richard D. Wolff; Colonial Capitalism and Labour in Kenya, 1919–1939 [Capitalismo colonial e trabalho no Quênia, 1919–1939], de Roger van Zwanenberg; e o volume materialista Class and Economic Change in Kenya: The Making of an African Petite-Bourgeoisie [Mudanças econômicas e de classe no Quênia: a construção de uma pequena burguesia africana], de Gavin Kitching. Esses tratados político-econômicos igualmente brilhantes trouxeram rigor acadêmico e proporcionaram uma precisão esmagadora às descrição de sistemas coloniais brutais de exploração, cujos vestígios me cercavam. Era tudo muito real e poderoso, mas o impressionante era também que essas economias políticas eram descritas quase que puramente em nível de infraestrutura, olhando para a produção, o trabalho, a tributação forçada, os vieses de exportação do grande latifúndio e o desenvolvimento econômico. Somente no final essas obras se aventuraram a um breve olhar sobre os reinos e as variáveis culturais, que foram claramente considerados como sendo de um status muito menor, derivado. Esses estudos tornaram-se minhas infraestruturas, eu os adotei, pois estavam totalmente corretos no que eles estabeleciam, e pude aplicá-los com especificidade e detalhes atualizados à minha própria esfera de experiência e estudo na costa queniana. Mas eu também tinha plena consciência de que pelo menos metade da história estava faltando.

Cultura, identidade e raça, em geral, vistas como parte da superestrutura, estavam moldando e determinando muitas das dinâmicas sociais críticas que eu observava e experimentava. Esses fatores operavam em tensão com as forças materiais estruturais fundamentais e, às vezes, as contradeterminavam. E, segundo meu trabalho de campo, às vezes até predominavam operativamente. David Parkin, um antropólogo, havia notado essa relação em seu trabalho com as comunidades Mijikenda, na costa. Fred Cooper, em From Slaves to Squatters, destacou tais questões culturais em sua história das comunidades costeiras. Isso espelhava quase perfeitamente o contexto histórico de meu trabalho etnográfico em Shariani, uma aldeia de 4 mil pessoas a cerca de trinta e cinco quilômetros ao norte de Mombaça.

Com base em meu trabalho de campo etnográfico discursivo, escrevi uma tese de 550 páginas, Processes of Change in Shariani, Kenya: Ideological, Institutional and Infrastructural Levels [Processos de mudança em Shariani, Quênia: níveis ideológicos, institucionais e infraestruturais]. Esse trabalho refletia o pensamento marxista mecanicista do período, assim como a influência dos estudiosos marxistas israelenses, palestinos e britânicos que eu havia encontrado. Dividi meu estudo em seções principais: 1) uma história decolonizada; 2) superestrutura: etnia, raça e identidade; 3) estrutura social: geografia, educação, religião e direito; e 4) infraestrutura: trabalho doméstico, divisão de gênero do trabalho e uma análise da terra rastreando todas os lotes conhecidos até a escravidão e sua codificação colonial de 1922–1924 como propriedade privada. Embora a alienação da terra e o consequente aumento da necessidade de trabalho assalariado para sobreviver fossem as principais forças motrizes, havia uma importante determinação multidirecional em relação a cada questão examinada. Por exemplo, enquanto eu estava escrevendo, uma Mesquita se dividiu com base em raça/classe, irrompendo em violência ocasional após um descendente de um antigo grande proprietário de escravos da área ter sido diretamente desafiado por seu racismo. O racismo foi colocado como um veículo primário discursivo e explicativo em todos os lugares onde o poder era expresso, muitas vezes determinando e formando o acesso ao capital, aos recursos e a muitas formas de trabalho.

Enquanto eu estava fazendo trabalho de campo em Israel, no Egito e no Quênia, no final dos anos 1980, os debates acadêmicos da época ainda refletiam os anos 1970, com preocupações em relação à teoria da dependência e se uma abordagem atualizada do modo de produção asiático poderia ser adotada em relação a regiões não ocidentais, como a África. Por meio dos trabalhos de Claude Meillassoux, Jean Suret-Canale, Georges Balandier, Antonio Gramsci, Amílcar Cabral e Catherine Coquery-Vidrovitch, procurei inúmeras maneiras de explorar a cultura mais profundamente dentro do marxismo. Comecei a questionar os modos ocidentais de pensar e escrever sobre a África e o resto do mundo. A lente intelectual através da qual os “modos de produção africanos” completamente distintos poderiam fazer sentido estreitados e esmagados sob o peso de suas próprias suposições eurocêntricas e evolucionistas.

Uma parte importante dessa mudança foi uma séria consideração de Walter Rodney em Como a Europa subdesenvolveu a África. Ele definiu irrevogavelmente a natureza relacional da economia política internacional, a conexão entre subdesenvolvimento e superdesenvolvimento. Os efeitos de seu trabalho não foram assimilados de imediato por muitos na academia, resistentes a suas políticas decoloniais. No entanto, suas implicações foram mais sísmicas, ou temporalmente perturbadoras, pois suas reverberações continuam até hoje. As verdades fundamentais que ele elucidou tornavam-se cada vez mais concretas e visíveis. É um desses fatos incômodos que, uma vez nomeados e vistos, se tornam inegáveis para os honestos, permanecendo, para muitos, como um pesadelo de autoconsciência e responsabilidade política evitada por meio de qualquer artifício, sofisma burguês ou autoengano. Europa e África, o Ocidente e suas antigas (ou atuais) colônias e neocolônias, são fundamentalmente relacionais em vez de unidades de análise separadas.

