Luis Fernando Medina Sierra
O ciclo de protestos na Colômbia continua e já começa a tomar a forma de um verdadeiro transbordamento político. (Foto: El país) |
No dia 10 de maio, enviei no Facebook um parabéns a um amigo de Bogotá que fez aniversário e ele, com bom humor e história, respondeu: "Gracias. Igual hoy no pasó lo del 57".
Referia-se à queda da ditadura de Rojas Pinilla em 1957, culminância de outras — as originais — "jornadas de maio" com algumas semelhanças com as de hoje. Achei que meu amigo estava mais certo do que ele mesmo imaginava. Naquela época, parecia que a agitação social estava começando a diminuir e que a estratégia do governo de apostar no desgaste do protesto — um roteiro antigo para qualquer governo conservador — iria funcionar.
Mas em apenas dois dias tudo mudou. O ciclo de protestos continua e já começa a tomar a forma de um verdadeiro desborde político, como não se recorda na história da Colômbia. Dois acontecimentos parecem ter dado um impulso (e então um terceiro foi adicionado): no dia 10 de maio, civis dos bairros ricos de Cali, até então epicentro da revolta social, atacaram com armas uma mobilização dos indígenas Minga que havia se somado às manifestações. No dia seguinte, Lucas Villa, um jovem que saiu para se manifestar em Pereira e foi baleado por pistoleiros anônimos, morreu após vários dias de luta entre a vida e a morte. Dois dias depois, Allison Meléndez, uma menina de 17 anos, suicidou-se depois de ser presa pela polícia de Popayán e abusada sexualmente.
Agora, no momento em que escrevo, não me atrevo mais a dizer que o protesto está se esgotando. Em vez disso, pode ser o início de um novo ciclo.
Ecos dos anos sessenta
Esses três episódios, além da violência abominável que refletem, têm uma carga simbólica que nenhum colombiano ignora. Primeiro pelas vítimas: indígenas, estudantes e mulheres em um país tremendamente racista e sexista, no qual, além disso, o desemprego e o desespero entre os jovens dispararam. Mas, além das vítimas, há também os perpetradores. A Colômbia tem uma longa história de violência paraestatal na qual, quando as coisas saem do controle, os abusos das "forças da ordem" são agravados por assassinatos perpetrados por milícias privadas com o conluio das elites políticas e econômicas.
Previsivelmente, cidadãos indignados vão para as vias de fato. Nos anos 60 foi a resistência camponesa armada — origem da guerrilha —; hoje, o protesto cívico em ambientes urbanos (embora também, e isso é freqüentemente esquecido, em cidades pequenas). Com igual previsibilidade, diante desses desafios, o Estado colombiano expõem suas garras e responde com uma repressão excessiva à qual se somam auxiliares civis, com letalidade aterrorizante. Com as guerrilhas do século passado, esses grupos paramilitares demoraram cerca de quinze anos para aparecer. Agora estamos vendo eles saírem para as ruas em questão de dias (na verdade, eles nunca saíram: eles estavam agachados há muito tempo).
Rangidos no Consenso de Washington
O termo "Consenso de Washington" é frequentemente usado para se referir às políticas de livre mercado que estavam em voga na América Latina desde meados da década de 1980. Mas esse uso do termo esquece que, na prática, era uma posição de consenso, ou seja, um pacote de reformas capaz de gerar apoios de diversos setores políticos. Isso é essencial para entender a durabilidade desse consenso e as razões de seu atual esgotamento.
Os pilares desse consenso são bem conhecidos: livre comércio, redução do tamanho do Estado, política monetária antiinflacionária, transferência do esforço fiscal para impostos indiretos. Essas medidas supostamente aceleraram o crescimento econômico. No entanto, também podiam agravar a desigualdade, mas para isso seus defensores tinham a solução: políticas redistributivas por meio de transferências para os mais pobres. Daí o nome "consenso". No papel, o pacote oferecia algo para todos: eficiência e crescimento para setores de direita, mecanismos para melhorar a igualdade de setores de centro-esquerda (na década de 1990 a esquerda havia se tornado irrelevante ou se voltado para o centro).
