27 de maio de 2021

O cinema como arma da revolução

O nome de Raymundo Gleyzer (1941-1976) condensa a paixão do cineasta e do militante guevarense que quis pensar o cinema como arma da revolução. O programa cinematográfico do argentina continua despertando interesse pelo poder político da imagem e do cinema.

Oscar Ariel Cabezas


Referência internacionalmente reconhecida de sua época, Gleyzer foi sequestrado e assassinado pela ditadura civil-militar em 27 de maio de 1976.

Recordar Gleyzer hoje é recordar uma outra época: aquela em que as imagens eram vistas como um campo ideológico contestado. No léxico dos militantes revolucionários dos anos sessenta, a luta de classes era também a luta pela imagem. A revolução precisava de seu próprio cinema, pensava Gleyzer, um que pudesse formular uma alternativa ao paradigma industrializado de Hollywood. Sem ele, a luta das classes subalternas permaneceria subsumida na indústria comercial e de entretenimento do cinema capitalista.

Um epígono do cinema social latino-americano, Gleyzer combinou o marxismo e imagens da América Latina explorada para forjar um projeto social e político único: Cine de la Base. Num contexto distante, mas não tão diferente, devemos lembrar o exemplo de Gleyzer e repensar o poder político das imagens e do cinema.

A luta pela imagem

A história de Gleyzer surge no conturbado contexto dos anos 60 e, em particular, do cinema social latino-americano ou Terceiro Cinema. Esse cinema revolucionário deixou seus primeiros marcos nos filmes de Fernando Birri, como Los Inundados (1961), chegando ao filme Las Actas de Marusia, de Miguel Littin, de 1976. Mas, sobretudo, o caso paradigmático e revelador para Gleyzer e para a época foi o documentário realizado por Fernando Pino Solanas e Octavio Gettino, La Hora de los Hornos (1968). Embora Gleyzer não compartilhasse da militância peronista de Solanas e Gettino, tanto eles quanto seus colegas cineastas seguiam um modelo comum: um cinema que pretendia provocar revoluções na América Latina.

Além de Birri, Gettino e Solanas, havia um grande número de cineastas embarcando no mesmo projeto de cinema revolucionário. Os nomes de Glauber Rocha, Santiago Álvarez, Tomás Gutiérrez Alea, Jorge Sanjinés, Raúl Ruiz e Paul Leduc são alguns dos muitos que se posicionaram em relação às imagens cinematográficas. Com todas as suas diferenças estéticas e políticas, o cinema social latino-americano reuniu artistas, intelectuais e criadores sensíveis à pobreza e à exploração.

Em linhas gerais, o cinema social latino-americano buscava unir-se à luta dos povos e romper o cerco em que o "desenvolvimento desigual e combinado" do capitalismo impossibilitava a igualdade por meio de Estados democráticos e liberais. Era, em suma, um cinema que nasceu do imaginário e da prática revolucionária da época. Mas mesmo naquela constelação de artistas e intelectuais radicalizados, o caso de Gleyzer se destacava. A consciência crítica de Gleyzer era o olhar guevarista e o socialismo revolucionário, de militante do PRT-ERP (Partido Revolucionário dos Trabalhadores-Exército Popular Revolucionário).

Como artista e intelectual, o argentino entendeu que deveria filmar as desigualdades e injustiças sociais produzidas por um regime econômico que usurpa a vida dos trabalhadores. Mas a perspectiva de Gleyzer não era de mera denúncia. A postura crítica de Gleyzer e de engajados cineastas latino-americanos significou, antes de tudo, expor que as imagens não são politicamente neutras. A frase emblemática do brasileiro Rocha, "uma câmera na mão, uma ideia na cabeça", é sintomática de uma postura não só estética e política da região, mas também de um momento em que a ética revolucionária da época buscava politizar a imagem através do que Gleyzer e Solanas enunciaram como "cinema de contra-informação".