Com esses insights, ainda era necessário encontrar análises profundas sobre raça e colonialismo, ou sobre o capital racial nesse contexto, bem como um trabalho focado no socialismo africano. Lancei mão de teorias dentro da tradição pan-africana para abordar algumas das principais dinâmicas que estava encontrando no campo.6 Este trabalho ajudou a entender como discursos de respeitabilidade com raízes coloniais foram codificados na escravidão racial de estilo ocidental em Zanzibar e na costa do Quênia, que carregavam toda a sua bagagem epistêmica e racial. A isso se seguiu um período de intenso domínio colonial, que aprofundou e solidificou, em grande parte, o que já era um campo minado de dinâmicas emergentes de identidade de raça/classe, alavancando, de maneira proposital, e, algumas vezes, inventando disputas locais em torno das quais se corrompiam protegidos leais, por meio de sua vontade de explorar seus vizinhos.

Enquanto Cooper oferecia uma historiografia materialista magistral que narrava a continuidade da riqueza e do poder entre os principais períodos históricos na costa da África Oriental, ele apenas abordou, de forma superficial, a dinâmica pivotal e decisiva da identidade. Minha pesquisa indicou que as identidades raciais, após 1830, e suas relações esquemáticas históricas com o poder eram o vetor mais determinante para a previsão de resultados sociais ao longo da costa queniana. Enraizadas em camadas de linguagem e cultura de respeitabilidade baseadas na escravidão, coisas como quem era considerado árabe, muçulmano ou suaíli contra quem era considerado giriama, kauma, digo ou, geralmente, membros da Mijikenda e, portanto, africanos (isto é, “africanos de reserva”, que precisavam de cartões de passe para viajar ou trabalhar sob o domínio colonial) determinavam quem vivia onde, que empregos estavam disponíveis, quem podia e possuía terra e onde. Localizados de forma mais ambígua e sorrateira estavam os muitos descendentes daqueles que haviam sido escravizados (até 1907), a maioria no século XIX, e aqueles que eram, em grande parte, agora aculturados nas comunidades Mijikenda/Swahili, de maioria muçulmana, que se estendem dos extremos rurais aos urbanos, mas, em geral, fora ou na periferia dos centros islâmicos urbanos mais elitizados das grandes cidades históricas.

Guerras culturais e resistência à interseccionalidade desde os anos 1990

Na época em que cheguei à pós-graduação, nos anos 1990, a questão do reducionismo de classe e da resistência aos crescentes movimentos políticos de identidade parecia afligir abertamente muitas das principais vozes da esquerda — de Noam Chomsky e Ralph Nader a veteranos dos movimentos de direitos civis. Muitos argumentaram que demasiadas questões ou diferenças de identidade estavam dividindo o movimento, insistindo que somente a classe poderia uni-lo. Alguns marxistas se esforçaram muito para deslegitimar ou refutar Said, demonstrando uma grande falta de compreensão e alinhando-se, de forma embaraçosa, com adeptos conservadores e até mesmo coloniais do orientalismo. Uma perturbação semelhante aconteceu em torno do argumento anterior de Cheikh Anta Diop de que a civilização europeia era influenciada pelos africanos e pela Atena Negra de Martin Bernal, destacando que a civilização do Egeu era influenciada pela cultura egípcia e fenícia. A isso se seguiu um tumulto contra as implicações radicais e disciplinares desses debates. Também tivemos o “Debate da Guetização”, de Philip Curtin, nos Estudos Africanos, demarcando claramente e tornando visíveis pontos fracos relacionados a raça e poder dentro de um campo que tinha experimentado diretamente as intervenções do Black Power e dos Black Studies no final dos anos 1960 e no início dos anos 1970.

Apesar dos poderosos e dos regressos dentro de alguns círculos e espaços de esquerda, as rupturas epistêmicas e interseccionais e as aberturas dos anos 1960 têm se manifestado no pensamento e nas práticas presentes em algumas de nossas instituições. As novas gerações de estudantes estão imersas não apenas no multiculturalismo ou na tolerância da década de 1990, mas na diferença — diferença como algo positivo — e na interseccionalidade. Esse avanço, guiado pelo amor, é um esforço rastejante e difícil, enfrentando constantemente a repressão e a cooptação, a institucionalização e a eliminação.

Na década de 1990, à medida que as “guerras culturais” estavam surgindo e se endurecendo, muitos de nós, em movimentos sociais em campi e em comunidades, estávamos falando uma linguagem de multiculturalismo radical. Estávamos articulando organizações ALANA (africanos, latino-americanos, nativos e asiáticos) e outras formulações radicais de gênero e sexualidade de inclusividade complexa. Em nossa práxis, estávamos codificando e encenando linguagens e práticas em torno da categoria da sub-representação, que, portanto, poderia abarcar múltiplos eixos de diferença em nossas mobilizações. Na pós-graduação da State University of New York, em Binghamton, herdamos o conhecimento coletivo e as manifestações institucionalizadas das lutas anteriores, a partir de 1968, com o surgimento da Black Student Union e da Latin American Student Union, em 1969, seguida do Woman’s Center, do Muslim Student’s Association, de várias formulações de espaço queer ou LGBTQ e de uma luta que garantiu um novo vice-presidente para Assuntos Multiculturais, que representasse todas as comunidades e grupos sub-representados no campus no nível executivo do governo estudantil. Lutamos por um currículo mais diversificado, contra o armamento da polícia com armas e spray de pimenta no campus, para manter nosso serviço cooperativo de ônibus de propriedade de estudantes e contra o racismo e a supremacia branca. Ocupamos prédios e fomos pulverizados com spray de pimenta e brutalizados por seguranças contratados.