Com efeito, desde o final do século XX, iniciou-se na Colômbia um processo de construção do que poderíamos chamar de "estado de bem-estar neoliberal", o que permitiu ampliar a cobertura dos serviços sociais, em especial da saúde. É discutível se essa expansão foi alcançada da melhor maneira possível ou quais reformas ela precisa (na verdade, embora o gatilho para os protestos atuais tenha sido uma reforma tributária fracassada, no fundo havia também um projeto de reforma sanitária prestes a ser apresentado pelo governo). Mas aconteceu e gerou apoio político para o modelo econômico. Caso contrário, é difícil imaginar que tal modelo teria durado tanto.
Hoje, depois de trinta anos de existência, na Colômbia começam a ser vistos os limites desse paradigma. Em primeiro lugar, os resultados do crescimento econômico têm sido bastante decepcionantes. Segundo dados do Banco Mundial, entre 1961 e 1990, quando a Colômbia seguia um modelo híbrido de substituição de importações com promoção de exportações, o PIB cresceu em média 4,7% ao ano. Entre 1991, quando foi implantado o Consenso de Washington, e 2019, o crescimento médio foi de 3,5% ao ano.
O crescimento econômico não foi apenas mais lento, mas também mais volátil. Entre 1961 e 1991 houve apenas dois anos com crescimento inferior a 2%: os anos de 1982 (0,9%) e 1983 (1,5%), que foram os piores da crise da dívida externa latino-americana. Por outro lado, desde 1991 houve cinco anos com crescimento abaixo de 2%, incluindo o que, antes da pandemia, foi a pior recessão da história econômica da Colômbia desde que os dados estão disponíveis: o ano de 1999 (-4,2%). Além disso, nos últimos cinco anos, o crescimento médio caiu para 2,3% (com o qual o crescimento per capita é praticamente nulo).
Esse crescimento econômico modesto naturalmente reduziu o espaço para a redistribuição. Se a ideia era liberalizar a economia para gerar lucros que depois seriam distribuídos por meio da política social, a premissa passa a ser questionável se esses lucros são bem mais escassos.
Limites do modelo
Mas existem outros limites estruturais para a quantidade de redistribuição que pode ser alcançada neste contexto. A partir de 1990, a Colômbia reduziu suas tarifas (que, muitas vezes se esquece, não eram muito altas em relação aos padrões regionais) com a ideia de produzir uma realocação de recursos que melhorasse a eficiência da economia e o surgimento de novos setores produtivos. Mas o resultado foi uma primarização séria da economia: o pouco tecido industrial construído enfraqueceu e em muitos casos desapareceu, e o perfil exportador acabou voltando-se para os recursos naturais (principalmente carvão e petróleo).
Diante dessa morosidade da indústria, o mercado de trabalho colombiano é composto principalmente de pequenas empresas, muitas delas informais, e a densidade sindical gira em torno de 4% (embora isso seja influenciado por outro fator: a violência a que estão submetidos os dirigentes sindicais). Portanto, praticamente não há negociações entre trabalho e capital. Isso, junto com taxas de crescimento lânguidas, faz com que a Colômbia sofra de desemprego crônico.
De acordo com dados oficiais, durante o século 21 a menor taxa de desemprego foi de 8,14% durante o mês de novembro de 2015, e a média de todo o período foi de 13,11%. Se o "Estado Social Democrático do Bem-Estar Social" do mundo industrializado foi construído a partir da redistribuição dentro das empresas (e hoje vive uma grave crise), na Colômbia o sistema tem procurado que essa redistribuição opere por meio de subsídios e transferências mediadas pelo Estado, deixando intactas as relações de trabalho e garantindo um ambiente de baixos impostos sobre o capital em prol do que se chamou de "confiança do investidor".
