21 de maio de 2021

O colonialismo no centro da questão Israel-Palestina

Ignorar a relação colonial impossibilita encontrar meios de superá-la

Bruno Huberman e Isabela Agostinelli



Alguns israelenses, como o cônsul-geral de Israel em São Paulo, Alon Lavi, costumam justificar a violência nos ataques contra os palestinos sob a garantia do direito de Israel existir. Contudo, o que Israel exerce é, na realidade, o poder de existir na forma de tanques, bombas e aviões que submetem os palestinos à existência de um Estado de apartheid em suas terras. Um poder colonial profundamente assimétrico, que tem feito do conflito um massacre.

Diferentemente do que reivindica Daniel Douek, não existe simetria por trás dessa violência. De um lado, há um nacionalismo colonizador, o sionismo, e de outro um nacionalismo anticolonial, o palestino. Para os palestinos, a relação colonial em termos binários como colonizador e colonizado, opressor e oprimido, não tem nada de imaginário: é como a ordenação das populações naquele território foi originalmente produzida pelos imperativos racistas dos colonizadores sionistas e que continua a fundamentar as suas relações materiais. Seja em Israel ou nos territórios ocupados.

Como lembra o intelectual judeu tunisiano Albert Memmi: “Aos olhos dos colonizados, todos os europeus nas colônias são colonizadores de fato, e, queiram ou não, são colonizadores de alguma forma”.

O confinamento dos palestinos na Faixa de Gaza sob o governo do Hamas foi uma decisão imposta, em parte, pela força ocupante. O Hamas foi criado com a ajuda do serviço secreto israelense para enfraquecer os movimentos seculares palestinos e continua a servir de bode expiatório para justificar a sua repressão e divisão. O seu confinamento em Gaza faz parte da tradicional estratégia colonial de dividir e governar, que resultou na fragmentação socioespacial dos palestinos em vários bantustões sob diferentes formas de governo.

Em 2005, em meio à Segunda Intifada, Israel decidiu “evacuar” a Faixa de Gaza por meio da retirada dos assentamentos judeus. O resultado, porém, não foi o fim da ocupação, mas a sua perpetuação por outros meios. Israel ergueu uma cerca em torno do território e continuou a controlar tudo o que entra e sai: pessoas, mercadorias, alimentos, ajuda internacional etc.

Israel ainda domina a fronteira marítima de Gaza, impedindo que pescadores palestinos naveguem até uma certa distância da costa, e também todo o espaço aéreo. O resultado é o isolamento completo de Gaza.

O território possui uma das maiores densidades demográficas do mundo (5.693 pessoas por km2) e carece de recursos vitais, como água potável e eletricidade. O desenvolvimento da economia local colocou mais de 1 milhão de palestinos (57% da população local) abaixo da linha de pobreza em menos de dez anos, tornando Gaza "invivivel".

O retrato é de uma catástrofe propositadamente produzida por Israel. Logo, argumentar que a violência começa com os ataques de foguetes do Hamas é equivocado. Isso descontextualiza toda a história de violências que Israel conduz na Palestina.

O “direito de existir” dos israelenses em nenhum momento é ameaçado pela resistência palestina, mas o contrário é verdadeiro: a existência nativa tem sido diminuída por meio de massacres, como o de Gaza e o de Deir Yassin, ocorrido em 1948, quando mais de cem civis palestinos foram mortos na Nakba; e pela expulsão forçada de famílias palestinas de suas casas, como ocorrido no bairro Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental —o estopim do atual ciclo de violência.

Com ou sem Hamas, toda forma de resistência palestina sempre foi entendida como uma ameaça pelos israelenses e punida com violência. A “democracia” israelense só é possível sobre um regime de apartheid que impede os palestinos de reivindicar justiça sobre as terras e vidas roubadas. O principal obstáculo para a paz não é o Hamas, mas o colonialismo de Israel. “Palestina Livre” sempre significou uma terra livre de opressão e colonização, nada menos e nada mais.

Sobre os autores

Bruno Huberman

Professor do curso de relações internacionais da PUC-SP e vice-coordenador do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (Geci/PUC-SP)

Isabela Agostinelli

Doutoranda em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP) e pesquisadora do Geci/PUC-SP

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