Esses movimentos eram liderados por estudantes de graduação negros e da classe trabalhadora, em sua maioria mulheres. Professoras negras, como Carole Boyce Davies e Maria Lugones, trabalhavam conosco e nos orientavam. Líderes ativistas tinham aulas com professores radicais. Usávamos as ideias mais críticas que tínhamos aprendido como um guia para a nossa práxis, testando, dessa forma, as posições radicais em campo, diariamente, em batalhas por governança, mobilizações, estruturas organizacionais, políticas de associação e estilos de liderança dentro da faculdade.

A partir dessa experiência, os estudantes iniciaram dois grupos de pesquisa, que acabaram atraindo os melhores professores do campus e os principais pensadores de todo o mundo. O Grupo de Trabalho sobre a Colonialidade foi iniciado por três alunos (sendo eu um deles) intimamente ligados aos movimentos sociais do campus. Manteve políticas internas radicais, buscou formulações teóricas novas que ultrapassaram paradigmas, por vezes culminando em uma série de grandes conferências que atraíram convidados brilhantes, incluindo Aníbal Quijano e Sylvia Wynter várias vezes, bem como Enrique Dussel, Walter Mignolo, Ifi Amadiume e Fernando Coronil. Em seus primeiros anos, era mais independente e flutuante do que sua iteração posterior, no Fernand Braudel Center for the Study of Economies, Historical Systems and Civilizations

O Comitê Walter Rodney era um pouco menor. Saiu das discussões de uma disciplina, “A África no sistema mundial”, que eu estava ensinando, na qual estávamos lendo Como a Europa subdesenvolveu a África. Estávamos nos revezando na leitura de parágrafos em um círculo (durante uma ocupação estudantil), como aprendi na prática com o meu mentor marxista Ewan MacColl, e também com Freire. Observamos que Binghamton tinha sido um dos destinos anuais de Rodney quando ele viajava para pagar contas e manter sua presença na Guiana, contra as esperanças da ditadura de que, ao impedi-lo de trabalhar no país, o forçariam a abandonar sua liderança política nacional na Working People’s Alliance e partir. De 1996 a 1999, nos reunimos regularmente para estudar e discutir seu trabalho de maneira mais profunda. Construímos campanhas para trazer à tona conscientização e suas memórias históricas no campus, como uma espécie de homenagem adequada ou proporcional, incluindo uma bolsa de estudos para alunos sub-representados. Nós pressionamos pela nomeação do movimento estudantil em sua homenagem. Em 1998, os alunos organizaram uma conferência internacional de três dias chamada “Retomando o legado de Walter Rodney”. Wynter e George Lamming deram palestras brilhantes, pessoais e profundas. Patricia e Asha Rodney compareceram e participaram ativamente durante todo o evento. Estudiosos importantes participaram, incluindo Vincent Thompson, Joseph Inikori, JF Ade Ajayi, o embaixador Dudley Thompson, James Turner, Rupert Lewis, Ed Ferguson, Rupert Roopnarine, Michael West, Cecil Gutzmore, Davies, Immanuel Wallerstein, Ali Mazrui, Nkiru Nzegwu e muitos outros. Houve dois painéis de pesquisa e ativismo estudantis e uma sessão de lançamento de livros. Todos os dias, fornecíamos refeições caseiras incríveis feitas por grupos de estudantes africanos, caribenhos e do sul da Ásia para centenas de convidados. Essas refeições eram parte de uma resistência aberta às ofertas medíocres e caras da Sodexho-Marriott, que tinha um monopólio caro de alimentação no campus. Trabalhamos muito para fornecer essa opção de comida alternativa, dado o passado pró-apartheid da empresa e sua oposição aos movimentos estudantis antiapartheid nas décadas de 1970 e 1980.7

As reuniões de ambos os grupos, o trabalho dentro dos grupos e as conferências durante o final da década de 1990 foram parte de algo significativo e pioneiro. Eles foram os precursores, como acontecia em outros lugares, de genealogias da colonialidade e da teoria decolonial, baseadas nas obras anteriores de Quijano e em nossos movimentos sociais, antes do crescimento generalizado desse campo no início dos anos 2000. A presença e a participação ativa de Wynter em ambos os projetos foi muito importante. Ela ajudou a unir completamente as esferas de cultura e língua espanhola e inglesa, e os movimentos de pan-africanismo e colonialidade que havíamos mobilizado para trazê-la ao campus para um maior envolvimento. Sua abordagem e sua síntese levaram em conta marxismo, pan-africanismo, anticolonialismo, raça e racismo, gênero, colonialismo, sexualidade, Estado-nação, estruturas familiares, destruição ambiental e muito mais. Durante esse tempo, minha compreensão do capital racial foi enriquecida por meio do envolvimento profundo com o trabalho de feministas negras e feministas radicais transnacionais, como Audre Lorde, Angela Davis, Barbara Smith e Chandra Talpade Mohanty, bem como de outros revolucionários, como Cabral, Stokely Carmichael, Fanon, Huey Newton, Yuri Kochiyama, Fred Hampton e Malcolm X.