Uma das principais ideias do "cinema de contra-informação" era que a imagem não poderia ser neutra. Ela deveria ser contestada por meio da crítica à exploração do capitalismo e do imperialismo, mas as bases formadas principalmente pelo mundo dos trabalhadores e favelas também deveriam ser entrelaçadas com a atividade de contrainformação do Cinema de Base.

Através das imagens fílmicas, a base (um grupo de não mais de 20 pessoas) teve que se identificar como sujeito ativo da resistência, oposição e revolução socialista. Para alcançar tal identificação, era necessário um cinema em que o espectador despertasse pela reflexão e indignação. Todo o trabalho documental e o filme ficcional que Gleyzer filmou é motivado por isso: que a imagem desperte indignação, ou seja, o cinema como uma didática para despertar a consciência para o socialismo revolucionário.

Assim, o cinema de contra-informação consistia em uma teoria radical do espectador (muito semelhante àquela desenvolvida por Tomás Gutiérrez Alea em seu livro Dialéctica del espectador). Gleyzer pensou as imagens a partir de uma concepção do "popular" em que a luta de classes havia sido invisibilizada pelo puro entretenimento oferecido pelo paradigma da indústria cultural de massa. Como o livro de Alea tenta distinguir, o cinema que se posiciona em seu compromisso com o cinema popular deve produzir uma "dialética no espectador": um momento em que o espectador deixa de ser um consumidor passivo de imagens comerciais, interrompendo a economia da imagem e sua aliança com o capital.

No melhor do Terceiro Cinema, como no caso de Gleyzer, há uma interrupção da imagem controlada —o benevolente olhar humanista— que converte a pobreza, a miséria e a exploração das classes subalternas em objetos estéticos. E nessa interrupção da falsa ilusão consistia a arte que Gleyzer pregava.

Um cinema da realidade

Ao contrário da falsa verdade produzida pelo cinema de entretenimento, a verdade que Gleyzer perseguia não poderia ser uma mera utopia, uma ilusão. Para que o cinema contribua para a luta de classes, ele deve evitar o ilusionismo, ou seja, o espetáculo de falsas ilusões. Por isso, Gleyzer e seus companheiros inverteram a ideia de que as massas deveriam "fugir" para a cinemateca, e fizeram dos espaços do sindicato e das favelas o local de ocorrência da interrupção. Essa abordagem, de sair dos espaços institucionais de consumo, estava ligada à ideia de que o espectador não deveria se identificar com os personagens, mas sim discuti-los, levando a intensidade dos afetos e a trama para um plano real.

Segundo Gleyzer, a hegemonia visual promovida pelos signos informáticos da publicidade e do entretenimento reduzia o espectador a um lugar passivo e suscetível à moralidade burguesa. Por outro lado, os filmes do argentino buscavam uma mobilização, ou seja, que o cinema fizesse nascer entre as bases os afetos que seriam canalizados para uma transformação sensorial, que em última instância deveria preparar os corpos dos trabalhadores para a luta de classes.

Exemplos claros disso são o documentário que filmou com Jorge Prelorán, Ocurrido en Hualfín (1965), no qual são denunciadas as condições de extrema exploração dos habitantes de Catamarca, Argentina. Também em Swift (1971), curta-metragem em que narra o sequestro do cônsul britânico pelo ERP e a obtenção de um resgate que significava melhorar as condições de vida dos operários da fábrica.

No documentário Ni olvido ni perdón: la masacre de Trelew (1972), Gleyzer narra a fuga da prisão de vinte e cinco membros do PRT-ERP, Montoneros e FAR durante a ditadura do general Lanusse; seis deles conseguiram fugir de avião para o Chile, mas dezenove não conseguiram e foram assassinados à queima-roupa pela ditadura. Me matan sino trabajo y si trabajo me matan: La huelga obrera en la fábrica INSUD (1974) narra e denuncia as condições de vida dos trabalhadores que morreram por intoxicação por chumbo, ou seja, por contaminação por chumbo no sangue.