É uma mistura altamente instável. Os elevados níveis de desemprego e informalidade fazem com que grande parte da população dependa do sistema de subsídios para a cobertura dos serviços básicos mas, ao mesmo tempo, a baixa arrecadação de impostos faz com que o governo esteja sempre incorrendo em déficit fiscal financiado com dívida. Isso, por sua vez, torna a economia colombiana mais vulnerável aos choques do mercado mundial.
Paliativos para uma crise terminal
O gatilho para os protestos foi um projeto de lei de reforma tributária (já retirado) apresentado pelo governo, que tinha vários objetivos. A mais urgente delas seria, supostamente, aumentar a arrecadação para sinalizar aos mercados internacionais que o governo ainda está solvente. Por outro lado, procurava um desejo antigo dos fiscalistas colombianos: aumentar a base tributária.
No momento da apresentação da reforma, a dívida externa colombiana (pública e privada) estava em torno de 53% do PIB, não excessiva para os padrões internacionais, dando a impressão de que o governo estava reagindo exageradamente aos temores sobre a viabilidade da dívida. Mas, em grande medida, a estrutura econômica colombiana tornou-se muito propensa a esse tipo de reação exagerada, precisamente por causa de sua incapacidade crônica de financiar as funções básicas do Estado com seus próprios recursos.
O aumento da base tributária foi ostensivamente redistributivo. Mas, sendo a Colômbia um dos países mais desiguais do mundo, questiona-se se uma dose adicional do mesmo remédio das últimas décadas funcionaria. O esquema é tão impecável na teoria quanto é diabólico na prática: aumentar os impostos indiretos (sobre todos os consumidores) e depois devolver esses impostos aos mais pobres por meio de transferências, seja em espécie (subsídio de saúde) ou diretamente em dinheiro.
Em um curso de teoria microeconômica, esse projeto receberia uma nota excelente. Mas politicamente tem sérias dificuldades. A redistribuição é, em última análise, discricionária. Depende da benevolência do governo no poder.
É aqui que reside a contradição mais profunda do neoliberalismo colombiano: para que o "estado de bem-estar neoliberal" que se pretende construir seja suficientemente robusto, são necessários mecanismos de diálogo na sociedade que não os do mundo do trabalho. Mas esses mecanismos não existem e não se vê como podem surgir. Os consumidores, que pagam impostos indiretos, não são uma entidade política coerente. Como vimos, os trabalhadores estão em sindicatos muito frágeis, dispersos no setor informal ou simplesmente desempregados.
Nessas condições, eles não podem ser atores plenos de um pacto social. Os partidos políticos estão se enfraquecendo progressivamente (mais do que já estavam) à medida que se tornam federações de gestores de programas sociais em nível local. Os únicos atores sociais bem organizados e com capacidade de se fazerem ouvir pelo Estado são os sindicatos e o seleto grupo dos grandes empresários.
É por isso que a crise econômica e social na Colômbia nos últimos anos está testando os limites do Consenso de Washington. E, como costuma acontecer em momentos em que todo um paradigma está em dúvida, a reação de seus defensores é extremamente imprudente. Os bispos do governo têm saído nestes dias para denunciar todo tipo de conspirações internacionais, culpar a ignorância do povo colombiano pela crise (aquele que supostamente tiveram que educar) ou, no melhor dos casos, lamentar os fracassos de comunicação ocorrida no processo de reforma, falhas que parecem não poder ser corrigidas com o "trabalho pedagógico" da polícia de choque.
Ao contrário dos dias de maio de 57, é altamente improvável que o governo Duque caia. É a única previsão que pode ser feita com alguma certeza. Além disso, seria totalmente idiota tentar adivinhar o que acontecerá em uma situação tão volátil. Mas é inevitável a sensação de que algo se quebrou na Colômbia nos últimos dias e que, para o bem ou para o mal, nunca mais será o mesmo.
Luis Fernando Medina Sierra
Ph.D. em Economia pela Stanford University. Ele lecionou na Colômbia na Universidade Nacional, na Universidade de Los Andes e na Universidade Externado. Ele é o autor de Socialism, History and Utopia (Akal, 2019).
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