Mudanças discursivas e epistêmicas na academia e seus equivalentes no discurso popular muitas vezes parecem lentas, mas de efeito tectônico. Em Binghamton, como em qualquer outro lugar da época, departamentos inteiros e debates acadêmicos em torno da história do trabalho se desenrolaram por décadas como se o trabalho fosse apenas branco, ou como se o trabalho não branco pudesse ser classificado como uma categoria secundária especial. Lembro-me de perceber que a Dra. Davies estava no Departamento de Inglês, mas também entre aqueles do Programa de Literatura Comparativa, lutando por reconhecimento e igualdade de recursos, embora este representasse todas as pessoas e culturas do mundo, e não apenas uma única nação ou idioma. Recentemente, a sociologia está vivendo um possível acerto de contas racial enquanto disciplina, graças ao livro de Aldon Morris, The Scholar Denied [O acadêmico negado], que destaca as contribuições fundamentais há muito suprimidas de W. E. B. Du Bois para o campo de estudo. De forma mais ampla, o argumento de que a escravidão racial (e às vezes, por extensão, o trabalho colonial e neocolonial racial depois disso) sempre foi central para o capitalismo está, por fim, recebendo alguma atenção séria. Essa já não é uma perspectiva completamente evasiva e indesejável, que, de forma automática, perturba os colegas e faz com que você seja considerado um ideólogo. Curiosamente, na medida em que este elefante na sala da história dos EUA está agora se tornando um pouco mais visível no discurso dominante, isso, em geral, se dá por meio de trabalhos mais recentes, de estudiosos em sua maioria brancos e oriundos de escolas da Ivy League, sem muita — ou com nenhuma — referência a toda a escola dos progenitores pan-africanos dessas questões.8 Um grande exemplo é o excelente trabalho de Edward Baptist sobre a centralidade da escravidão para o capitalismo dos Estados Unidos, que, apesar de ser inovador em seu título e em uma grande quantidade de evidências, ainda assim deixa de retomar a vasta e criticada literatura que apresentou esses argumentos antes dele.9 O brilhante Projeto 1619, do New York Times, também forçou grande parte da sociedade americana dominante — que, em geral, permanece profundamente isolada de tais conexões — a encarar um acerto de contas com o seu passado. Embora aqui também esse esforço esteja um tanto desconectado da erudição e da agitação radical que o tornou possível, estando mais fundamentado nos sistemas mundiais abrangentes do Atlântico (e do Oceano Índico) desde o final do século XV.

De forma geral, parece que ainda temos que construir investigações acadêmicas sustentadas acerca dessas questões fundamentais que estão embutidas em suas raízes radicais negras, revolucionárias e anticoloniais. Ou, mais precisamente, essas fundamentações permanecem raras em todo o nosso sistema mundial contemporâneo, embora valha a pena procurá-las e escavá-las, assim como vale a pena lutar por elas. Também posso dizer que o estilo organizacional e a complexidade, e a centralidade de mulheres negras queer e de mulheres de cor nos movimentos Black Lives Matter, ao contrário das tendências hetero-masculinistas normalmente encontradas em tais espaços, pareciam familiares e faziam sentido para mim. É lógico e representativo de mudanças que continuamos a solidificar desde as rupturas das categorias culturais e epistêmicas na década de 1960, como Wynter e outros explicam.

Em última análise, as abordagens reducionistas de classe estão presas na violenta colonialidade, cronicidade e epistemologia das estruturas ocidentais contra as quais estão posicionadas. Condenações severas e brilhantemente inegáveis ​​dos perigos da cooptação (em especial, a pequeno-burguesa), que levam à reprodução final dos próprios sistemas contra os quais as rebeliões são intencionadas, podem ser vistas em textos desde A revolução dos bichos, de George Orwell, até quase qualquer uma das obras de Walter Rodney, bem como em muitas instâncias políticas.10 Críticas desse tipo, em geral, se concentram nas manifestações de classe desses processos epistêmicos repetidos, mas tais processos se agrupam em torno de todos os eixos da diferença socialmente construída. Sistemas de poder sob essa ordem (o que Wynter chama de a “Era do Homem”) repetem esses processos cooptativos em cada uma das formas de diferença e proliferam especialmente em suas intersecções. Indivíduos, instituições, discursos e, às vezes, sistemas epistemológicos inteiros estão sujeitos, são produtos ou participam dessas forças e dinâmicas. Ver além da classe amplia, em vez de diminuir, a precisão dos aspectos de classe dessa crítica. Wynter fornece a linguagem que ajuda a reunir tudo isso. Ela explica que o “modo de ser burguês” é sempre fundamentalmente racial, sempre sobre relações de classe em seu sentido mais profundo, sempre de gênero e sexualizado, e sempre sujeito às complexidades da cidadania e das relações dos Estados-nação, como deficiência, idade e todas as complexidades de nossas vidas reais, incluindo nossas subversões transraciais e nossas identidades trans que ameaçam a binariedade que torna possíveis as relacionalidades Eu/Outro.