Um compromisso inabalável

A ideia da revolução socialista para Gleyzer é tão clara e necessária quanto para Che Guevara: a revolução socialista é a única saída para a exploração capitalista. Embora aniquilada pelo terrorismo de Estado e pelas ditaduras, a ideologia revolucionária de Gleyzer postulava que era preciso ver para pensar e pensar para agir. Nesse sentido, o revolucionário argentino nunca desistiu de seu compromisso com o cinema, que entendia literalmente como uma arma. Fiel às suas próprias ideias, o revolucionário argentino jogou sua vida como cineasta e militante do PRT-ERP, na luta armada e nas ideias que Mario Santucho disseminou no livro Poder Burgués, poder revolucionario (1974).
 
Ele tinha 35 anos quando foi sequestrado na porta do Sindicato Cinematográfico Argentino. Os sequestradores são conhecidos por roubar seus pertences sem nem imaginar quem eles estavam roubando. O verdadeiro tesouro, composto por várias latas de negativos de filmes, nem foi percebido pelos sequestradores. Em maio de 1976, as forças do terrorismo de Estado o fizeram desaparecer fisicamente e até hoje o cineasta que criou a imagem da indignação e traição continua desaparecido.

O pensamento que moveu toda a sua carreira cinematográfica era de uma humildade chocante e ao mesmo tempo uma enorme paixão militante. O que ressoa hoje, 45 anos depois de seu desaparecimento junto com o escritor Haroldo Conti, é o clamor de uma arte militante que tentou pensar o cinema e o compromisso com as imagens, a partir da coragem de se posicionar.

A imagem que escandaliza, ontem e hoje

Tendo presente a genealogia da sua obra cinematográfica —Círculo (1963), La Tierra quema (1964), Ocurrido en Hualfín (1965), Pictografías del Cerro Colorado (1965), Ceramiqueros de tras la sierra (cortometraje, 1965), Elinda del Valle (1969) Swift (1971), Ni olvido ni perdón: la masacre de Trelew (cortometraje, 1972), México, la revolución congelada (1973), Los traidores (ficción,1972), Me matan sino trabajo y si trabajo me matan: La huelga obrera en la fábrica INSUD (1974)— pode-se dizer que toda a obra cinematográfica de Gleyzer é um tratado político sobre a imagem-indignação.

Nos interstícios latino-americanos da desigualdade estrutural e de um mundo que gira em torno de espaços industriais de produção de imagens, Gleyzer foi, sem dúvida, um teórico da indignação. É exatamente isso que acontece no filme Los traidores e em México, la revolución congelada, ou seja, mostrando o desenrolar da luta de classes desde a arte de montar imagens que nos indignam a ponto de ser impossível ficar no espaço de espectador passivo.

Mas o legado que hoje nos chega com mais intensidade pode ser outro. Gleyzer se esforçou para mostrar as dobras ideológicas nas quais o poder da burguesia seria capaz de conter a revolução. Assim, a crítica aos sindicatos peronistas em Los traidores não é apenas uma crítica à burocratização dessa instituição operária, mas às formas como a hegemonia do capital e suas derivas discursivas e institucionais permearam a base operária a ponto de corromper isto. A mesma coisa acontece no documentário México, la revolución congelada; Na crítica de Gleyzer ao Partido Institucional Revolucionário do México (PRI), é possível compreender que a compreensão das imagens é inevitavelmente articulada por uma narrativa que sustenta a lógica do espectador passivo.

Por isso, a tarefa de Gleyzer é recuperar uma postura ética em que a indignação retome seu vínculo com a realidade social, fundamentando a ação política. A atualidade do Cine de la Base e suas questões devem ser buscadas nessa imagem-indignação e no núcleo sensível da materialidade da luta de classes.

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