Devemos reconhecer que uma grande parte da esquerda nos Estados Unidos e globalmente (em particular, na Europa) — incluindo muitos marxistas, ativistas trabalhistas e acadêmicos entre eles — juntou-se à direita ocidental na condenação da política de identidade e suas visões multiculturais de complexidade e representação. Da mesma forma, é interessante que Orientalismo, de Said, foi o texto que abriu à força tantas questões no nexo conhecimento/poder, causando tanta consternação até hoje nos círculos orientalista e classicista e em alguns círculos marxistas. Essa angústia está amplamente divorciada da especificidade palestina do autor, e, em grande parte, não tem referência nas tradições pan-africanas, as quais prefiguraram a maior parte desse debate em detalhe profundo, e que Said, para seu crédito, incorporou em seu trabalho posterior. Certamente, houve grandes diferenças de tom, estilo, intenção e efeito, e essa é uma comparação que só pode ser feita com nuances, mas é uma associação que deve ser desconfortável e merece uma análise muito mais detalhada. Este é o tipo de coisa muitas vezes atribuída a “desatenção” e “acidente”: quando uma falta de diversidade institucional prevalece e uma monocultura deixa de se reconhecer como monocultural, ou deixa de reconhecer seus próprios lapsos monoculturais.11

Mas, mais diretamente, em resposta, por que deveria o marxismo — que, em sua melhor forma, se identifica de maneira tão transfigurativa com o ser humano, com aquilo que é humano e com nossas esferas cada vez menores de família e comunidade e amor, lutando para sobreviver sob os vários sistemas de opressão em que nascemos ou aos quais nos encontramos sujeitos — circunscrever a constituição de seus sujeitos humanos, ao invés de abraçar e se fundamentar nas especificidades histórico-culturais dos seres humanos reais que se libertam? De forma alternativa, que tipos de marxismo nos permitem centralizar os eixos históricos primários de identidade que sustentam a modernidade, ainda incluindo fundamentalmente classe, mas também raça, gênero, sexualidade, capacitismo, nacionalismo, cidadania, religião, idade e assim por diante, em qualquer forma que essas especificidades se apresentem, em qualquer forma que as pessoas articulem suas incorporações a lugares e tempos particulares?

Expandindo o lugar da cultura e da superestrutura na dialética da revolução
Minha pesquisa atual situa as origens do capitalismo e do racismo dentro de seus contextos norte-africanos e atlânticos, seguindo Ella Shohat ao ligar a Reconquista e a Conquista. Lendo os primeiros exploradores, fica claro que a maioria das formas emergentes de classe, trabalho e exploração de recursos já estavam muito codificadas racialmente e legitimadas por novas conceitualizações fixas do humano e do não humano. Sem noções emergentes de superioridade racial, as bulas papais orientando os conquistadores portugueses e espanhóis a tomarem suas respectivas metades do mundo (já habitado) não teriam feito muito sentido. Os reis portugueses parecem ter financiado barcos, tripulações e, especialmente, capitães com os históricos mais sanguinários e a maior probabilidade de retornar com a riqueza saqueada.

Para mim, uma questão determinante de nosso mundo moderno é a interpretação jurídica teológica espanhola e europeia em geral do que são, em seus distintos sentidos modernos, os primeiros humanos não humanos, delineada claramente desde seu início nos debates de Bartolomé de las Casas/Juan Ginés de Sepúlveda sobre o status — humano e reformável, ou não — dos “índios”, os cerca de 100 milhões de pessoas, talvez mais, vivendo há milênios em civilizações conectadas em todas as Américas. Uma vez tornados não humanos ou menos que humanos pela Reconquista/Conquista, o que abrangia todos os não cristãos como uma forma do “Outro” final e original, eles poderiam ser expropriados, exsanguinados, desmembrados ou privados de vida. Isso foi feito sob a supostamente justa perseguição da ampla categoria de “Agentes de Satanás”, uma construção teológica pronta do “Outro”, agora codificada em novas identidades fixadas e congeladas, especialmente aquelas dos povos das Primeiras Nações nas “Américas”. Wynter deixa claro que esse congelamento de identidades dentro de uma nova grade epistêmica rígida, que prevalece até hoje em suas várias formas primárias, localizou-se de forma ainda mais particular em relação aos corpos de africanos e negros em todos os lugares. Ele foi empregado para justificar a escravidão transatlântica racial e tem sido um componente central na lógica devastadora do capital.12

Dentro desse relato, é necessário delinear sua complexidade e seu subsequente apagamento generalizado dos sistemas mundiais, impérios e civilizações que precederam nossa modernidade, impulsionado como é pelo capitalismo europeu/ocidental, que, ao que tudo indica, não pode suportar estruturalmente essa informação, tornando sua recuperação volátil e importante.13 A nova epistemologia do genocídio, das crucificações em massa e da conquista sagrada dos cruzados violentos surgiu em contradistinção direta ao que Janet Abu-Lughod descreveu, de forma brilhante, como o sistema mundial do século XIII, ou os sistemas do Velho Mundo que persistiram por milênios até a ascensão dos sucessivos sistemas mundiais capitalistas.14 Embora essa seja uma das minhas obras radicais favoritas da história em sua metodologia e sua nuance, seu escopo, seu brilho e sua precisão, ela, inadvertidamente — mas de forma imperdoável –, deixa quase toda a África de fora de sua vasta reconstrução, quase na mesma medida das narrativas coloniais com as quais ela, de maneira explícita, tentava romper. Esse problema é, sobretudo, uma questão de conhecimento específico, uma ampla falta de informação e o fato de que as histórias do Oriente Médio, do Oceano Índico e da Ásia foram tão efetivamente isoladas de suas contrapartes africanas (muitas vezes sobrepostas). Em vez de lutar com suas suposições subjacentes, que são profundas e dignas de envolvimento em todo o seu espectro, prefiro adicionar a metade africana que ela deixou de fora, de modo que os grandes reinos, os megaestados e os impérios do oeste, do norte, do leste, do centro e do sul africanos sejam todos trazidos de volta ao centro desses sistemas antigos. Pela minha leitura das intenções revolucionárias em seu trabalho, presumo que ela teria aceitado minhas adições a seu poderoso modelo de contrapeso.

Mais trabalho precisa ser feito sobre a conceituação evolucionista inaceitável que está no cerne da maioria do pensamento colonial reacionário, mas também, de forma mais preocupante, no centro de algumas das insurgências mais revolucionárias contra essa ordem. Noções de estágios culturais e político-econômicos evolucionários singulares, unilineares e universais, infelizmente, se incorporaram a muitas críticas e entendimentos de esquerda da história. Tal pensamento esconde algo muito mais cataclísmico na realidade: o rompimento violento de uma nova episteme no século XV, que legitimou e foi baseada em identificações de Eu/Outro biocêntricas e relacionais, agora congeladas em rígidas manifestações hierárquicas e estruturas de poder. Precisamos trabalhar para desconstruir ainda mais o lugar do evolucionismo residual (e, às vezes, até mesmo ostensivo) no pensamento da esquerda.

Vamos reconhecer Lorde como uma pensadora marxista crítica, embora ela quase sempre seja relegada a outras esferas, como a poesia, o ativismo e o feminismo. Ela ofereceu uma crítica profunda e direta do capitalismo, a partir de sua própria vida e da de sua família dentro desse sistema, para a epistemologia da negação de que o capitalismo necessita. Lorde mapeou com perspicácia as diferenças em nosso discurso e práxis, e apresentou uma inversão profunda e clara da localização negacional central da diferença no pensamento ocidental — do locus da exploração ou da rejeição capitalista da diferença ao seu completo oposto: o reconhecimento, a amplificação, a aceitação e a celebração da diferença como positiva, geradora e central. Tudo isso se alinha e incorpora o conceito de Wynter de uma ruptura dos eixos normativos primários de poder e identidade sob a modernidade desde o final dos anos 1960. Lorde tinha uma profunda capacidade de pensar e viver interseccionalmente, antes mesmo de esse termo ter sido cunhado. Ela procurou discernir como a opressão e, portanto, a libertação funcionavam sob o capitalismo. É importante ressaltar que Lorde não abandonou a classe, o marxismo e uma crítica radical do capitalismo para apresentar sua análise interseccional de camadas adicionais de identidade e suas intersecções geometricamente complexas sob a égide do capitalismo transnacional imperial.

A batalha de Lorde foi diferente da de Cabral, menos óbvia ou direta no sentido de guerrilha militar, mas igualmente sociológica e cultural em seu esforço para conhecer melhor o inimigo contra o qual lutamos, a fim de superá-lo, reincorporá-lo e derrotá-lo. Infelizmente, não a vemos, em geral, incluída no panteão dos pensadores marxistas, e também não ouvimos com frequência suficiente sobre suas colegas marxistas, como Barbara Smith. Em grande parte, isso cai na própria categoria lordiana de não usar medidas burguesas de validade científica ou citabilidade teórica para desmantelar a academia, no sentido de não usar as ferramentas do mestre (acriticamente, porque isso é muito do que resta agora) para derrubar sua casa. Podemos e devemos extrair nossa teoria revolucionária de quem e de onde quer que ela surja na luta, seja reconhecida na academia como erudita ou digna de engajamento ou não.

Conclusões

Vivendo dentro da órbita e da epistemologia do núcleo da ordem imperial burguesa liberal-normativa hegemônica de nossos tempos, fui um filho trinacional de pais de Nova York, criado entre Toronto e Brooklyn. No início da minha adolescência, tive a sorte de ter várias oportunidades de deixar o quadro de referência epistêmico liberal ocidental dominante, como parte de uma comunidade teológica não ocidental e mediante a frequência a uma faculdade experimental radical. Nessa última, vivi e conduzi trabalho de campo em espaços culturais palestinos e Mijikenda não ocidentais de aguda opressão e resistência colonial e neocolonial. Por meio dessa experiência, compartilho com muitos daqueles que vieram de fora do Ocidente um certo ceticismo extremo sobre o potencial do Ocidente, especificamente de seu núcleo mais burguês, de se ver criticamente por uma perspectiva externa. Na verdade, a incapacidade da cultura burguesa de avaliar, de maneira crítica, a si mesma e aos outros ajudou a criar a população mais comprometida, ideologicamente capturada e condicionada, deseducada e inundada pela mídia de massa industrial do mundo, dada sua proximidade com o ápice do imperialismo e do poder cultural. Essa condição é verdadeira tanto para a extrema direita quanto para grande parte do centro convencional. Se a esquerda continua a se ancorar em estruturas não nomeadas primariamente brancas, burguesas ocidentais, capacitistas, heteronormativas e patriarcais, então devemos reconhecer até que ponto seu pensamento e seu potencial estão profundamente comprometidos desde o início.

Quando levamos o marxismo para fora de sua estrutura ocidental, descobrimos que somos menos sobrecarregados por suposições epistêmicas eurocêntricas ou ocidentais relacionadas. O livro de Rodney, The Russian Revolution: A View from the Third World [A Revolução Russa: uma visão do Terceiro Mundo], exibe algumas dessas problemáticas, em uma cápsula do tempo de quase meio século atrás, e mostra como algumas dessas questões estão muito enraizadas. Em nossa introdução ao livro, Robin D. G. Kelley e eu argumentamos que a concepção inicial de Rodney de “Duas visões do mundo” para o título oferece um poderoso modelo discursivo e até mesmo epistêmico de intervenção que desafia algumas das genealogias primárias de nossa ordem contemporânea de conhecimento crítico e sugere caminhos para descolonizá-lo ainda mais. Fora do Ocidente, e de forma paralela dentro do Ocidente colonizado ou não branco, as questões de raça e classe frequentemente se tornam mais soltas, mais fluidas e complexas, mais abertas à investigação, ao reconhecimento e à centralidade. A raça não pode ser suprimida tão facilmente, nem deveria ser, embora valentes esforços para tanto tenham sido feitos em todos os lugares. Nas mãos de Wynter, podemos dizer que sua obra se encaixa no pensamento marxista, como alguns gostariam que se encaixasse, ou devemos reconhecer o inverso, o quase herético, que a epistemologia do marxismo, junto com o resto da burguesia e o pensamento radical ocidental, está englobada em seu quadro de epistemes epocais do Homem e seus modos de ser hegemonicamente produzidos?

De forma mais especulativa, o que significa traçar genealogias alternativas de conhecimento sobre o capital racial? O que significaria avançar um eixo Ida B. Wells/Claudia Jones/Lorde/Davis/Wynter alicerçado em uma espécie de especificidade que o marxismo e as análises materiais tomam como força fundacional? É uma especificidade em que a classe nunca aparece separada de raça, casta racial, gênero, sexualidade, linguagem e outros inúmeros eixos de diferença construídos por pontos materialmente reais de articulação e reprodução individual e social. Esse é um tipo muito específico de marxismo e materialismo. É uma economia política embutida já nas especificidades raciais e coloniais de raça, classe, gênero, sexualidade, deficiência, idade, nacionalidade, cidadania, idioma, sotaque, religião, potencialmente positivo ao contínuo neurológico e à saúde mental e adepto das complexidades/hibrididades/interracialidades fronteiriças. Em um eixo Jones/Lorde/Wynter, também encontramos muitos outros, como Barbara Smith, Leslie Feinberg, Kathleen Cleaver, Elaine Brown, bem como homens como Rodney, Cabral, Che, Freire e todos os pensadores profundamente humanistas. Todos guiados pelo tipo de humanismo revolucionário que, em seu final, implica repensar e reformular as concepções do que somos como seres humanos, que já são sempre seres fundamentalmente sociais. Wynter mostra as visões mais claras de como um futuro pode começar a parecer, que ela chama de a “Era do Humano”, além da atual Era do Homem.

Assistência à saúde, comunidade, terra, habitação, segurança e alimentação foram amplamente abordados como garantias sociais e direitos fornecidos pela sociedade, pela aldeia, pelo reino, pela nação e/ou pela ordem divina antes do capitalismo. Não é possível superestimar ou centralizar em demasia a importância do caráter único e anormal do fenômeno de negar a seres humanos em massa, como uma maioria em todo o mundo, direitos humanos básicos de sobrevivência nos comuns: habitação, sociabilidade, alimentação e acesso ao trabalho ou à produção, cuja ausência o capitalismo nos disciplina para agora considerarmos, de maneira atemporal, o verdadeiro estado da natureza, tornando-o, assim, amplamente invisível, fora da maioria dos campos de consideração. A partir de The Walking Dead a Westworld, isso é cimentado e amplificado nas metanarrativas da cultura pop sobre a natureza humana, nos termos mais rígidos do darwinismo social autodestrutivo, sendo repetido de forma bastante desinteressada em todos os meios de comunicação como um substituto para o tema recorrente da motivação para o mal.

A negritude como significante no pensamento e na ciência ocidentais sempre foi e continua sendo um assunto complexo, em geral, problemático, inerentemente relacional e politizado. A história do capital racializado é, portanto, duplamente difícil de discernir, porque mesmo a história e a sociologia da raça, o racismo e a ordem simbólica e epistêmica Preto/Branco ainda não foram descolonizados de maneira substancial, e, na verdade, ainda são extensões funcionais claras de dinâmicas e sistemas coloniais e neocoloniais. Isso é tão verdadeiro que também ocorre — embora espera-se que de formas mais sutis e mais inadvertidas ou reparáveis — dentro de muitos círculos marxistas e radicais. O atraso de muitos estudiosos e ativistas marxistas e progressistas brancos em se envolver, de maneira profunda, com análises raciais e lidar, de forma adequada e colaborativa, com comunidades não brancas e aliados potenciais em todas as formas de diferença, como uma parte primária de seu compromisso de trabalhar com classe, foi talvez a falha mais séria da maioria dos movimentos de esquerda do século XX. Isso continua sendo um grande desafio, continuamente explorado de forma flagrante.

Notas

1. Meu próprio trabalho contribui para historiografias corretivas decoloniais, especialmente no que diz respeito à pesquisa focada na cultura e na história da costa oriental da África, do reassentamento forçado de beduínos e dos deslocamentos curdos no Oriente Médio contemporâneo, bem como em questões de raça e racismo na América do Norte.

2. Mesmo hoje, continua sendo uma coisa sensível para escrever, tão delicadas, complexas e voláteis são as vicissitudes de raça e classe em seus detalhes do mundo real. Na década de 1980, isso era exponencialmente mais difícil de abordar como um tópico em quase qualquer lugar, embora eu saiba que alguns de nós o fizeram de maneiras diferentes. Descobri que sempre há dissidência em comunidades desiguais, se você souber como procurá-la.

3. Wadis são leitos de rios férteis que retêm água para sustentar árvores, arbustos, grãos e vida selvagem; no entanto, eles estão secos na maior parte do ano, apenas ocasionalmente inundando, às vezes de forma violenta, quando as chuvas caem rio acima algumas vezes por ano.

4. O singular Bedu significa “da terra”, beduíno significa “povo da terra”.

5. A marginalização racializada foi uma parte fundamental da opressão beduína sob o colonialismo britânico e, em seguida, o emergente estado israelense, que expulsou cerca de 90% da população beduína do deserto de Naqab (Negev), no sul, em 1948–1949, sujeitando o restante da população à relocação forçada em reservas militares fechadas e à subsequente desapropriação da maioria de suas terras ancestrais. Como consequência das categorias de raça ocidentais sendo introduzidas de forma mais institucional no início do século XX (mas não antes, em minha pesquisa), muitos beduínos começaram a adotar internamente atitudes raciais antinegras mais amplas e categorias contra membros de sua própria comunidade que tinham ligações mais diretas ou visíveis com ancestrais negros ou africanos, agora muitas vezes simplificadas demais como uma referência para a escravidão ou a capacidade de escravidão.

6. Estou pensando aqui, principalmente, em Kwame Nkrumah, Julius Nyerere, Walter Rodney, Ngugi wa Thiong’o, Okot p’Bitek, os quais se tornaram centrais para a teoria do meu trabalho, embora a lista seja realmente longa; e o Quênia também foi onde um colega estudante me apresentou a Audre Lorde, um grande evento.

7. Ver, por exemplo: “Comitê da África Austral: fotografias”, Arquivo de Ativistas Africanos. Disponível em: africanactivist.msu.edua. Acesso em: 18 maio 2020.

8. Em particular, estou pensando em Eric Williams, C. L. R. James, W. E. B. Du Bois, Oliver Cromwell Cox, Claudia Jones, Walter Rodney e muitos outros.

9. Edward Baptist, The Half Has Never Been Told: Slavery and the Making of American Capitalism. Nova York: Basic, 2016.

10. Em particular, ver Walter Rodney, The Groundings with My Brothers. Nova York: Verso, 2019; Walter Rodney, How Europe Underdeveloped Africa. Nova York: Verso, 2018; e Walter Rodney, Walter Rodney Speaks. Trenton, NJ: Africa World Press, Institute of the Black World, 1990.

11. Este exemplo vem de uma situação específica com Dean Don Blake e um fracasso espetacular com um Comitê de Diversidade não diverso em Binghamton, que desencadeou uma grande onda de ações e organização.

12.A negritude pode, então, ser estendida de várias maneiras para muçulmanos, judeus, indígenas ou qualquer outro povo “marrom”, conforme necessário, já que é um conceito fundamentalmente inventado e amorfo de qualquer maneira. Mas continua sendo um modelo baseado em pessoas negras que então não podem tentar navegar tão facilmente para fora de tais distribuições e atribuições como muitos daqueles em locais mais ambíguos dentro da estrutura epistêmica agora logoformativa da dicotomia Branco/Negro. Wynter sempre foi clara quando falamos que ela era cética em relação a Bartolomé de las Casas por causa de seu trabalho com os africanos. Ele é talvez parcialmente culpado por cimentar a mudança para a escravidão racial antiafricana, especificamente antinegra, que então passou a predominar no sistema atlântico.

13. Para meu projeto de livro atual sobre o tempo decolonial, estou elaborando uma teoria temporal que explica os mitos de origem da autoconcepção ocidental e nomeia esse fenômeno como uma espécie de concepção imaculada, um tema repetido ou processo de desistoricização formativa relacional que carrega graus de necessidade dentro da lógica do sistema colonizador.

14. Janet Abu-Lughod, Before European Hegemony. Oxford: Oxford University Press, 1989.

Colaborador

Jesse Benjamin is a professor at Kennesaw State University, a board member of the Walter Rodney Foundation, and editor of the journals Zanj, Intersectionality, and Groundings at Pluto Journals. He is the editor, with Robin D. G. Kelley, of Walter Rodney’s The Russian Revolution: A View from the Third World (Verso Books, 2018) and, with Asha T. Rodney, of Groundings With My Brothers (Verso Books, 2019).

He would like to thank Neshama Benjamin, Matt Barlow, Michael Robinson, and TJ Amandla for their encouraging feedback on drafts, and to the brilliant editorial team at Monthly Review.

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